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Obesidade e saúde pública: porque o faz de conta é desastroso

A frustração do postulante à magreza é a regra e sumariamente os culpamos, desonerando o sistema quanto à responsabilidade, mas não dos custos

Por Antonio Carlos do Nascimento
5 nov 2018, 13h57
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  • Uma publicação assinada pelo Ministério da Saúde em junho deste ano aponta, ou ao menos sugere, estagnação do sobrepeso e obesidade nas capitais do país. As justificativas repousariam em:

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    Os fatos

    Em período cronologicamente emparelhado a obesidade e excesso de peso aumentaram na média entre todas as faixas etárias 60% e 26%, respectivamente. O resultado é que um em cada cinco brasileiros encontra-se obeso (IMC > 30) e mais que 50% com sobrepeso (IMC 25-29,9 Kg/m²)

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    Tais mudanças de hábitos seguramente conjugam-se a melhoras em índices e perspectivas futuras de saúde e obrigatoriamente devem sempre ser estimuladas, porém, aceitá-las como pilar no trato dessa tragédia epidemiológica é excesso de complacência e desdém com suas vítimas.

    Erros conceituais históricos

    Sobrepeso e obesidade aceitos atualmente como doenças são condições que foram entendidas por décadas como resultantes de deslizes de comportamento relacionados ao progresso e suas comodidades, os quais facilitaram a locomoção passiva, desestimularam entretenimentos ativos e propiciaram alimentação de apelo gustativo e generosidade calórica, piorada pela pobre qualidade nutritiva. 

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    Sob tal assertiva o excesso de peso por definição ficou limitado em suas causas a uma conduta voluntária e/ou passiva de adesão à modernidade, mais exatamente, na utilização das facilidades oferecidas pelo mundo contemporâneo. Em resumo, reversível também por disposição optativa.

    Derivando os equívocos  

    Pior que admitir a vontade pessoal como chave mestra na elucidação desta epidemia é nortear os planejamentos governamentais pelo protagonismo passivo (e inevitável) de sua gente. São então oferecidas sugestões de princípios de conduta alimentar e de condicionamento físico como patronos do emagrecimento, quando na verdade, se bem executadas, protegerão sua população adulta de ganhos adicionais.

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    A frustração do postulante à magreza é a regra e adicionalmente os culpamos, desonerando o sistema de responsabilidade, mas, não dos custos.

    Afirmar que os exercícios físicos devem compor absolutamente todos os planos que visem bem-estar e saúde, sejam de status preventivo ou de sustentabilidade, é lúcido e incontestável. Mas, ainda que intuitivamente, imaginar atividade física como recurso emagrecedor é fantasioso e se a oferecemos para adultos como alternativa neste intento é desonesto.

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    O único caminho para o emagrecimento do adulto é a diminuição da ingesta alimentar e aqui uma certeza finalmente entregue pela ciência: absolutamente nenhuma proposta alimentar em adultos se provou promotor de emagrecimento e permissivo à sua sustentação à médio e longo prazo. Diz-se com isso, que nenhum arranjo de alimentos é capaz de reposicionar os “botões da fome e saciedade” nos centros hipotalâmicos.

    O entendimento obrigatório

    Provavelmente a maior parte dos seres humanos foi capacitada através dos tempos por seleção natural ao armazenamento energético na solução biológica para os períodos de escassez alimentar. É nesse universo habilitado à estocagem que existe a indução ambiental a novos status de consumo calórico a partir de mudanças, aparentemente irreversíveis, nos sistemas gerenciadores de ingestão alimentar. Conservantes, aditivos, essências, açúcar, moduladores e toda a sorte de substâncias em alimentos industrializados ou não, estão no pelotão de frente dos acusados em corromper nossa central de controle de fome e saciedade.

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    A poluição e suas partículas soltas pelo ar, stress urbano e generoso consumo de gorduras saturadas estão arrolados nessa extensa gama de possibilidades. Aliados ao exposto perfilam ainda alguns perfis genéticos e a recém compreendida transmissão epigenética, os quais direcionam o comportamento engordativo.

