Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Em Cartaz Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Raquel Carneiro
Do cinema ao streaming, um blog com estreias, notícias e dicas de filmes que valem o ingresso – e alertas sobre os que não valem nem uma pipoca
Continua após publicidade

Novo ‘O Exorcista’ espanta com terror reacionário e moralista

Lançado 50 anos após o original, 'O Devoto' esbanja fundamentalismo religioso que assustaria o pai da franquia, William Friedkin

Por Thiago Gelli Atualizado em 11 out 2023, 12h24 - Publicado em 11 out 2023, 09h44

Cinquenta anos depois do Exorcista original, a veterana Ellen Burstyn, de 90 anos, está novamente em frente a uma cama, olhando para uma pré-adolescente raivosa que vocifera blasfêmias com o timbre de um britânico fumante. Muito difere, no entanto: em vez de confusa, sua personagem agora é católica e declama rezas; efeitos de luz escurecem e enfeiam a cena; o diálogo é pouco lacerante e o brilhantismo de William Friedkin — mestre da Nova Hollywood — está desaparecido. O olhar de hoje é de David Gordon Green, cineasta por trás da última trilogia Halloween, alguns filmes independentes e um punhado de comédias genéricas; já o filme é O Exorcista: O Devoto, um fiasco sem imaginação que chega para assombrar as salas de cinema brasileiras nesta quinta-feira, 12 de outubro.

Nele, a personagem retorna para acudir o pai solteiro Victor Fielding (Leslie Odom Jr.), cuja filha acaba possuída após tentar contatar a mãe morta com uma amiga, igualmente corrompida pelo diabo. Desesperadas, ambas as famílias se unem para tentar salvar as garotas, com a ajuda da enfermeira e ex-noviça Ann (Ann Dowd), um padre católico, um pastor evangélico e uma curandeira africana. Agnóstico, o procedimento evidencia a miopia de Green, que tenta ser mais inclusivo que o longa original e dá vazão para falas truncadas sobre conceitos da justiça social contemporânea, atingindo, porém, o efeito oposto. Tentando reinventar o que já era reinvenção, o terror holywoodiano de hoje cai numa armadilha capciosa e se mostra tão reacionário — se não mais — quanto histórias cautelares dos anos 1950.

Sem criatividade, O Devoto funciona como uma parábola para assustar meninas desobedientes, moradores de rua e mulheres que ousam não desejar a gravidez. Isso porque Green não consegue pensar sobre a culpa católica como autor, dispensando nuances ou qualquer exploração na mise-en-scéne. O filme não compreende a subjetividade, e então recorre a dogmas: os personagens sucumbem ao poder demoníaco por pecados claramente delimitados, como aborto e ganância, e devem então se salvar por meio de salmos e clichês. Incessante, o fundamentalismo do roteiro o aproxima a terríveis longas panfletários como Deus Não Está Morto, enquanto as decisões referentes à personagem de Burstyn evidenciam uma satisfação iconoclasta dos envolvidos, que enxergam honra ao desconstruir símbolos de outrora sem idealizar nenhuma construção de mérito próprio.

Continua após a publicidade
Ellen Burstyn e Leslie Odom Jr. em 'O Exorcista: O Devoto'
Ellen Burstyn e Leslie Odom Jr. em ‘O Exorcista: O Devoto’ (Universal Pictures/Divulgação)

O Exorcista, porém, não é uma franquia nascida dos interesses supérfluos de produtores americanos. Seu primeiro diretor, Friedkin, pertence aos tempos de Revolução Sexual e do Movimento Hippie, que abasteceram a indústria cultural americana com jovens ousados — de Martin Scorsese a Miloš Forman. No original, esta verve é reconhecível, por exemplo, no cenário urbano e no caráter de Chris (Burstyn), recém divorciada que equilibra as responsabilidades de mãe com a filmagem de um longa político em Washington — substituídos pelo sul dos Estados Unidos e famílias tradicionais em O Devoto.  

Os filmes em si, por sua vez, tampouco são terra de ninguém — muito pelo contrário. Diferentemente de histórias regurgitadas como Sexta-Feira 13, três das quatro sequências de O Exorcista são pensadas por célebres autores: John Boorman, Paul Schrader e até William Peter Blatty, escritor do livro que deu origem ao longa. Dispensar tal histórico rico em prol de crenças arcaicas e cacoetes dignos dos piores filmes da saga Sobrenatural  é uma das decisões mais surpreendentemente estúpidas da história do cinema. 

Continua após a publicidade

Até então, essa parece ser a maior tendência do terror de estúdio. O que já foi um nicho ideal para os delírios mais ambiciosos e não convencionais de Hollywood, virou uma fábrica de conteúdos repetitivos idealizados para espremer dólares o suficiente de um público que busca levar alguns sustos com amigos. Basta olhar para a decepcionante leva de 2023, marcada pelos também conservadores Jogos Mortais X e A Morte do Demônio: A Ascensão, além de múltiplas histórias pautadas nos mesmos arquétipos familiares, como Boogeyman: Seu Medo é Real, Batem À Porta e Sobrenatural: A Porta Vermelha

Ainda assim — de joelhos, rezando —, o filme implora ao seu espectador que acredite no texto, na santidade da família, na existência de bem e mal e no charme do interior americano. Talvez sua sorte fosse maior caso seu título não evocasse à história do gênero que execra, ou caso qualquer um dos atores fizesse um trabalho mais que caricato, mas é difícil acreditar que o longa já foi algo que não tragédia anunciada. Entre todos os motivos de vergonha, Gordon Green pode ao menos se orgulhar de uma láurea: O Exorcista será para sempre lembrado como o melhor filme de terror, e O Devoto é forte candidato ao posto de pior.  

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.