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Clodovil na lente da verdade

Por Da Redação
20 mar 2009, 22h00

O estilista e apresentador de televisão Clodovil Hernandes, quarto deputado mais votado do país nas últimas eleições, morreu na terça-feira da semana passada, vítima de um AVC (acidente vascular cerebral), aos 71 anos. Ele foi internado no Hospital Santa Lúcia, em Brasília, depois que assessores o encontraram inconsciente no chão do apartamento funcional em que morava. Seus últimos quatro anos foram difíceis: Clodovil sofria de câncer na próstata, teve uma embolia pulmonar e um primeiro AVC, do qual escapou por pouco. Mesmo alquebrado pelos problemas de saúde, desde que chegou à Câmara em 2006, embalado por quase meio milhão de votos, o deputado fez o que se esperava dele: envolveu-se em muita polêmica. Chamou uma colega de “feia” e disse que “as mulheres hoje são ordinárias, trabalham deitadas e descansam em pé”. Em julho do ano passado, Clodovil conversou com o repórter Diego Escosteguy, de VEJA, em seu extravagante gabinete na Câmara. A entrevista que se segue, extraída dessa conversa, é um bom retrato de quem era Clodovil – e do que ele pensava. Foi como se o deputado estivesse no quadro “A lente da verdade”, de um de seus programas de televisão.

O senhor gosta de Brasília?

É uma cidade que sempre buscou o glamour, mas nunca encontrou. Brasília foi maltratada desde o início, nasceu apanhando. Quem construiu Brasília foi Juscelino (Kubitschek, ex-presidente), mas quem deu os acabamentos foram os primos do demônio: uma gente que fez uns acabamentos de quinta. Em compensação, os empreiteiros, que manipularam as obras, estão riquíssimos.

O senhor fez amizades na Câmara?

Não. A maioria só aparece quando precisa de alguma coisa. O Arlindo Chinaglia me ligou uma vez. Falou horas a respeito das qualidades dele, todo pomposo, mas não prestei atenção. Ainda mais porque sei que ele é da turma da Marta Suplicy. Essa eu conheço desde menina. Ela é uma pendurada na influência do marido. Uma pessoa que não muda o sobrenome para explorar a influência do ex-marido é o fim do mundo.

O senhor acha a Câmara mal cuidada?

Está tudo caindo aos pedaços, velho, cheio de ácaros. Por isso não costumo sair do gabinete. Só saio quando tenho que ir ao plenário votar. Várias pessoas vêm conhecer o meu gabinete. É o mais visitado da Câmara. Você pode até não gostar de branco, mas não pode dizer que seja um gabinete de mau gosto.

É possível resgatar a ética da Câmara?

E o brasileiro tem ética por acaso? A Câmara é reflexo do Brasil. O problema é que o brasileiro se vende barato. É só o político dar uma cesta básica que ganha o voto. Isso acontece no país inteiro, é uma tradição que vem dos índios. Eles se vendiam por colares e espelhinhos. Esse processo continua igual na escolha das pessoas que vão comandar o país. Elas vêm para Brasília e saem gordas de tanto mamar na vaca profana.

Quem é a vaca profana?

É o país, claro. A verdade é que a maioria dos brasileiros não gosta de trabalhar. Quer um emprego para ficar encostado, e só. Gente desse tipo é que é conivente com as poucas vergonhas, com os Dudas Mendonças. Nosso país se fez dessa maneira: de degredados, de índios de má qualidade… Ou as pessoas acordam ou o país vai para o caos.

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Por que diminuir o número de deputados?

É preciso reagir contra esse bando de gente que não faz nada aqui, contra a idiotice que está presente em Brasília. A única coisa que vai obrigar a Câmara a mudar, a voltar a ser o que já foi um dia, é com atitudes radicais como essa. Mas a mudança tem que vir de fora para dentro. Pode parecer um projeto utópico, mas alguém precisa provocar esse debate. A população tem que obrigar a Câmara a ter qualidade, e não quantidade. As pessoas devem aprender também o que é qualidade. Mas alguns já entenderam: recebi 50.000 emails de apoio ao meu projeto. É impossível combinar 513 deputados com qualidade. Não quero que ninguém seja expulso amanhã. Basta diminuir o número nas próximas eleições. Não se limpa uma casa limpando apenas os vidros, só por fora. Para que a casa fique realmente limpa, é preciso limpar por dentro.

