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Hidroxicloroquina em pacientes leves pode prevenir internação, diz estudo

Análise da Prevent Senior: tratamento precoce evita uma internação para cada 28 pacientes, mas comprovação da eficácia ainda demanda estudo mais profundo

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 abr 2020, 23h05 - Publicado em 17 abr 2020, 16h01

Um estudo realizado pela Prevent Senior mostrou que o uso da combinação de hidroxicloroquina com azitromicina em pacientes com sintomas leves de infecção por coronavírus reduziu em 2,8 vezes o risco de internações. A pesquisa, publicada nesta sexta-feira 17 na medRxiv, plataforma online que recebe artigos médicos antes de serem revisados e publicados em grandes periódicos científicos, avaliou 636 pacientes com idade média de 62,5 anos.

“Nosso estudo mostrou que o uso empírico e consentido desses medicamentos em pacientes de alto risco, no início dos sintomas pode ser benéfico, seguro e reduzir a necessidade de internação, que é o principal problema da Covid-19”, disse a VEJA o cardiologista Rodrigo Barbosa Esper, líder do estudo.

A maior parte dos participantes do estudo era do sexo feminino, 13,4% tinham diabetes, 26,5% hipertensão, 7,7% obesidade, 2,7% fumavam e todos apresentavam sintomas de gripe. Como todos são moradores da cidade de São Paulo, local com transmissão local e principal epicentro do coronavírus no país, diante dos sintomas de gripe, todos foram considerados com suspeita de Covid-19.

É justamente essa característica – a suspeita de infecção por coronavírus – que dá à proposta de tratamento dos pesquisadores o nome “empírico”. De acordo com Esper, um tratamento empírico é utilizado quando o tratamento é iniciado antes do diagnóstico comprovado da doença e é usado no tratamento de infecção bacteriana, por exemplo, quando não se sabe exatamente qual bactéria causou aquela infecção.

“Esse estudo só tem sentido em uma situação de epidemia como a que estamos vivendo. Nesse caso, parte-se do princípio que a maioria das infecções causadas naquela região ou cidade é causada por coronavírus”, explicou o pesquisador.

O estudo

Inicialmente, os pacientes foram atendidos por telemedicina e àqueles que se incluíam nos critérios, definidos como a presença de sintomas leves de gripe por pelo menos três dias e ausência de problemas de saúde como retinopatia grave, doença hepática grave, miastenia gravis, ampliação conhecida do QT e insuficiência renal, era oferecida a possibilidade de receber o tratamento experimental.

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Portanto, mesmo mediante recomendação médica, cabia aos próprios pacientes decidirem se queriam ou não receber o tratamento. Dos 636 participantes, 412 aceitaram receber o tratamento e foram considerados como o grupo de intervenção e 224 não aceitaram e foram considerados grupo controle. Todos assinaram um termo de consentimento e foram acompanhados diariamente – por telemedicina – por um médico.

De acordo com os pesquisadores, as características clínicas iniciais foram semelhantes entre os dois grupos, exceto por uma maior taxa de diabetes e AVC no grupo de tratamento. As pessoas que receberam o tratamento também apresentaram maior prevalência de sintomas de gripe que o grupo controle, como febre, tosse, dispneia, diarreia, mialgia, coriza e dor de cabeça.

Os pacientes que aceitaram receber o tratamento tomaram uma dose de 800 miligramas de hidroxicloroquina no primeiro dia e 400 mg do medicamento por outros seis dias. A azitromicina foi administrada nos primeiros cinco dias, em uma dose diária de 500 miligramas.

Os resultados mostraram que 1,9% dos pacientes tratados com hidroxicloroquina e azitromicina precisaram ser internados, em comparação com 5,4% do grupo controle. Quando o grupo de tratamento foi separado em relação ao dia de início do medicamento, aqueles que iniciaram o tratamento em até sete dias após o início dos sintomas tiveram uma taxa de hospitalização menor do que aqueles que começaram o uso do medicamento sete dias após o início dos sintomas (1,17% e 3,2%, respectivamente).

“Em nosso estudo, a cada 28 pacientes que iniciaram o tratamento quando ainda tinham sintomas leves uma internação foi evitada. Pode parecer pouco, mas para um sistema de saúde que já está sobrecarregado e em que o tempo de internação é de 15 a 20 dias e a maioria dos pacientes internados precisaria de respirador, o uso desse tratamento empírico pode ajudar a salvar o sistema de saúde”, diz Esper.

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Os efeitos colaterais apresentados por quem tomou o medicamento foram diarreia, náusea, tontura, vômito, distúrbios visuais e alergia. Duas mortes foram relatadas no grupo de intervenção, uma por síndrome coronariana aguda e uma por câncer metastático. De acordo com os pesquisadores, a causa dos óbitos não estava associada ao tratamento.

“A hidroxicloroquina é cerca de 40% menos tóxica cloroquina e é considerado pela Organização Mundial da Saúde como um dos os medicamentos mais eficazes, seguros e econômicos necessários em um sistema de saúde”, escreveram os autores no estudo.

Prescrição médica

Vale ressaltar que todos os pacientes que receberam o medicamento eram pacientes com alto risco de complicações para coronavírus, que receberam orientação médica para iniciar o uso do medicamento e foram informados de que este ainda não é um tratamento com eficácia comprovada.

“Não quero que esse estudo gere uma histeria coletiva em relação à hidroxicloroquina. O uso consentido não pode ser feito sem avaliação nem acompanhamento médico. Além disso, é essencial que o paciente saiba que a eficácia do tratamento não está comprovada e assim decidir se quer tomar ou não. Os pacientes não podem, em hipótese nenhuma, tomar o medicamento por conta própria”., ressalta o cardiologista.

