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Um Fla-Flu sem brilho coroa o centenário do clássico

Sem Maracanã, clubes carentes de estrelas se enfrentarão no Engenhão. Acerto entre cartolas e marketeiros serviu para agendar a partida para o fim de semana de aniversário

Por Macedo Rodrigues, do Rio de Janeiro
7 jul 2012, 07h30

Na final do campeonato carioca de 1963, Flamengo e Fluminense levaram inacreditáveis 194.603 torcedores ao Maracanã, no recorde mundial de público em uma partida entre clubes. Mas a profusão dos números registrados na roleta não inspirou o placar, que ficou no 0 a 0, dando o título ao Flamengo. Foi a primeira das três vezes na história em que o time sagrou-se campeão numa final contra os tricolores

Que Nelson Rodrigues descanse em paz, mas desta vez não foram “os deuses do futebol em tempos imemoriais” que confeccionaram a tabela do Brasileirão de 2012, intervindo para que o centenário do Fla-Flu fosse comemorado no clássico do próximo domingo, exatos 100 anos e um dia depois do primeiro confronto entre os dois clubes. A coincidência é um acerto de cartolas e homens do marketing , que solicitaram à CBF, no início do ano, a marcação do jogo para este 8 de julho, às 16h. Não se pode desperdiçar uma efeméride desse porte quando se joga no Engenhão, o Estádio Olímpico João Havelange, uma arena que, passados cinco anos de sua inauguração, ainda não caiu no gosto do carioca e está sempre necessitando de um apelo maior para receber multidões, como certamente ocorrerá no Fla-Flu.

No último domingo, o “Vazião”, como o estádio foi apelidado pelos torcedores do Rio, recebeu apenas 6.645 torcedores (4,2 mil pagantes) para ver o scratch do Flamengo bater o Atlético-GO por 3 a 2. O Fluminense, por sua vez, em sua mais recente passagem pelo Engenho Novo, teve somente 4.564 torcedores (2.852 pagantes) para apoiá-lo na vitória de 4 a 1 sobre a Portuguesa.

A ausência de público, porém, não pode ser atribuída somente à péssima infraestrutura de acesso ao estádio, como vem ocorrendo. A falta de ídolos e de bons espetáculos nos gramados também contribui muito para esvaziar a arquibancada. Neste Fla-Flu, por exemplo, as esperanças rubro-negras pareciam recair sobre Adryan, um jogador de apenas 17 anos, a quem foi creditada a virada do Flamengo sobre o Atlético-GO. Mas o garoto se contundiu no coletivo de quarta-feira e toda a imprensa concentrou o noticiário do clube neste possível desfalque para o clássico, como se o menino, que só fez uma partida como titular do Flamengo, fosse a reencarnação de Zico – este, felizmente, ainda vivo e atuante no futebol, apesar de desprezado pela direção do clube que ajudou a tornar famoso mundialmente.

Do lado tricolor, é bem verdade, há Deco, em grande forma técnica, servindo os atacantes com passes de precisão cirúrgica. Mas, curiosamente, o que vem sendo alardeado é o possível retorno de Fred, depois de mais uma de suas incontáveis contusões. Em três anos e quatro meses de clube, o centroavante desfalcou o time em 98 jogos dos 225 disputados. Foram tantas as ausências que a torcida do Fluminense já sabe se acostumou ao fato de seu camisa 9 demorar para engrenar, sentir muito a falta de ritmo de jogo, sempre que volta do departamento médico. Some-se a isto o fato de nunca ter feito um gol sequer no Flamengo, nos cinco clássicos que disputou.

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O diferencial deste Fla-Flu, até o momento, são as ações de divulgação geradas com inspiração no centenário, com forte apoio das Organizações Globo. A partir de janeiro deste ano, quando até uma novelinha de sete minutos foi produzida, difundida na internet e com atores representando o primeiro jogo entre as duas equipes (https://www.videolog.tv/video.php?id=756015). Não é nenhuma obra-prima. Ao contrário, mais parece ter sido escrita por Joel Santana e dirigida por Abel Braga, ou vice-versa, mas foi o primeiro sinal do que adviria: uma enxurrada de chamadas televisivas promovendo o jogo deste fim de semana.

A partida está cercada de supostos atrativos extras, como uma preliminar de celebridades e craques do passado, os hinos dos clubes cantados por Dudu Nobre (Flamengo) e Toni Platão (Fluminense), acompanhados da Banda Marcial dos Fuzileiros Navais, trio elétrico no intervalo do jogo, ingressos de confecção especial para servirem de recordação, e um troféu confeccionado – pela Globo – para celebrar a data. O detalhe é que os dois clubes levarão metade da taça, parte dela rubro-negra, parte dela tricolor. Da mesma forma que a renda será dividida em partes iguais, o que é incomum no Campeonato Brasileiro, onde a norma é o clube mandante ficar com o total arrecadado. Em nome de um bom negócio para todos, Fluminense, que tem o mando de campo, e Flamengo, na condição de visitante, resolveram fazer este acordo de cavalheiros. Assim, diante da ausência de um grande vencedor, não haverá, pelo menos nesse quesito, um grande perdedor.