A casa está cheia?

Cheia e suja. Quando entrei aqui, comprovei um monte de coisa que eu já imaginava. Na Câmara tem muita gente trabalhando com o ordinário, com aquilo que não precisaria, vendendo o país, vendendo a si mesmo. Eu estou aqui para trabalhar. A maioria está aqui para se aproveitar das benesses da posição. Para conviver com essa gente toda, eu tenho que acreditar nos poderes que eu acredito, que são mais fortes do que as atitudes deles. Eu gostaria de consertar a Câmara, mudar Brasília. Pode ser meu legado. Não sei como alguém pode ter prazer em esconder dinheiro na cueca, em levar dinheiro em malas. Não consigo entender para quê. Sei que as minhas ideias são meio utópicas, mas é preciso sonhar.

Os deputados lhe tratam bem?

No começo os deputados me tratavam com muita reserva, mas hoje isso mudou. Eu os encontro nos corredores, eles olham pra baixo e fingem que não me conhecem. Mas aí eu grito: boa tarde! Aí eles passam a responder. Pode perguntar aqui quem é o deputado mais agradável da casa. Sou eu. É porque eu sou generoso com as pessoas. Outro dia, dei uma camisa do São Paulo para um ascensorista que trabalha aqui há quinze anos. Era aniversário dele. O rapaz levou um susto, porque ninguém sabe que ele existe. Mando flores e bilhetes para todos os deputados. Isso me faz bem. Mas alguns ainda têm medo de mim, porque a minha inteligência é muito aguda. Mas eu queria que eles tivessem o mesmo amor que eu tenho por eles. Queria que eles me respeitassem.

O senhor tem vergonha da Câmara?

Não, eu não faço parte dela. Eu só estou aqui. Se um dia ela voltar a ser correta, terei a maior honra de fazer parte. Mas por enquanto só estou aqui. Missa de corpo presente. Eu tenho que driblar algumas coisas, porque eu não sei onde está a lama aqui dentro. E eu vou pisar na lama, evidente. Mas não vou escorregar.

Não é difícil saber onde está a lama?

Não é tão difícil. Mas tem que acreditar no universo. Há pessoas aqui que não são boas pessoas, que não querem o bem do país. Elas trabalham contra o Brasil. Não é uma questão de representar o povo. O povo não tem representação.

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O senhor tem outras ambições políticas?

Eu quero ser candidato ao Senado nas próximas eleições. Não quis me candidatar a prefeito de São Paulo, mas tenho certeza de que eu ganharia.

Como?

Um vidente me disse há alguns anos. Mas eu não quero. Não sou burocrata, querido. Não sei lidar com papelada. De repente eu teria que me vender. Não quero isso. Aqui, eu posso falar à vontade. Eu falo bem – é uma dádiva que o universo me deu. Além do mais, eu tenho um parceiro maravilhoso, que sou eu mesmo e minha crença no universo.

Por que o senhor entrou na política?

Eu não vim a Brasília porque quis. Foi o universo que me mandou, por uma razão que ainda não sei. Meses antes da campanha, quando descobri que estava com câncer, tive um insight. Eu sonhei com o prefeito de Ubatuba, um sujeito de péssima qualidade. Ele estava com as mãos no quadril e me disse: “Você quer poder, então vire deputado federal”. Não sei por que sonhei com ele. São histórias mirabolantes da minha vida. No dia seguinte ao insight, fui fazer um exame e descobri que meu câncer, que era do tamanho de uma moeda, estava do tamanho de um arroz. Ninguém pode explicar como diminuiu. Operei depois de uma semana. E eis que apareceu um senhor no hospital e me convidou para ser deputado. Era o Ciro Moura, presidente do PTC. Aceitei na hora.

Um sinal do universo?

