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Kátia Abreu: cada parlamentar do PSD votará como quiser

Senadora diz seguir na oposição, mas livre para apoiar projetos de Dilma

Por Carolina Freitas
15 abr 2011, 18h51

“Se Dilma mandar uma reforma da previdência e quiser que eu ajude na relatoria, sou companheira. Pode contar comigo”, Kátia Abreu

Cotada para presidir o Partido Social Democrático (PSD), a senadora Kátia Abreu tem diante de si um desafio: transformar um aglomerado de políticos em um partido. A nova legenda atraiu parlamentares e chefes de Executivo das mais diversas matizes ideológicas, de olho na oportunidade de se lançarem a cargos públicos ainda mais vistosos. Em entrevista ao site de VEJA, Kátia Abreu conta detalhes de sua saída do DEM, explica por que votou a favor do governo Dilma Rousseff, por um salário mínimo de 545 reais contra os 600 reais propostos pelos colegas de oposição, e afirma que os deputados e senadores do PSD terão liberdade para votar no Congresso como bem entenderem. “Não tem outro caminho. Teremos de aprender a tolerar o intolerável.” Ainda assim, Kátia sente-se um quadro da oposição. “Não vou contribuir com Dilma, vou contribuir com o Brasil, o que pode, eventualmente, coincidir com ações dela”, explica. A seguir, os principais trechos da entrevista: A ata de fundação do PSD foi assinada por políticos da base e da oposição, das mais diversas correntes políticas. Como fazer desse grupo um partido? Estamos num período conturbado, em que vamos precisar conviver com posições divergentes. Como vamos estabelecer uma regra única? Não tem como. Nós estamos aceitando pessoas da oposição e da base. Até 2014, vamos precisar de muita habilidade, muita tolerância. É um desafio e tanto. Quem é base vai votar na base, quem é oposição poderá votar com o governo ou não. É o meu caso por exemplo. Eu não quero fazer oposição como se fosse uma empresa de demolição. A senhora vai passar a votar a favor do governo? Tenho meus princípios. Acredito na responsabilidade fiscal, na livre iniciativa, na redução de impostos, em investimentos em logística. Imagina que Dilma coloque em votação uma matéria que diz respeito ao controle fiscal. Só porque foi a Dilma eu vou votar contra? Vou trabalhar contra um princípio que é meu? Não, não vou. Se a ação dela coincidir com um princípio meu, vou apoiar. Foi isso que norteou a decisão da senhora de votar a favor da proposta do governo de salário mínimo? Eu votei com o governo porque tenho pavor da inflação. Tudo o que eu puder contribuir para não ter inflação vou contribuir. Não é contribuir com a Dilma, é contribuir com o país, o que pode coincidir com ações dela. Então eu não aceito essa patrulha ideológica que fazem cada vez que voto com o governo. Eu não estou atrás de cargo, de renda, de emprego. Não estou fazendo negociata. Com tanta diversidade, como o PSD vai orientar sua bancada, que já passa de trinta deputados? Cada caso será um caso. Vamos ter de avaliar tudo com bastante cuidado. Eu, por exemplo, fico muito à vontade. Quem está na oposição está sempre mais à vontade. Se Dilma colocar em votação uma proposta de aumento de impostos, ninguém vai brigar contra mais do que eu. Agora, se ela mandar uma reforma da previdência antipopular e quiser que eu ajude na relatoria, eu sou companheira, pode contar comigo. A bancada ficará livre para votar como quiser? Vou ter de compreender cada um dos parlamentares. A bancada vai viver praticamente liberada, porque não tem outro caminho. Cada parlamentar do PSD votará como quiser. Vamos ter falta de sintonia em algumas matérias. E vamos ter de aprender a tolerar o intolerável. Estamos dando a oportunidade para uma camada muito grande de parlamentares que estão aborrecidos com com a ditadura partidária. A fidelidade partidária só serve a uma pessoa: ao chefe do partido. Não ajuda em nada a vida da população, não acrescenta ética ao país, não muda os princípios filosóficos dos partidos. Mas, tudo bem, a lei está aí. Vamos respeitar. A fórmula para superar essa situação é um partido novo ou uma fusão. Está na lei. Estamos praticando a democracia da lei. As pessoas estão incomodadas em ser oposição? Eu particularmente não. Cresci muito na oposição porque na oposição você é obrigado a estudar ainda mais para debater. Na adversidade eu, Kátia, costumo crescer. Não tenho a mínima dificuldade de estar na oposição, mas compreendo que estar na base é vital para alguns políticos de regiões mais pobres do Brasil. Os recursos só saem pra quem está na base. A liberação das emendas deturpa e escraviza os parlamentares. No PSD a senhora ainda se considera uma senadora de oposição? Sim. Eu sou da oposição. Sabe por quê? Porque eu não apoiei a Dilma, então