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Cautela: a eficácia ainda não está comprovada

Vale ressaltar que esse foi apenas um estudo observacional e embora os pesquisadores tenham encontrado uma associação entre o uso da combinação de hidroxicloroquina e azitromicina e a redução na necessidade de internação, ainda não é possível afirmar que o tratamento é eficaz no combate ao novo coronavírus.

Isso só poderá ser confirmado – ou não – após a realização de um estudo clínico ideal, chamado padrão-ouro. Esse é um estudo randomizado controlado duplo-cego. Isso significa que o estudo é projetado para reduzir vieses que poderiam comprometer seus resultados. Nesse tipo de estudo, nem o médico nem os pacientes sabem se receberam o medicamento ou o placebo (duplo cego).

Essa característica reduz a possibilidade de o médico tratar os dois grupos de maneira diferente e também reduz a possibilidade de feito placebo no paciente. Além disso, nesse tipo de estudo os pesquisadores não conseguem escolher quais pacientes entram em qual grupo. Eles são selecionados de forma aleatória (“randomizados”) e a composição dos dois grupos é aproximadamente equivalente (“controlada”).

Há muitos estudos nesse modelo em andamento, que avaliam a eficácia da hidroxicloroquina – combinada ou não com a azitromicina – no tratamento da Covid-19, mas nenhum foi finalizado. O estudo da Prevent Senior não seguiu nenhum desses critérios, por isso é considerado um estudo observacional.

“Estudos randomizados duplo-cego levam tempo. Os resultados podem demorar meses ou anos. Diante da pandemia que estamos vivendo, optamos por um estudo pragmático para tentar controlar essa epidemia. Esse não é um estudo definitivo, mas levanta a hipótese [já vista em estudos em laboratório] que talvez a hidroxicloroquina influencie a replicação viral. Parece que ao iniciar o tratamento precocemente, há menos replicação viral, menos inflamação e menos lesão pulmonar. Pode ser que o tratamento tardio de pacientes com hidroxicloroquina não seja benéfico, mas o precoce sim. Isso é algo que estamos observando na prática clínica, mas que só será comprovado daqui a alguns meses.”, diz Esper.

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Riscos

Embora a hidroxicloroquina seja um medicamento menos tóxico que a cloroquina e ambos já sejam usados há décadas para o tratamento de malária e de doenças inflamatórias, seu uso não está ausente de riscos. Pesquisadores do Brasil e ao redor do mundo alertam para o risco do uso off-label de um medicamento antes da realização de testes clínicos duplo-cego randomizados e controlados.

Aprovar um medicamento sem fazer esse tipo de estudo primeiro pode ter consequências graves. Um exemplo emblemático dos riscos de se aprovar um medicamento sem a realização de estudos rigorosos, que sigam o padrão explicado acima, é a talidomida. Hoje o medicamento é utilizado no Brasil para tratar hanseníase. Mas na década de 1950 seu uso foi aprovado na Europa para insônia.

Na época, o medicamento foi considerado extremamente seguro, inclusive para ser usado por mulheres grávidas. Com o passar do tempo, notou-se que ele também era capaz de reduzir os terríveis enjoos matinais durante a gravidez e ele começou cada vez mais a ser prescrito para grávidas. Anos depois descobriu-se que a talidomida causava deformações físicas em bebês, além de outros graves efeitos colaterais. O medicamento foi proibido em muitos países, mas o estrago já estava feito e milhares de crianças foram afetadas por essas deformidades.

Você pode se questionar que a situação é diferente e o uso da hidroxicloroquina para os tratamentos já aprovados passou por estudos rigorosos que atestaram sua segurança. De fato, isso é correto. No entanto, em entrevista à VEJA, a pesquisadora Kome Gbinigie, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, explicou que “ainda não há evidências robustas da segurança e eficácia dessas drogas no contexto da Covid-19. Portanto, existe o risco de que esses medicamentos não sejam eficazes para a Covid-19 e têm um risco adicional de causar danos às pessoas que os tomam”.

Hospitais na Suécia interromperam o uso do medicamento em pacientes com Covid-19 após diversas pessoas apresentaram efeitos colaterais como fortes dores de cabeça e perda de visão periférica. Cardiologistas americanos pediram aos médicos que tomem conhecimento de “possíveis implicações sérias” quando a cloroquina ou a hidroxicloroquina são usados por pessoas com doenças cardiovasculares existentes – um dos efeitos colaterais do medicamento é arritmia cardíaca.

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Em entrevista coletiva realizada pelo Ministério da Saúde há algumas semanas, técnicos da pasta explicaram as razões por que o uso da cloroquina e hidroxicloroquina não foi liberado – até o momento – para o tratamento de pacientes com quadros leves da infecção pelo novo coronavírus.

A preocupação do uso desses medicamentos em tratamentos mais ligeiros, segundo Denizar Vianna, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos, é o potencial dos remédios em gerar arritmias cardíacas. “O coração é uma bomba que depende da ativação de um sistema elétrico próprio. Esses medicamentos podem produzir o prolongamento de uma das fases elétricas do coração e propiciar um ambiente favorável a uma arritmia que pode ser potencialmente fatal”, detalhou.

No caso dos pacientes graves, “os benefícios superam os riscos”. Já os casos leves ainda não contam com pesquisas médicas “robustas o suficiente” para gerarem uma política de saúde própria e, portanto, não seria possível traçar uma análise dos benefícios adquiridos diante dos riscos resultantes do uso da substância.

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