KAZAN – Neymar monopolizou os debates depois da vitória por 2 a 0 da seleção brasileira sobre o México, em Samara, e não apenas por sua atuação – levou o prêmio de melhor em campo. Circo, palhaçada, mau exemplo e show lamentável foram algumas das definições utilizadas para definir sua reação ao ser pisado pelo mexicano Miguel Layún no segundo tempo. Apesar de o replay ter mostrado claramente as travas da chuteira do rival em seu tornozelo, o árbitro de vídeo não deu razão a Neymar. Como na fábula do “menino pastor e o lobo”, o jogador mais caro do planeta paga pela fama que construiu, até mesmo quando tem razão.
Tabela completa de jogos da Copa do Mundo de 2018
Após a eliminação mexicana, Layún queixou-se: “Neymar passa a maior parte do tempo no chão”. Disse ainda que não teve intenção de pisá-lo – mesma interpretação do VAR para não puni-lo. Não há como afirmar que o lateral mexicano esteja mentindo, nem é possível quantificar o tamanho da dor que Neymar sentiu. “Futebol é um jogo para homens. Essas palhaçadas são péssimos exemplos para as crianças”, bradou o técnico do México, Juan Carlos Osorio. Ele não citou Neymar – nem precisava, o alvo estava explícito – e relacionou a derrota do México, a sétima eliminação consecutiva nas oitavas de final da Copa do Mundo, à arbitragem.
Até mesmo o ex-goleiro dinamarquês Peter Schmeichel, ídolo do Manchester United e pai do goleiro Kasper Schmeichel, um dos destaques desta rodada do Mundial, entrou na conversa. E foi direto na canela de Neymar. “É muito chato assistir aos seus jogos. Parecia que ele estava morrendo, pensei que ele seria colocado numa ambulância”. O hoje comentarista de uma emissora russa cobrou uma punição da Fifa ao brasileiro. Mas como punir alguém por ter levado um pisão? Ainda que Neymar tenha exagerado nas sua reação de dor – e certamente é uma possibilidade – ele ainda segue sendo a vítima da história.
O experiente Rafa Márquez, que se aposentou após a partida, aos 39 anos, com um marca histórica ( tornou-se o primeiro jogador a vestir a braçadeira de capitão em cinco Copas), também criticou Neymar. “É um grande jogador, mas às vezes abusa de se jogar no chão, faz um circo…” Márquez não falou especificamente do lance com Layún, mas do comportamento teatral que sempre acompanhou a carreira de Neymar.
Memes do atacante rolando pelos gramados invadem as redes a cada grande competição. A fama já grudou: Neymar é “cai-cai” – e o craque só pode culpar a si. Até Tite, que hoje o protege feito um integrante dos “tóis”, ja reclamou de Neymar, quando eram adversários no futebol paulista.
A má reputação já havia lhe causado prejuízo na segunda rodada, quando Neymar teve um pênalti assinalado e depois cancelado pelo VAR. O lance era duvidoso e é muito provável que o histórico de valorizar os contatos físicos (que, diga-se, é diferente de simular faltas, um expediente bem mais condenável) tenha pesado. Neymar é assim, um craque capaz de nos provocar os mais antagônicos sentimentos em uma mesma partida, e nesta Copa parece estar renovando a fábula do menino mentiroso e do lobo, na qual um jovem pastor, depois de tanto enganar colegas ao dizer que um lobo atacara seu rebanho, ficou sozinho e indefeso no dia em que, de fato, o ataque ocorreu.
Mas justiça seja feita: desde o jogo contra a Costa Rica, no qual Neymar foi Neymar “em estado puro” – levou faltas, teve chilique, levou cartão, xingou o árbitro, fez gol, deu lambreta e chorou no gramado – o craque do PSG melhorou e muito seu comportamento e também o seu futebol. O técnico Tite, que na semana passada disse que “não tornaria públicos assuntos privados”, admitiu nesta segunda-feira que intercedeu para melhorar o comportamento de seu craque.
“Sim, ele está melhorando nesse aspecto (disciplinar). Quando o jogador gasta energia com outras coisas, ele perde o foco. Às vezes também há incompreensão dos adversários, porque ele é muito rápido. Mas é pecado driblar? Não é pecado. Eu pedi a ele para não falar de arbitragem, deixa que eu falo, o Edu (Gaspar, coordenador da CBF) fala. A função dele é jogar.”
O jogador mostrou que o discurso está afinado. “Não ligo muita para as críticas e nem mesmo para os elogios, porque pode influenciar. Não falei com a imprensa porque eu não queria polêmica. Eu só tenho de jogar futebol e ajudar a minha equipe.” Aos 26 anos, Neymar dificilmente conseguirá se livrar da fama de “cai-cai”. Mas, ainda que jamais consiga ter admiração absoluta, se seguir sem levar cartões (novo amarelo contra a Bélgica o tiraria de uma eventual semifinal) e decidindo jogos, já terá o reconhecimento que sempre buscou. E, quem sabe, a taça mais desejada do futebol nas mãos.