seria oportunismo meu dizer que agora eu vou apoiá-la. Eu vou apoiar o Brasil, vou apoiar todas as propostas que ela colocar na mesa e que estiverem em sintonia com os meus princípios. Até porque o eleitor elegeu a senhora pela oposição. Sim, eu não tenho o menor constrangimento de estar na oposição, em hipótese alguma. Claro que eu tenho vontade de ser governo um dia. Não gosto de sofrer, não. Gostaria muito de por meus projetos para o Brasil, que a gente pudesse colaborar, mas a gente participa na oposição também. Sob que liderança a senhora gostaria de ser do governo? Não tenho nenhum nome para colocar agora. Gilberto Kassab, por exemplo, é uma pessoa que pensa muito parecido comigo, acredita na livre iniciativa, no estado necessário. Gosto dele, gosto do Guilherme Afif Domingos, gosto do José Serra. Acho que Dilma tem dado bons sinais. Não quero ficar na obrigação de criticar a Dilma o tempo todo. Não mesmo. Não é minha obrigação criticar. Ninguém vai conseguir me constranger. A senhora acha que é possível dar essa contribuição para o governo Dilma? Tenho certeza que sim. Em tudo na vida – e principalmente na vida pública – precisa ter caráter. Não interessa se você é oposição ou governo. Você tem de ter caráter. Eu quero usar dessa expressão ao pé da letra: eu não vou votar contra ela numa coisa que eu gosto só porque eu sou da oposição e não vou votar junto com ela para agradá-la contra um princípio meu. Essa será minha linha de atuação. Como foi a reação dos colegas de oposição quando o senhora decidiu sair do DEM? Primeiro eu votei no salário mínimo proposto pelo governo. Não consultei ninguém, ninguém me pediu voto, eu simplesmente tenho um economista que me dá consultoria. No dia seguinte, votei contra a capitalização do BNDES, com a oposição. Ficaram todos doidos. No início houve muita cara feia. Teve gente do PSDB que veio falar para mim: “Que pena que você vai para o PSD.” Como assim que pena? Como se eu estivesse indo para o lado da Dilma. A prática é que a oposição tem de dizer sempre não e o governo tem de dizer sempre sim. Na última semana a senhora votou contra o governo, na discussão sobre a construção do trem bala. Um monte de gente da base do governo votou a favor contrariado, com raiva. Falaram para mim. Todos os parlamentares recebem reclamações da logística, sabem da necessidade de priorizar os investimentos. Setenta por cento das estradas do país estão ruim ou péssimas, segundo a pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes. O presidente da CNT, Clésio Andrade, é da base do governo. Como pode um negócio desses? Esse radicalismo, tanto da base quanto da oposição, está empobrecendo a política brasileira. Acabou o diálogo. Ninguém quer debater mais. A senhora continua na oposição. E o PSD será alinhado com o governo ou com a oposição? Será uma oposição eventual, de acordo com os nossos princípios. Eu fui relatora da medida provisória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para titulação de terras na Amazônia. O PT votou contra e eu fui relatora a favor do Lula. Portanto, minha posição não mudou por causa do governo Dilma. Eu estou mudando é de partido. O DEM não aceitava isso e eu não queria ser rebelde dentro do meu partido. Eu sou disciplinadíssima. Qual o ponto de convergência dos políticos que estão aderindo ao PSD? A insatisfação da convivência interna nacional ou estadual em seus partidos. O meu problema, por exemplo, foi nacional. Mas a maioria deles teve problema estadual, de ditadura partidária, da falta de diálogo. Você poderia estranhar alguém vir da base para um partido que, em tese, vai apoiar a Dilma. Para que mudar de lugar? Mas está acontecendo. E não trouxemos cinco deputados. Temos mais de trinta deputados. Vamos chegar a cinqüenta, pode escrever. Isso tudo não é por competência do Kassab ou minha. É porque as pessoas estão insatisfeitas, querem se mobilizar. Até água parada apodrece. Como o PSD será tão diferente dos outros partidos? Está chegando o fim de um ciclo. Todos os partidos foram criados num período de redemocratização muito conturbado. O PSD será uma porta aberta para outras mudanças que poderão vir por aí, um ponto de partida. Nossa tarefa será fazer do PSD um lugar novo de verdade, não apenas na data de registro. A senhora teve medo de que o partido não vingasse? Lá atrás quando se pensou em fusão eu te confesso que pensamos que viriam poucos deputados, mais gente da oposição. Para nossa surpresa, veio gente dos partidos da base. As pessoas querem algo novo. Há quanto tempo um partido não nascia com 32 deputados? Claro que tudo o que é novo traz uma certa insegurança. Mas, ao mesmo tempo, estou muito entusiasmada, procurando sonhar bastante com esse novo