Evidentemente. Por que aquele senhor apareceu justamente naquela hora? Nós recebemos recados todos os dias. Mas esse cidadão tinha intenções que eu não sabia. Ele queria usar meu nome para dar prestígio ao partidinho dele. Queria me explorar, usar meu nome pra eleger outros deputados. Ainda bem que só um entrou pendurado em mim, como suplente. O universo é sábio. A verdade é que os partidos nanicos são desonestos, vivem de sugar dinheiro público. Mudei de partido e eles me processaram. Mas o fato é que os votos foram para mim – não para o partido.

O senhor teve 496 000 votos. O que explica essa votação expressiva?

Dizem que a população votou em mim como uma forma de contestação. Na verdade, não foi. Meu voto veio da mãe de família, que induziu o filho e o esposo a votar em mim. Tenho uma história que ilustra bem isso. Quando eu era candidato, dois assaltantes invadiram minha casa. Eu estava pintando de cueca, e de cueca continuei. Eles pediram dinheiro, mas, quando descobriram quem eu era e ouviram um pito, saíram rastejando da minha casa, pedindo desculpas. No dia seguinte, a mãe de um deles me ligou para me agradecer por ter dado aquela lição. E me contou que os dezesseis votos da família dela seriam para mim. Isso não é voto de protesto. É voto de quem acredita nos meus valores.

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O senhor enfrenta muitos problemas devido ao seu temperamento?

Acontece. Se me destratar, vai levar um bofetão. Há algum tempo, dei um bofetão num comissário de bordo bichinha que me destratou no avião. Ele me disse que eu estava no assento errado, foi grosseiro. Há uma facção maldosa do PT, xiita, que arma esse tipo de situação. Tem um segmento xiita. Eles induzem as pessoas a fazer coisas para você se estrepar frente à opinião pública. Aí me expulsaram do avião. Tudo programado.

Por que o senhor acha que o PT está por trás disso?

Eu sei que é. Alguma coisa me diz. Eu só tenho minha palavra e minha convicção.

O senhor venceu um câncer de próstata e sobreviveu sem sequelas a um derrame…

Sofri muito com o câncer, mas foi algo que eu mesmo causei. Acho que aquilo aconteceu como uma forma de eu tentar me redimir da minha homossexualidade. Quando o médico me ligou para me informar de que eu estava com câncer, fiquei aliviado. Dei graças a Deus.

Por quê?

Imagine se fosse Aids? Eu poderia ter infectado muita gente. Mas paguei um preço alto pelo câncer. Fiquei impotente. O que eu posso fazer? Nada. Nem tudo pode ser uma maravilha. Às vezes consigo ter um orgasmo seco. Mas tem que haver uma ligação espiritual com o parceiro.

Por que o senhor não apresentou nenhum projeto defendendo o direito dos homossexuais?

Deus me livre. Quais direitos? Direito de promover passeata gay? Não tenho orgulho de transar com homem. O primeiro homem que eu vi transando com outro foi meu pai – era o meu tio, irmão da minha mãe. Eu tinha 13 anos. Foi num domingo, depois da missa. Sentei no chão e pensei: meu Deus, minha mãe não é amada por ninguém. Meu pai nunca soube que eu vi. Quando ele me perguntou dois anos depois se eu era gay, não respondi. Nunca mais se falou sobre isso lá em casa. Mas eu podia ter dito o diabo para ele.

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O senhor fala muito na força do universo. Segue alguma religião?

Sou religioso, mas não acredito no Deus que querem me vender. Um Deus de castigo, de pecado. Se ser homossexual é pecado, é pecado também ser preto, ser aleijado, ser mulher: é pecado ser qualquer coisa que não seja maioria.

O senhor gastou uma pequena fortuna na decoração do gabinete. Essa vaidade também se estende ao corpo?

Tenho um corpo deslumbrante para os meus 72 anos. Só preciso tirar um pouco de gordura da barriga, porque me descuidei. Vou fazer uma lipo. Mas não tenho nenhuma marca de senilidade, mão enrrugada, nada. Não vou ficar choramingando. Sou um privilegiado.

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