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Um em cada cinco alemães tem preconceito contra judeus

Em entrevista, especialista que participou de um estudo sobre antissemitismo explica as 'raízes profundas' desse sentimento que atinge 20% da população

Por Gabriela Loureiro
13 fev 2012, 07h17

“Não significa que essas pessoas ataquem os judeus, mas ela têm sentimentos antissemitas latentes, que não manifestam abertamente. São clichês, ressentimentos e preconceito.”

Juliane Wetzel, historiadora alemã

Sessenta e seis anos após a rendição nazista na II Guerra Mundial, o antissemitismo continua presente em 20% da população alemã. Ou seja, 16 milhões de pessoas ainda têm forte preconceito contra judeus – número que equivale, por exemplo, à toda a população da Holanda. O levantamento consta de um relatório recente encomendado pelo Bundestag (Parlamento da Alemanha). Esse sentimento antissemita, porém, não está ligado necessariamente à violência ou a uma devoção por Adolf Hitler. O preconceito é velado, encoberto sob o tabu do holocausto que ainda incomoda essa sociedade, algo que pode ser facilmente comparado ao racismo no Brasil. “Não significa que essas pessoas ataquem os judeus, mas elas têm sentimentos antissemitas latentes, que não manifestam abertamente. São clichês, ressentimentos e preconceito”, explica ao site de VEJA a historiadora Juliane Wetzel, uma das especialistas do grupo que desenvolveu o estudo.

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Mas é importante salientar que esse preconceito é tão perigoso quanto o da época do nazismo, ressalva Peter Longerich, professor de história e fundador do Centro de Pesquisas sobre o Holocausto da Universidade de Londres. Isso porque, explica ele, essas “piadas” são aceitas com naturalidade pela sociedade. O especialista, que participou da pesquisa ao lado de Juliane, divide esse antissemitismo em duas correntes: a crítica à política do estado de Israel e a ideia de que, de alguma forma, os judeus estão lucrando com o holocausto – como se a “obsessão” do mundo com o massacre da II Guerra Mundial fosse um lobby israelense. “Muitos alemães sentem vergonha do holocausto, mas há uma minoria que tenta se livrar desse problema comparando a ocupação dos territórios palestinos com o massacre de judeus na Alemanha nazista para tentar compensar seu sentimento de culpa, acusando os judeus de cometer crimes parecidos”, explica. “É uma espécie de antissemitismo silencioso e funciona como um protesto contra o discurso sobre os crimes da Alemanha na II Guerra Mundial”, completa.

O levantamento salienta ainda que esse sentimento não é algo novo. Há pelo menos 20 anos, o número de antissemitas no país varia entre 15% e 20% – e é essa estabilidade que preocupa especialistas, na realidade. “Obviamente, o preconceito e os estereótipos antissemitas são passados de uma geração para outra”, analisa Longerich. Só que essa não é uma exclusividade da Alemanha, ao contrário do que se possa pensar inicialmente. O sentimento antissemita pode ser observado por toda a Europa, algumas vezes até em proporções maiores. A explicação está, por exemplo, nos primórdios da Igreja Católica, que incentivava a perseguição a judeus na Idade Média, em países como Portugal, Espanha, Rússia, Hungria e Polônia.

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Confira, no infográfico abaixo, a perseguição a judeus na Europa ao longo da história:

Mapa mostra perseguição aos judeus na Europa
Mapa mostra perseguição aos judeus na Europa (VEJA)

Discurso – Mesmo que esse fenômeno possa ser observado em outras nações, é na Alemanha que ele remete a um passado desastroso e manchado pelo estigma do nazismo. Por isso, faz parte da oratória do governo condenar o preconceito contra judeus e lembrar a vergonha do holocausto, o que leva a um chamado “antissemitismo secundário”. Juliane explica que esse é o sentimento daqueles que culpam os judeus “por estarem sempre presentes”, forçando o mundo – e eles mesmos – a lembrar do extermínio. É o elefante na sala de jantar da Alemanha, que a pesquisadora Juliane Wetzel esclarece na entrevista a seguir:

Juliane Wetzel e Peter Longerich, com o estudo em mãos
Juliane Wetzel e Peter Longerich, com o estudo em mãos (VEJA)
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A que se atribui esse alto índice de antissemitismo entre os alemães? O antissemitismo tem raízes profundas na sociedade alemã, porque os antigos estereótipos antissemitas ainda estão aí. Não significa que essas pessoas ataquem os judeus, mas elas têm sentimentos antissemitas latentes, que não manifestam abertamente. São clichês, ressentimentos e preconceito. Muitas pessoas que tiveram uma boa educação, por exemplo, usam às vezes esses estereótipos e aí você consegue ver que está lá, tem raízes profundas. Mas claro que comparado ao antissemitismo pós-guerra, na década de 1940, diminuiu drasticamente.

Se o sentimento está tão enraizado, como se pode combatê-lo? Combater o antissemitismo é um processo muito longo, porque é difícil atingir as pessoas que pensam assim. Elas precisam refletir sobre si mesmas e sobre o que dizem. E elas negam automaticamente que são antissemitas por causa do tabu (em relação ao holocausto). O governo financia estudos e organizações de combate ao antissemitismo, mas esse quadro levará um bom tempo para ser transformado.

Como é possível haver tantos antissemitas em um país com esse grande tabu em relação ao holocausto? Está muito claro que há um tabu no discurso público para usar estereótipos antissemitas. Mas, nos últimos anos, nós temos indicações de que pessoas com esse preconceito sabem muito bem que não podem expressar isso abertamente, somente em discussões privadas. Então, elas usam o conflito no Oriente Médio como plataforma para expressar esses sentimentos, comparando o holocausto à política de Israel em relação aos palestinos, por exemplo. Esse tabu, às vezes, leva as pessoas a pensarem que nós não temos o direito de criticar Israel por causa da nossa história, e isso não é verdade, todos estão autorizados a criticar o governo de Israel. O problema é que alguns cruzam a fronteira da crítica legítima e usam estereótipos para, por exemplo, culpar judeus alemães pela política israelense.

Como você definiria esses 20% de antissemitas? Há diferentes áreas da sociedade onde o antissemitismo está presente de forma mais óbvia, embora seja um fenômeno generalizado. A maioria dos antissemitas apoia ou está ligada a alas políticas de extrema direita, mas também há círculos de extrema esquerda que são antissemitas. Existe, ainda, os grupos islamitas, não necessariamente muçulmanos, mas pessoas que veem o Islã de uma forma política e o seu sentimento antissemita está baseado nos conflitos do Oriente Médio. Há algumas partes do país onde os extremistas de direita, o chamado Partido Nacional Democrata, tem mais influência, em regiões mais rurais. O antissemitismo cresceu nessas regiões após a queda do Muro de Berlim porque elas têm problemas econômicos, não são muito desenvolvidas, os mais jovens não tem um bom acesso à educação, não há muitas indústrias e há mais desemprego.

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