Milhões de minutos antes de o marketing surgir, os dois clubes já se viraram bem melhor. Na final do campeonato carioca de 1963, por exemplo, levaram inacreditáveis 194.603 torcedores ao Maracanã, no que se constitui até hoje no recorde mundial de público em uma partida entre clubes. Mas a profusão dos números registrados na roleta não inspirou o placar, que ficou no 0 a 0, dando o título ao Flamengo, na primeira das três vezes na história em que sagrou-se campeão numa final contra os tricolores.

Este é um dos poucos quesitos em que o Fluminense leva vantagem sobre o rival, pois saiu do estádio campeão ao bater o Flamengo em oito oportunidades. No que se refere a títulos, a supremacia é rubro-negra, com 32 cariocas, seis brasileiros, uma Libertadores e um mundial, enquanto o tricolor soma 31 cariocas, três brasileiros, nenhuma Libertadores e um mundial (a Copa Rio de 1952, não reconhecida pela Fifa).

É bom lembrar que este centenário do clássico acontece no ano em que o futebol do Flamengo completa também 100 anos. O clube já existia desde 1895, mas sua atividade esportiva original era o remo, até nove jogadores tricolores, campeões cariocas de 1911, romperem com o Fluminense e fundarem, em 1912, a divisão de futebol no Flamengo. Para espanto geral, quem saiu vencedor do primeiro jogo foi o dilacerado time das Laranjeiras, por 3 a 2. O Flamengo era tão superior que, nos 11 jogos posteriores entre as duas equipes, até dezembro de 1916, o Flu não venceu uma peleja sequer, amargando oito derrotas e três empates, com direito a seguidas goleadas de 4 a 0, 5 a 0, 6 a 3 e 4 a 1.

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Tudo isso só fez crescer a rivalidade que alimenta o eterno interesse pelo clássico, que foi merecedor de boa parte das melhores crônicas esportivas de todos os tempos, pelas mãos do tricolor Nelson Rodrigues e de seu irmão rubro-negro, Mário Filho. Foram eles os que mais exerceram suas vocações a serviço do clássico, imortalizando lances e jogadores.

Assis, herói do tricampeonato carioca do Fluminense nos anos 80, até hoje, por onde quer que ande, ouve os apupos de “Carrasco”, numa referência aos dois gols que marcou nas finais de 83 e 84, contra o Flamengo, ambas vencidas por 1 a 0. A primeira com um gol no último segundo do jogo. A outra, aos 30 minutos do segundo tempo. “Incrível a idolatria que me cerca até hoje, o carinho que as pessoas têm por mim, por conta destes dois Fla-Flus. Não tinha noção, na época, que isso ia marcar minha vida e me acompanhar pra sempre. Hoje, ‘Carrasco’ é praticamente o meu segundo nome. Achava que isso era só no Rio de Janeiro, mas não, é no Brasil inteiro. Tem tricolor espalhado por este país inteiro. E aqui no Rio, não posso colocar os pés no estádio que a torcida manda o coro ‘Recordar é viver, Assis acabou com você…’ É muito bom”, diz o ex-atacante.

Pelo lado rubro-negro, apenas seis jogadores conheceram a emoção de marcar um gol numa final de campeonato contra o Fluminense, nos dois jogos em que venceram (2 a 0, em 82, e 4 a 2, em 92). Júnior, que figura nesta galeria (ao lado de Doval, Caio Cambalhota, Uidemar, Gaúcho e Zinho), vê particularidades no clássico que lhe agradam. “Não é aquele jogo que acaba com a carreira de um jogador, quando ele comete uma falha. Ao contrário, já alavancou muita gente. Me lembro que em 75 e 76 a gente adorava pegar o Fluminense, porque eles tinham um escrete, a Máquina, que era o time a ser batido. E na base da motivação e da procura de visibilidade, tivemos algumas vitórias que serviram para formar uma base de nossa geração vitoriosa, de 79 aos anos 80. Passamos, então, a ser o time a ser batido. A coisa se inverteu. O Fluminense às vezes também arrancava uma vitória sobre nós e isso também os ajudava”, lembra Júnior, que para as novas gerações – fora os rubro-negros, claro – é o comentarista escalado pela Globo para as principais transmissões.

Outra característica apontada pelo craque rubro-negro é o ambiente mais sereno que cerca os Fla-Flus, em relação aos jogos do Flamengo contra Botafogo e Vasco. “Contra o Fluminense o clima era mais tranquilo. Sempre me pareceu um jogo mais família, que você pode levar sua mulher e seus filhos sem tanta preocupação”, diz Júnior, que se lembra de quando deixou o Pescara da Itália, depois de conversar com o filho de sete anos por telefone e o menino perguntar ao pai quando o veria jogar no Maracanã. Foi o bastante para o jogador desembarcar no Flamengo. E, coincidência ou não, o primeiro jogo que o menino viu, de dentro do gramado, foi a vitória de 4 a 2 sobre o Fluminense, na final de 1991, com um gol e uma superatuação do pai. “As pessoas pensam que eu, por já ter conquistado títulos tão mais importantes do que um carioca, não dei bola para esta conquista. Nada! Ela está guardada em um lugar muito especial, porque foi a primeira em que meu filho me viu jogar. Foi muito emocionante”, conta, torcendo por dias melhores para o Fla-Flu.

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