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    Admitido isso, o ganho ponderal é uma imposição central e não uma voluntária opção. O centro regulador pode ter sido corrompido tão cedo quanto na vida intrauterina ou ter sido norteado já no encontro entre óvulo e espermatozóide.

    O que conseguiremos no adulto é bloquear novos delineamentos para o acúmulo, mas, aparentemente sem “resets” no “software” para reprogramações salutares o mundo possível é impedir maior engorda.

    Prospectando o futuro

    É óbvio que sob a óptica de saúde pública o foco imediato das ações deve visar mulheres pretendentes à maternidade, gestantes e seus produtos desde a mais tenra idade, nos pontos em que evitemos os transtornos dos centros reguladores com conduções alimentares e de atividades físicas.

    Ainda nesta contextualização estudos recentes sugerem que mudanças comportamentais rigorosas nos pretensos pais no prefácio temporal da concepção (talvez alguns meses bastem) modulem a epigenética de seus gametas e sejam gerados conceptos mais hábeis na gestão metabólica.

    Para aqueles de herança genética indutora do acúmulo ponderal novas alternativas terão que surgir para que não estejam submetidos às contingências atuais.

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    Resolvendo o presente

    É sabido que perdas ponderais de 10 % em adultos se traduzem por vultosas melhoras em vários sistemas orgânicos e na dificuldade da obtenção desse patamar os recursos farmacológicos devem obrigatoriamente ser apresentados ao paciente.

    Os medicamentos emagrecedores também não devem ser ocultados daqueles que necessitem substancial emagrecimento, desde que não apresentem contraindicações para a conduta.

    Lamentavelmente, a falta de extrato orgânico compatível com o tratamento medicamentoso por vezes impede essa alternativa, que de regra é contínua ou intermitente, mas de longo prazo.

    Muitas vezes estaremos decidindo entre os medicamentos emagrecedores ou o uso de antidiabéticos, anti-hipertensivos, anti-inflamatórios para as doenças articulares e medicamentos para o refluxo gastrintestinal, entre outros.

    Poderemos ainda estar optando entre os famigerados fármacos para emagrecimento e as perspectivas de pacotes que incluem cateterismos cardíacos, stents e cirurgias coronarianas, próteses de quadril e coluna e outros comprometimentos com resultante uso contínuo dos fármacos relacionados.

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    O que anoto neste ponto é que a demonização dos tratamentos emagrecedores farmacológicos passa por interesses mercadológicos e a preocupação quanto ao “downgrade” arrecadatório resulta também no pouco esclarecimento público dos riscos entregues pelos produtos industrializados, os quais repousam em enorme sombra de tolerâncias governamentais por todo o mundo.

    Vê-se que deixar o emagrecimento na voluntariedade dos interessados sem agredir suas causas e estigmatizar seu tratamento contundente é mais conveniente, por isso a catequização disseminada destes conceitos.

    Que fique entendido ainda que obesos graves já transeuntes em tratamentos conservadores e sem sucesso, possuem apenas a cirurgia bariátrica como indiscutível destino.

    Clareza explícita

    A condução dessa epidemia não deve e não pode ser tratada levianamente com protocolos que sustentam os conceitos equivocados apontados no texto, sob pena de insolvência do sistema de saúde pública afora a permanência de sua população refém das doenças impostas por esse cenário administrado com inocência ou interesses escusos.

    É condenável a permissividade institucional (e até mesmo orientação) na utilização destes claudicantes protocolos por paramédicos e outros, no estabelecimento de condutas de fulcros débeis e fadadas ao insucesso coletivo de pacientes com sobrepeso e obesidade.

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    Precisamos com brevidade encerrarmos esse impensado processo global de culpabilização da vítima.

    Em tempo me ocorre uma frase utilizada em “Estamos todos bem” um dos últimos clássicos de Marcello Mastroianni (com releitura protagonizada por Robert de Niro): “vinhos também são feitos de uvas”.

     

     

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