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Conheça Joana Maçanita, enóloga que está transformando os vinhos do Douro

Ao lado do irmão, Antonio, ela criou um projeto autoral que usa métodos inovadores para explorar o potencial das uvas tradicionais da região

Por André Sollitto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 abr 2024, 12h13 - Publicado em 1 abr 2024, 12h07

Para a enóloga portuguesa Joana Maçanita, a entrada no mundo do vinho não foi óbvia. Ela entrou na faculdade para cursar engenharia. O irmão, Antonio, um ano mais velho, cursava enologia. Quando concluiu o curso, foi fazer seu primeiro vinho e pediu ajuda a Joana. Foi naquela vindima desafiadora que decidiu mudar de rumo. Voltou à faculdade, trocou de curso e passou a estudar viticultura e enologia. Criou uma empresa de consultoria para ajudar os produtores que tinham uvas, mas não sabiam o que fazer com elas. Atuou em diferentes regiões de Portugal, até que decidiu criar um projeto próprio, ao lado do irmão, no Douro, a histórica região que antes produzia principalmente os fortificados vinhos do Porto, mas há algum tempo passou a se dedicar também aos vinhos tranquilos. “No início, tentamos fazer o estilo que se esperava do Douro. E nem eu e nem meu irmão estávamos satisfeitos”, diz Maçanita, em entrevista exclusiva a VEJA durante uma passagem recente pelo Brasil. “Em 2014, paramos para pensar e entendemos que não queríamos ir a uma região e fazer os mesmos vinhos que todos estavam fazendo. Isso não nos entusiasmava.”

Decidiram fazer um trabalho de mapeamento do Douro, de todos os seus terroirs e das castas autóctones da região. Além da riqueza natural, há outro fator. “Quando trabalhamos no Alentejo, o negócio principal é cereal e gado. O vinho é um extra. No Douro, a região respira vinho. Todo mundo tem uma parcela de vinha e fala sobre isso no café, no correio, na farmácia”, diz ela. Lá, passou por um período de aprendizado, entendendo onde fazer os melhores vinhos.

Foi a partir dos estudos de solo e clima do Douro que identificou, de forma geral, o potencial de cada uma das três tradicionais regiões vitivinícolas. No Baixo Corgo, onde a influência atlântica é maior, o clima é mais fresco. “É de lá que tiramos os brancos com mais mineralidade e frescor”, diz ela. No Cima Corgo, no centro do Douro, o clima é mais temperado próximo ao rio, e fica mais fresco em áreas de maior altitude. “É onde faço todos os meus tintos. Faço nessa zona porque ela oferece o equilíbrio ideal entre o frescor e o calor”, conta. Se quer fazer um vinho mais tradicional, com potência, elaborado com a uva touriga nacional, busca vinhedos próximos ao rio. Na montanha, consegue produzir vinhos mais elegantes. E o Douro Superior, mais próximo da fronteira da Espanha, é a zona ideal para o vinho do Porto. “Porque queremos mais maturação, mais tanino, mais cor”, afirma.

E para melhor expressar a originalidade e as características do terroir, a vinificação deve acompanhar essa visão. “Não queremos fazer vinho do meu jeito ou como acho que deve ser, mas ele deve ser, tecnologicamente, o mais próximo daquele terroir”, afirma. Isso significa preservar ao máximo os aromas da fruta, tanto nos brancos quanto nos tintos. No caso dos tintos, por exemplo, a fermentação é longa, muitas vezes passando dos 40 dias. “Isso faz com que a uva vá calmamente extraindo a cor e o tanino, além do volume. E vá ganhando complexidade. É o que chamamos de polímeros de grande volume. São taninos redondos. Mas é preciso calma. Às vezes, quando se faz a prova durante o processo, os taninos estão agressivos. Um enólogo menos experiente pensaria que já está extraído demais. Mas o processo é demorado”, diz.

Há ainda um cuidado em promover as variedades tradicionais da região. “Quando se pensa no Douro, nossa memória coletiva fala de uvas como a touriga nacional, tinta roriz e touriga franca“, afirma Maçanita. Mas ao analisar os vinhedos antigos, com mais de 150 anos, há outras tantas, bem menos conhecidas, mas muito interessantes. “Encontramos cornifesto, tinta carvalha, tinta bastardinha, casculho. São variedades que não se ouve nos vinhos do Douro. E nem mesmo enólogos de Portugal conhecem”, diz ela. No processo que ela chama de desconstrução do Douro, a enóloga quer descobrir o verdadeiro perfil da região. “São os vinhos mais potentes e alcóolicos feitos de touriga nacional ou é essa mistura de castas que produzem um vinho de cor mais clara, com muita elegância e profundidade?”

O trabalho é maior, já que envolve a educação dos consumidores, que pouco conhecem dessas variedades. Mas tem dado frutos e desde 2018 ela vem colecionando prêmios e reconhecimentos. Foi nomeada Jovem Enóloga do Ano pelo crítico Anibal Coutinho em 2018. No ano seguinte, a Revista dos Vinhos a escolheu como Enóloga Revelação. Em 2021, entrou no ranking de 100 Mulheres Mais Influentes de Portugal elaborado pela revista Sábado.

Além disso, como pioneira em abrir caminhos para as mulheres na enologia portuguesa, tornou-se referência e inspiração. “Quando comecei, há 20 anos, de fato haviam poucas mulheres. E havia uma forma de falar. Comigo, era “venha cá, menina. Depois, com os rapazes, se referiam a eles como engenheiros”, conta Maçanita. “Eu sempre trabalhei duro para ser a pessoa com maior conhecimento na sala. Quem discutia comigo estava errado, porque eu costumava dar um baile nos homens que queriam discutir enologia comigo”. Hoje, ela diz que a situação melhorou e há uma participação feminina muito maior no mundo do vinho, especialmente em regiões como o Douro, que têm uma visão mais moderna da produção. “Mas não vou mentir. Uma mulher vai ter que trabalhar duas vezes mais para ter o mesmo reconhecimento que um homem”.

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