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Trolagem: a marca da maldade na web

Todos estão submetidos ao crivo da crítica imediata e fulminante na internet. Quando a coisa vai um pouco, ou muito, além, muda de nome: passa a ser trolagem

Por Mariana Amaro com reportagem de Marília Leoni
15 abr 2012, 18h56

Troll Face

À mesa do almoço de festa com a família ou numa roda de amigos no bar, todo mundo sabe o que vai acontecer se falar a favor de um político execrado em seu ambiente, elogiar um feito futebolístico discutível ou fizer uma declaração exaltando os próprios feitos. Cabeças abanando, risadinhas irônicas e até um afetuoso “cala a boca”. Multiplicado por milhares de vezes, é isso que acontece quando alguma manifestação por meios virtuais provoca reações negativas. Sem a parte afetuosa. Críticas em massa, agressivas e até ameaçadoras, com a falta de filtros que a internet desencadeia, são chamadas de trolagem. Foi o que aconteceu na semana passada com a apresentadora Sonia Abrão. Ela usou o aplicativo Instagram para divulgar uma foto de maiô preto, sob uma esfumaçada cortina de tratamentos de imagem. Os comentários sobre os resultados estéticos foram ferozes o suficiente para destruir espíritos menos resistentes. Sonia, ao contrário, tripudiou: “Se eu estou podendo, eu estou podendo”. A mesma autoconfiança desabou uma tempestade virtual sobre a loira cabecinha de Samantha Brick, uma inglesa que escreveu para o site do jornal Daily Mail um artigo descrevendo como os homens respondem deslumbrados à sua estonteante beleza, enquanto as mulheres se roem de inveja. As fotos mostravam uma mulher bonita, sem nada de excepcional.

Exagerada mesmo foi a reação despertada por Samantha. Em mais de 5 500 comentários, uma quantidade enorme considerando-se que ela era até então uma desconhecida, Samantha foi praticamente linchada pelo pecado do excesso de convencimento. “Não, querida, elas não te odeiam porque você é bonita (o que você não é), mas por ser uma ordinária presunçosa, delirante e vazia”, foi uma das respostas mais amenas. Outras falavam em banana de dinamite na boca e morte a tijoladas – um trocadilho virulento com o sobrenome dela, que em inglês significa tijolo. Até amigos da campeã da trolagem disseram horrores dela em sua página no Facebook.

O termo usado para o massacre via comentários em sites ou pelo Twitter vem da palavra troll, um monstrengo grotesco do folclore escandinavo popularizado em séries como O Senhor dos Anéis e Harry Potter. Do uso inicial como substantivo (“Agora os trolls vão me atacar”), o termo passou a ser empregado como verbo. No Brasil, usa-se troll no primeiro caso e trolar no segundo. Trolagem é o ato de detonar alguém, de forma espontânea ou respondendo a uma convocação coletiva. A disseminação tem sido tão rápida que os termos já fizeram o caminho inverso, saindo do mundo virtual para o real. Quem já ouviu um adolescente dizer “Hoje, na escola, trolei fulano” entendeu o sentido: zoar ou atormentar um colega, não necessariamente com a agressividade usada na internet, sob a proteção do anonimato.

Em suas manifestações mais abomináveis, os praticantes da trolagem atacam em sites específicos, onde podem desencadear os piores efeitos. “Os preferidos são aqueles criados por pessoas com alguma vulnerabilidade exposta. É comum entrarem nos Alcoólicos Anônimos e escreverem algo como: ‘Vai bem uma cervejinha agora’, ou em comunidades de casais que passam por tratamento de fertilização e falarem algo horrível sobre bebês ou aborto”, explica Claire Hardaker, professora de linguística da Universidade Lancaster e autora de uma pesquisa sobre trolagem. Até um tema tabu como a morte atrai gente que cede aos piores instintos. “É comum que páginas do Facebook feitas para homenagear pessoas que morreram sejam invadidas por mensagens ofensivas”, diz a professora.

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Ao contrário do caso comparativamente raro de Samantha Brick, a desconhecida que por alguns dias se tornou a mulher mais odiada do mundo, é claro que as pessoas famosas são os alvos preferenciais dos trolls. Celebridades que descobriram nos meios virtuais uma forma de reagir ao que consideram formas equivocadas de tratamento a seu talento e beleza também logo viram que podem sofrer ataques em massa. A atriz Luana Piovani, atualmente em fase de recolhimento por causa da maternidade recente, costuma trolar e ser trolada com a mesma intensidade. Para seus 200 000 seguidores no Twitter, já falou mal de um clipe da cantora Claudia Leitte (“As pessoas perdem a noção! Curso de bom senso, vai?”), criticou o corpo da atriz Carolina Dieckmann (“Avisem a tampa que gostosa tem que ter peito”) e detonou trabalhos da modelo Gisele Bündchen (“Está fazendo qualquer serviço para ganhar dinheiro. Que constrangimento”). “Lua­na é a famosa que mais entendeu que, na internet, todo mundo é igual. Seus comentários geram repercussão de proporções gigantescas porque os fãs das pessoas que ela ataca ficam loucos e respondem com uma chuva de comentários”, diz Bia Granja, uma das curadoras do Campus Party, a reunião de cúpula do mundo virtual.

Xuxa recuou diante das críticas e Luana recrudesceu: usos diferentes
Xuxa recuou diante das críticas e Luana recrudesceu: usos diferentes (VEJA)

Com a apresentadora Xuxa, aconteceu o oposto. Em 2009, ela reagiu com amoroso coração de mãe ao tsunami de comentários maldosos desencadeado quando sua filha, na época com apenas 11 anos, cometeu um erro de ortografia no então recém-criado Twitter. Xuxa protestou dizendo que Sasha havia sido “alfabetizada em inglês”. Um novo bombardeio de críticas levou a apresentadora a abandonar sua conta no Twitter (e, com isso, ganhou mais uma leva de posts malucos). “Xuxa vive naquele mundo de fantasia, em que todo mundo ama o que ela faz. Quando entrou na rede, achou que seria desse jeito também”, diz Bia. A intensidade das reações pode pegar os iniciantes de surpresa. “O que me sur­preen­deu foi o motivo desse auê todo. O pessoal esquece que eu sou mulher?”, diverte-se Sonia Abrão. Alguns dos muitos comentários que a foto dela provocou também tiveram seu lado divertido. “E eu achando que o diabo só vestia Prada”, dizia um deles. Troll com senso de humor é muito melhor do que ogros enraivecidos.

Quando a piada vira crime

Com apenas 15 anos, a inglesa Natasha MacBryde foi vítima em vida, e até depois dela, de dois crimes virtuais. Primeiro, aconteceu o cyberbullying, o ataque cruel de colegas da escola que, pela internet, usavam os termos mais chulos contra ela pelos “pecados” de se maquiar e ser querida pelos professores. Natasha cometeu suicídio atirando-se debaixo de um trem. Seus pais criaram uma página no Facebook para homenageá-la. Ocorreu aí o segundo crime. Sem jamais ter tido nenhum contato com a jovem ou sua família, Sean Duffy, de 25 anos, invadiu a página com comentários atrozes. No Dia das Mães, postou: “Ajude-me, mamãe, não consigo sair do caixão”. O cyberbullying, praticado por gente que conhece a vítima, já está sendo enquadrado por danos morais. “No Brasil, já houve casos de pagamento de indenização à vítima”, diz o advogado Renato Opice Blum, especializado em crimes digitais. Pela trolagem, Duffy pegou pena de serviços comunitários.

Natasha: duas vezes vítima da violência
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