A maior inimiga de Trump está esperando para rir por último
Nancy Pelosi, a presidente da Câmara, já tentou o impeachment e até insinuou uma “dedetização” na Casa Branca para espicaçar o inimigo
Todo mundo já conheceu a dinâmica autodestrutiva de casais que brigam o tempo todo, provocam-se, ofendem-se – e não conseguem se separar.
Transposta para o grande teatro da política nacional americana, essa relação perniciosa produziu um estado permanente de conflito entre Nancy Pelosi, que como presidente da Câmara ocupa a mais graduada posição do Partido Democrata, e sua nêmesis, Donald Trump.
Nem a perigosa aceleração dos acontecimentos nos últimos dez dias – Trump teve Covid-19, foi internado, recebeu alta, fez discursos cada vez mais alucinados, como uma versão masculina de Evita Perón, no balcão da Casa Branca – impediu Nancy Pelosi de praticar seu esporte favorito: atiçar o presidente.
A última foi considerar “insuficiente” o pacotaço de mais 1,8 trilhões de dólares de estímulo à economia pós-coronavírus (vários senadores republicanos também são contra, por motivos opostos, preocupados com o endividamento galopante).
Quem, mesmo nos Estados Unidos, pode achar que 1,8 trilhão de dólares é pouco?
O motivo verdadeiro, evidentemente, é não dar a Trump o gostinho de mandar cheques do governo aos necessitados faltando pouco mais de três semanas para a eleição presidencial.
Antes disso, ela insinuou que a atitude tempestuosa de Trump durante as negociações do pacote poderia estar sendo influenciada pelos corticosteróides que tomou para combater a Covid-19.
Chamar Trump de maluco, aberta ou veladamente, é uma atitude recorrente de Nancy Pelosi – obviamente, numa reação ao apelido que ele deu a ela, Crazy Nancy.
Até admiradores da presidente da Câmara ficaram pasmos com o anúncio feito por ela, num momento em que todos se concentram em não estragar a arrancada de Joe Biden, de que apoiaria a criação de uma comissão que ampliaria os poderes do Congresso para declarar a incapacidade do presidente em caso de impedimento físico ou mental.
A comissão seria formada por quatro médicos, quatro psiquiatras, oito personalidades indicadas pelos líderes dos dois partidos no Congresso e um relator eleito pelos nomeados.
Detalhe: a constituição americana já prevê, através da vigésima-quinta emenda, que o vice-presidente e oito ministros das pastas mais importantes podem intervir, em casos extremos, para declarar a incapacidade presidencial – muitos filmes criam histórias de suspense baseadas nessa prerrogativa, nunca aplicada na vida real.
O mecanismo apoiado por Pelosi, uma espécie de de “comissão do golpe”, só seria votado – se fosse – depois da eleição presidencial.
Qual o sentido de mexer num assunto desses, justo agora quando a derrota eleitoral de Trump é indicada por todas as pesquisas?
A animosidade intensa entre Nancy Pelosi e Donald Trump é um exemplo da disfunção que pode acometer mesmo os sistemas democráticos mais solidamente alicerçados.
Fica mais constrangedora quando se leva em consideração a idade e o status dos dois envolvidos.
Trump é Trump. Tem 74 anos e sempre se comporta como o adolescente mais briguento do pátio do colégio.
Pode perder a reeleição justamente por esse tipo de comportamento excessivo e irritante, bem sucedido entre seus partidários mais empolgados, mas insuficiente para atrair a faixa de eleitores menos ideologizada que vai definir a eleição.
Uma das provas mais impressionantes de que é a atitude, não os atos de governo em si, o que mais prejudica Trump está numa recente pesquisa Gallup.
Nela, 56% dos americanos dizem que, com pandemia e tudo, estão hoje melhor de vida do que há quatro anos.
Deveria estar com a reeleição garantida, não dez pontos atrás de Biden.
Ao contrário de Trump, que se candidatou pela primeira vez a um cargo eletivo em 2016, Nancy Pelosi bebeu na fonte da política desde criança – e na política de Baltimore, não exatamente um exemplo de pureza.
Seu pai foi deputado e prefeito e a jovem Nancy D’Alessandro tomou gosto pela coisa, embora tenha prorrogado as ambições por causa do casamento e dos cinco filhos.
O casamento também a levou a se mudar para São Francisco e a fazer uma sólida fortuna, através do marido investidor, de 114 milhões de dólares.
Conhecer a máquina por dentro foi essencial para Nancy ser líder do Partido Democrata e speaker, ou presidente, da Câmara duas vezes.
Ter chegado aos 80 anos no posto a coloca no topo do Vale dos Dinossauros, os veteranos que ainda dominam o partido e são ameaçados pelas lideranças mais jovens, representadas pela deputada Alexandria Ocasio-Cortez.
Logo depois da eleição de Alexandria e sua turma, houve mais do que penas eriçadas em relação à presidente da Câmara.
Muito da beligerância ostensiva de Nancy Pelosi se deve a essa fratura interna do partido, momentaneamente obscurecida pela frente unida contra Trump.
Muitas vezes, Pelosi parece errar a mão. Ela já rasgou um discurso solene de Trump ao Congresso e disse que a Casa Branca deveria ser “dedetizada” para tirá-lo de lá.
Acima de tudo, comandou um impeachment destinado ao fracasso: embora pequena, a maioria republicana no Senado garantiu, desde o início, que seria um exercício inútil.
Alguém se lembra do motivo do impeachment de Trump?
É preciso puxar pela memória para recordar o caso do telefonema dele ao presidente da Ucrânia, inconveniente e exagerado, mas artificialmente transformado por Pelosi e sua corte democrata num caso de cassação do mandato presidencial.
O estranho casal formado por Donald Trump e Nancy Pelosi está com o divórcio marcado para o próximo 3 de novembro.
Se as pesquisas forem confirmadas pelos fatos, ela vai rir por último, às gargalhadas. Trump passará e ela permanecerá.
Será uma chance de, finalmente, desligar um pouco, dar um tempo nas batalhas políticas e nas aplicações de botox e no cabelo sempre arrumado (por causa disso, foi flagrada sem máscara no cabeleireiro e arrogantemente se passou por vítima)?
De jeito nenhum. Nancy Pelosi não pretende se aposentar.