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“O que aprendi com a paralisia cerebral da minha filha”

A advogada Maira Favaretto, mãe de Guilhermina, de 7 anos que sofre de paralisia cerebral, escreveu um emocionante livro que ajudou no tratamento da filha

Por Carolina Melo 7 set 2016, 13h44

Há sete anos, a advogada paulista Maira Favaretto, de 35 anos, teve a vida mudada abruptamente. Guilhermina, sua filha mais nova, nasceu prematura, com graves complicações que resultaram em paralisia cerebral. Desde então, passou a lidar com a realidade de criar uma criança com deficiência. A experiência dolorosa, intensa e também cheia de amor e generosidade, resultou no livro “Minha Irmã é a Guilhermina: somos todos especiais“.  A obra é um sucesso. As vendas, realizadas pela internet, ajudaram a pagar uma cirurgia que facilitou a locomoção da filha, realizada nos Estados Unidos. A seguir, o depoimento de Maira para VEJA.

“Estava na minha segunda gravidez, já com 28 semanas de gestação, quando acordei subitamente durante a madrugada. Minha bolsa havia estourado. Era cedo demais para isso. Tirei Valentina, minha outra filha, da cama e saí correndo com meu marido para o hospital. Era uma situação assustadora. Minha primeira gravidez havia transcorrido absolutamente normal e a atual até então estava ótima.

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No hospital, tive de ficar por três dias em absoluto repouso, tomando corticoides. Os medicamentos eram para estimular os pulmões do meu bebê a se desenvolverem antes do parto. Não teve jeito. Ela começou a entrar em sofrimento e precisava sair do meu ventre. E então nasceu a Guilhermina, pesando apenas um quilo.

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Não pude segurá-la em meus braços. Foi encaminhada imediatamente para a UTI neonatal. Três dias depois, ela sofreu uma parada cardiorrespiratória que durou 50 minutos. E então, veio o diagnóstico que mudaria nossas vidas para sempre: paralisia cerebral.

O período que seguiu foi um dos mais difíceis da minha vida. Guilhermina ficou no hospital durante quatro meses, três deles entubada. Nós podíamos visitá-la três vezes ao dia. Minha filha era mantida com muitos fios e tubos em volta de seu corpo tão pequenininho. Em diversos momentos, quando eu a visitava na UTI, era obrigada a me afastar porque ela parava de respirar subitamente e precisava de cuidados urgentes. Acompanhamos diversas outras histórias, vimos bebês morrerem e compartilhamos nosso sofrimento com quem estava passando por uma situação parecida. Só pude carregar minha filha no colo 60 dias depois de seu nascimento.

Quando Guilhermina chegou em casa, ela era uma caixinha de surpresas. Ela havia sofrido uma lesão no cérebro e as consequências disso em seu futuro eram totalmente incertas. Quando um médico informa que seu filho sofre de paralisia cerebral, ele não consegue prever se a criança conseguirá andar, falar e se desenvolver normalmente. O que restava fazer era esperar e ter esperança. Mas, na medida em que foi crescendo, comecei e perceber as dificuldades que surgiam. Ela tinha problemas para se alimentar e vomitava com frequência. A fala também não se desenvolveu e os movimentos para se locomover surgiram muito lentamente e com extrema dificuldade. Ainda por cima, eu tinha em casa outra criança que estava crescendo e conseguia ver perfeitamente a diferença em relação à irmã.

Guilhermina
Guilhermina durante fisioterapia (Arquivo pessoal)

Guilhermina foi submetida à primeira cirurgia aos dois anos de idade, em um hospital de Ribeirão Preto. Um furo foi feito na base do cérebro para drenar o líquido cefalorraquidiano, que havia em excesso e estava atrapalhando o crescimento cerebral. Também passei a acompanhá-la uma vez por ano aos Estados Unidos para a um tratamento de reabilitação com uma equipe de fisioterapeuta, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional. Com o tempo, ela começou a desenvolver melhor a parte motora e engatinhar ou se locomover sentada.

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Mas quando um problema era resolvido, outros apareciam. Com o tempo foram surgindo deformidades ósseas, porque seus ossos não cresciam na mesma proporção que os músculos. Os médicos brasileiros disseram que seriam necessárias pelos menos 20 cirurgias para corrigir o defeito, mas então descobrimos que nos Estados Unidos havia uma opção cirúrgica pouquíssimo realizada no Brasil, e que poderia melhorar o problema. A questão é que o procedimento custava cerca de 240 mil reais. Foi nesse momento que decidi colocar em prática uma ideia que eu já tinha em mente para ajudar com os custos da operação: escrever um livro sobre a experiência de ter uma filha com deficiência.

A cirurgia foi um sucesso e hoje a Guilhermina já consegue se movimentar melhor, com ajuda de um andador. E, no fim, tentamos dar a ela uma vida como qualquer outra criança. As pessoas associam a paralisia cerebral à imagem de uma pessoa em estado vegetativo. Mas a minha filha vai à escola, brinca com a irmã e se comunica com a família — à sua maneira.

Ela não profere palavras, mas utiliza gestos e nós entendemos tudo. Aprendemos a dar valor a toda e qualquer conquista, mesmo que para os olhos de outra pessoa pareça uma bobagem.  Há poucos dias, por exemplo, ela fez pela primeira vez uma série de gestos que significaram uma frase inteira. Foi lindo demais. Ela apontou para o banheiro, apontou para a irmã e apontou para ela mesma. O que ela quis dizer foi “eu quero tomar banho com a Valentina” e eu compreendi perfeitamente. Aquilo me deixou emocionada.

O mais difícil de tudo é que as pessoas acham que os pais de crianças com deficiência se tornam super-heróis a partir do momento que recebem a notícia de que o filho tem um problema. Detesto quando me chamam de “guerreira” porque isso passa a impressão de que sou invencível e não posso ter momentos de fraqueza. Não é assim que funciona. Há dias que eu sou muito forte e há dias que tudo que mais quero é enfiar a cabeça no travesseiro e tentar encontrar uma resposta para a pergunta: “por que isso aconteceu?”. Mas então lembro que a pergunta certa a ser feita é: “como posso lidar com isso da melhor maneira possível?”.

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