Minando esforços da liderança do Talibã para convencer observadores internacionais de que o grupo militante estaria mais moderado, um porta-voz afirmou em entrevista coletiva na terça-feira, 24, que mulheres no Afeganistão não deveriam trabalhar.
Segundo o porta-voz Zabiullah Mujahid, mulheres e meninas foram orientadas pelo Talibã a ficar em casa, admitindo que elas não estão seguras na presença de soldados. A instrução foi feita poucas horas após a Organização das Nações Unidas pedir uma “investigação imediata e transparente” sobre relatos de abusos de direitos humanos após o grupo tomar o poder no país.
A orientação, segundo Mujahid, é temporária até que o grupo encontre maneiras de garantir que as mulheres não sejam “tratadas de maneira desrespeitosa”, mas é necessária porque soldados do Talibã “sempre mudam e não são treinados”.
“Estamos felizes por elas entrarem nos edifícios, mas queremos ter certeza de que não enfrentem nenhuma preocupação”, afirmou. “Portanto, pedimos-lhes que tirem uma folga do trabalho até que a situação volte ao normal e os procedimentos relacionados às mulheres estejam em vigor”.
Após conquistar uma série de capitais provinciais na última semana, os fundamentalistas sitiaram Cabul no domingo 14, movimento que fez com que o presidente Ashraf Ghani partisse para o Uzbequistão com sua esposa e dois assessores próximos. Poucas horas depois, o grupo entrou no Palácio Presidencial e fez um pronunciamento à imprensa afirmando que tem o total controle sobre o país.
Com o objetivo de se mostrar mais moderado do que o período em que governou o país de 1996 a 2001, o grupo pediu para que todos retornem às suas vidas com total confiança. Em entrevista à rede de notícias Tolo News, um membro da comissão cultural do Talibã disse que o novo governo não quer que as mulheres sejam vítimas, mas sim que estejam na estrutura governamental de acordo com a lei sharia, sem dar detalhes de como a lei islâmica será interpretada.
Embora as lideranças talibãs tenham assegurado que as mulheres conseguirão manter seu direito de trabalhar e ir à escola sob seu novo comando, muitos duvidaram das declarações. O movimento dos extremistas é visto com muito ceticismo pela comunidade internacional e pelos moradores mais velhos do Afeganistão, que se lembram das visões islâmicas ultraconservadoras que estiveram em vigor durante os anos de controle talibã no país.
Antes da tomada de Cabul, os talibãs já haviam assumido o controle de dezenas de cidades pelo país. Pelos locais onde passaram, centenas de mulheres foram obrigadas a deixar seus empregos e tiveram sua liberdade de movimento e expressão restringida.
Em Herat, uma cidade próxima à fronteira com o Irã, o Talibã está rejeitando as mulheres que vêm aos escritórios e até negando seu ingresso na universidade, onde constituem 60% do corpo discente. Segundo a agência de notícias Reuters, nove afegãs que trabalhavam para o Azizi Bank em Kandahar, a segunda maior cidade do país, foram expulsas de seu escritório no início de junho por soldados do grupo extremista. Elas foram escoltadas por homens armados até suas casas e proibidas de voltar ao emprego.
Diversas organizações e ativistas, como a paquistanesa Malala Yousafzai, que foi baleada na cabeça pelo Talibã por defender publicamente a educação para mulheres e meninas, manifestaram preocupação com avanços em causas ligadas aos direitos das mulheres.
“Assistimos em completo choque enquanto o Talibã assume o controle do Afeganistão. Estou profundamente preocupada com mulheres, minorias e defensores dos direitos humanos. Potências globais, regionais e locais devem pedir um cessar-fogo imediato, fornecer ajuda humanitária urgente e proteger refugiados e civis”, escreveu Malala.
A representante afegã para as Nações Unidas, Aisha Khurram, afirmou que professores já se despedem de suas alunas mulheres diante do avanço do grupo.
“Alguns professores se despediram de suas alunas quando todos foram evacuados da Universidade de Cabul esta manhã. E talvez não vejamos nossa formatura como milhares de alunos em todo o país”, escreveu em publicação no Twitter.