partido. Há políticos ainda receosos em migrar e perder o mandato? O partido tem advogados muito bons e a lei é muito clara no sentido de que você não perde o seu mandato quando você vai para um partido novo ou quando há fusão entre partidos. Então não tem segredo. Uma eventual fusão com o PSB colocaria em risco o mandato de quem aderiu ao PSD. A fusão está descartada? Totalmente descartada. Um partido que está com 32 deputados no primeiro dia não precisa disso. Se nós tivéssemos ficado com dez ou doze deputados justificaria procurar uma fusão para fortalecer um pouco mais. Esse era o objetivo. Tanto que, se fosse fazer fusão com um partido de ideário diferente do meu, eu não sairia do DEM. Não saí do Democratas por nenhuma crise de princípios. Meu problema foi de relacionamento, com as pessoas. Então, os incomodados que se retirem. A culpa foi do ex-presidente do partido Rodrigo Maia? Ele foi uma peça fundamental para a desarticulação do DEM, mas não fez tudo isso sozinho. Na convenção do DEM a senhora disse que daria um voto de confiança para o novo presidente do partido, Agripino Maia. Ele a decepcionou? Agripino para mim é uma pessoa especial. Eu não tenho nenhum reparo a fazer a respeito dele. Foi apenas o andamento das coisas. Ali o partido ficou muito pequeno no Senado e muito maior na Câmara. E o presidente é senador, então não é fácil essa interlocução. Líderes do DEM acusaram o PSD de ser o “partido sem decência”. Como a senhora responde a essa crítica? Eu não vou baixar o nível. Para os nossos agressores, eu peço apenas mais respeito e menos despeito. A senhora vai ser presidente do PSD? Isso não dá para discutir agora porque a gente estaria contrariando toda a nossa tese de democracia partidária. Tem deputados com quem eu ainda não conversei. Até o registro do partido na Justiça Eleitoral estamos num período de conhecimento. Há vários nomes para presidir o partido. Vamos deixar a coisa andar. Tem que ser uma pessoa adequada, com tolerância e que compreenda o momento que o partido vai viver até 2014. Vamos ver quem se enquadra nisso. A senhora gostaria de exercer o cargo? Se isso acontecesse eu não fugiria da responsabilidade. Assumiria com muito prazer, assim como se me quiserem em cargo nenhum eu ficarei com prazer. Quem o PSD vai defender? Nesse momento quem menos precisa de proteção é o capital, porque o mercado está muito protetor. O capital no Brasil não corre risco. Estamos fazendo nossas avaliações baseados nas liberdades individuais. Essas sim estão precisando de proteção neste momento. A classe média hoje conta com 100 milhões de brasileiros. Quem está falando por esse pessoal? Eles sofrem com a burocracia maçante do dia a dia. As liberdades individuais estão diretamente ligadas à liberdade de escolha. Como a senhora define essa classe média? É a grande consumidora desse país, a grande pagadora de impostos. O imposto aqui no Brasil não é sobre as fortunas nem sobre a renda, mas sobre o consumo, o mais doloroso que pode existir. Às vezes você paga o mesmo imposto cinco vezes. A classe média consumidora é a grande pagadora de impostos. Se eu pago imposto expressivamente eu mereço uma defesa à altura. Não significa que as pessoas mais pobres estarão fora do nosso foco. A esquerda não pode continuar tendo o monopólio do cuidado com os pobres. Cuidar dos pobres não é princípio, é dever. A classe média de hoje não é o que há alguns anos era chamado de “povão”? Classe média é classe média. É quem ganha entre novecentos e mil e poucos reais. Ela precisa ser priorizada porque ela está esquecida. Fiquei muito feliz ao ler o artigo do Fernando Henrique Cardoso, porque ele é um homem preparado, intelectual. É preciso dar prioridade a essas pessoas, que não tem voz nem defesa. Qual é a demanda mais urgente da classe média? O Estatuto de Defesa do Contribuinte, projeto de lei que quero protocolar. Estou trabalhando nele, farei um seminário e uma audiência pública. Queremos questionar se o contribuinte de classe média está tendo saúde pública de qualidade ou está tendo de pagar também plano de saúde, se os filhos da classe média, que precisam ir para a escola pública, estão sendo educados como se deve, se há condições de mobilidade urbana para as pessoas irem para o trabalho. É preciso sentir um pouco mais o sofrimento do dia a dia, sem demagogia. Troca de lugar com essas pessoas, entra no ônibus com ela, acompanha ao posto de saúde do SUS com a criança doente à noite. Vocês farão isso? Se quiser conversar com a sociedade tem de sentir o que ela está sentindo ou os partidos e os políticos vão ficar cada vez mais distantes das pessoas, discutindo temas que nada tem a ver com os cidadãos.

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