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Por José Benedito da Silva
A política e seus bastidores. Com Laísa Dall'Agnol, Victoria Bechara, Bruno Caniato, Valmar Hupsel Filho, Isabella Alonso Panho e Adriana Ferraz. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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Queda de braço entre STF e Congresso pode abrir novo impasse sobre drogas

PEC restritiva aprovada no Senado e julgamento sobre porte de maconha no Supremo desencadearão polêmica jurídica sobre punição a usuário de entorpecente

Por Isabella Alonso Panho 26 abr 2024, 13h29

A queda de braço entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso em torno da legislação sobre drogas ganhou um novo capítulo há poucos dias com a aprovação da chamada PEC das Drogas no Senado. O texto, que proíbe o porte e a posse de qualquer quantidade de qualquer droga, segue para a Câmara dos Deputados, onde a sua inclusão na pauta vai depender do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Nos bastidores da Câmara, oposição e governo Lula têm visões antagônicas sobre esse próximo passo. Enquanto os adversários mais panfletários da atual gestão apostam que o caso vai ser votado em breve e aprovado com ampla maioria, a situação confia em uma trégua do presidente da Casa, que não estaria motivado a pautar agora um tema tão controverso. Lula e Lira se encontraram a sós no último domingo, 21, e tentaram acertar o passo para que propostas mais urgentes, como a regulamentação da reforma tributária, tenham prioridade.

Enquanto o Congresso, por iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), radicaliza na proibição às drogas, o Supremo Tribunal Federal vai em outra direção. A Corte julga uma ação que caminha para terminar com a fixação de critérios para definir o que é usuário e o que é traficante. Na segunda, 22, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, disse que o governo não está promovendo a descriminalização da droga, mas apenas estabelecendo parâmetros para a questão e “impedindo que pobres e ricos sejam tratados de forma diferente” ao serem flagrados com entorpecentes.

O julgamento já tem cinco votos favoráveis à fixação de parâmetros para separar usuário de traficante. Se mais um ministro votar nessa direção, a Corte já terá maioria. O julgamento foi paralisado por um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli, que tem até junho para devolvê-lo — aí dependerá de Barroso levar o caso de novo à pauta. Se o STF decidir nesse sentido de flexibilizar a punição ao usuário, o que ficará valendo: a PEC aprovada no Congresso ou o entendimento do Supremo?

A principal dúvida no caso é: se o Congresso aprovou uma emenda à Constituição, ela pode ser declarada inconstitucional depois pelo STF?  Se a norma vai estar na Carta Magna, em um primeiro momento, parece impossível que haja qualquer controle da sua constitucionalidade, como é prerrogativa do Supremo. No entanto, como explica o ministro aposentado do STF Marco Aurélio Mello e outros especialistas ouvidos pela reportagem, a Corte ainda pode declarar inconstitucional uma eventual PEC das Drogas.

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Marco Aurélio - STF
Ministro aposentado do Supremo entende que, no caso, proteção da saúde pública deve ser preconizada (Nelson Jr/STF)

A questão jurídica central envolve os limites das mudanças constitucionais. Primeiro, há o chamado poder constituinte originário, que foi exercido pela Assembleia Nacional Constituinte ao elaborar a Carta de 1988. Depois, há o poder constituinte derivado, que é exercido pelo Legislativo, que pode aprovar emendas que alterem a Constituição. Essas mudanças, no entanto, não podem contrariar o espirito e os princípios definidos pelos constituintes originários — ou seja, uma PEC pode, sim, ser considerada inconstitucional.

“O poder constituinte a ser exercido (na eventual aprovação da PEC) é derivado, devendo ser harmônico com a lei das leis, a Constituição Federal”, afirma Marco Aurélio Mello. Por isso, se o Congresso aprovar a PEC das Drogas, ela pode ser analisada pelo STF, que pode, desde que provocado através de uma ação judicial, declará-la inconstitucional. O magistrado, no entanto, afirma que é contra derrubar a PEC, caso ela seja aprovada. “Mas onde estaria a inconstitucionalidade? A proibição do uso de entorpecente atende a um bem maior, a saúde pública”, disse.

Congresso x STF

A PEC 45/2023 acrescenta um inciso ao artigo 5º da Constituição, para dizer que “a lei considerará crime a posse a o porte, independente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins”. Já o Supremo julga um recurso extraordinário com caráter de repercussão geral — ou seja, um caso particular no qual a Corte entendeu que, pela relevância do assunto, o que for decidido vai valer para todos os outros processos que tratem do mesmo tema. O placar está em 5 a 3 para declarar inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, dependendo da quantidade de entorpecente que for encontrada com o usuário.

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Outra questão envolve a possibilidade de se questionar a PEC antes mesmo de ela passar pelas duas Casas do Congresso, ser sancionada e virar lei. A legislação não proíbe que se entre com uma ação declaratória de inconstitucionalidade contra uma emenda constitucional que ainda está em tramitação. Mas a jurisprudência do STF aponta contra, por entender que esse controle preventivo de constitucionalidade invade a separação dos poderes. “O Congresso é livre para apresentar proposições e até mesmo aprovar mudanças constitucionais contrárias ao posicionamento do próprio Supremo Tribunal Federal”, diz Carlos Nascimento Santos, docente da Universidade Federal Fluminense e doutor em Teoria do Estado.

Em setembro de 2022, o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) foi ao STF tentar impedir a tramitação da PEC nº 3/2021, que aumenta as prerrogativas dos parlamentares, proposta como resposta às investigações conduzidas por Alexandre de Moraes. Não deu certo. O caso foi arquivado e o ministro Barroso disse, em seu voto, que “salvo hipóteses extremas, não deve o Judiciário impedir a discussão de qualquer matéria no Congresso Nacional”.

Como fica a situação do usuário?

Se a PEC for aprovada, fixando a restrição total a entorpecentes, e o STF, na prática, descriminalizar o porte de pequenas quantidades de maconha, o usuário, mesmo assim, dificilmente será punido. Além do consumo pessoal não ser mais criminalizado no Brasil, a PEC cria um dispositivo amplo, que dependeria de regulamentação para funcionar. “A PEC diz que é crime, mas não fala qual é a pena, se cabe prisão, quais são as características. Não dá os contornos desse crime”, explica o professor da FGV e pós-doutor em Direito Thiago Bottino.

Além disso, no direito penal há o princípio da aplicação da lei mais benéfica ao investigado. Por isso, mesmo com a aprovação da PEC, o usuário que estiver respondendo criminalmente pelo porte ou posse de maconha tem direito a que, no seu julgamento, seja aplicado o entendimento mais brando — que pode vir de um eventual julgamento favorável no STF.

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