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Apostando na Ucrânia

Em artigo, ex-ministro das finanças do Chile defende ajuda financeira à Ucrânia para evitar que país caia no populismo econômico imprudente

Por Andrés Velasco
14 jan 2015, 07h01
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  • Há um ano, jovens ucranianos estavam arriscando suas vidas na Praça da Independência de Kiev para defender um acordo que levaria seu país à União Europeia. Essa revolta acabou com um regime corrupto e levou ao poder – depois de uma eleição livre e justa – o que parece ser o governo com maior espírito de reforma já visto na Ucrânia.

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    Todos esperaram o compromisso heroico dos ucranianos para com os ideais democráticos da Europa a fim de desencadear uma torrente de apoio ocidental para o país em sua batalha contra a agressão russa e a instabilidade econômica. Mas não foi o caso. De fato, embora a última Cúpula de Liderança da União Europeia de 2014 tenha trazido a decisão corajosa de “manter o rumo” sobre as sanções russas, ela acabou produzindo pouca movimentação na ajuda à Ucrânia.

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    Donald Tusk, o ex-primeiro-ministro polonês que presidiu sua primeira reunião como presidente do Conselho Europeu, apoia um financiamento adicional para a Ucrânia. Mas, conforme reportagens do Financial Times, a disponibilidade de vários dos países da UE em aparecer com o dinheiro permanece “morna, na melhor das hipóteses”.

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    Quando confrontados com uma crise de dívida na zona euro, os líderes europeus várias vezes empurraram com a barriga. O resultado foi uma recessão desnecessariamente profunda e prolongada. Agora, eles estão prestes a cometer o mesmo erro na Ucrânia, com consequências ainda mais devastadoras.

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    A Ucrânia está enfrentando um declínio constante em depósitos bancários, grandes déficits fiscais e de conta corrente e consideráveis pagamentos da dívida externa nos próximos anos. Com suas reservas internacionais diminuindo, o país não pode financiar estes buracos com recursos próprios de dólar. O Fundo Monetário Internacional estimou que a Ucrânia terá 15 bilhões de dólares em ajuda externa em 2015, além do resgate de 17 bilhões que recebeu no ano passado. A lacuna de financiamento se estende a 2016 e adiante.

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    Estabilizar a economia da Ucrânia, obviamente, exigirá reformas domésticas profundas. O governo vai ter de cortar os subsídios de energia para reduzir o enorme déficit da Naftogaz, a petrolífera estatal e companhia de gás. Ao mesmo tempo, o banco central deve continuar a sanear e fechar bancos insolventes e garantir a recapitalização de instituições financeiras viáveis. E, como sugere com o índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional que posiciona a Ucrânia em 142º lugar, dentre 175 países, medidas drásticas para melhorar e profissionalizar a governança são imprescindíveis.

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    Mas estas reformas somente serão bem-sucedidas em um ambiente de estabilidade financeira. Com o déficit fiscal sendo financiado através da criação de moeda, a inflação é alta e a hryvnia, moeda da Ucrânia, se desvalorizou (embora não chegue nem perto da desvalorização do rublo russo). Um pacote de ajuda externa que seja grande o suficiente para restaurar a confiança e dissipar dúvidas de financiamento é uma pré-condição para o sucesso de uma reforma estrutural.

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    O outro pré-requisito é a legitimidade política. Afinal de contas, a reforma exige enormes sacrifícios dos cidadãos. Em outros lugares na Europa Central e Oriental, os cidadãos aceitaram prontamente esses sacrifícios, porque a generosa ajuda financeira do Ocidente e a perspectiva de adesão à UE emprestou credibilidade à promessa de democracia e prosperidade futuras.

    Os ucranianos devem perceber que a dor do ajuste está sendo bastante compartilhada, o que significa que as oligarquias do país devem se sujeitar, finalmente, ao estado de direito. Mas, dado que uma Ucrânia livre, estável e próspera é do interesse estratégico da Europa, governos dos países membros da UE também devem compartilhar os encargos de financiamento da reforma. O financiamento que a Ucrânia necessitará para estabilizar sua economia nos próximos quatro anos parece insignificante quando comparado com os mais de 300 bilhões, de diferentes fontes, dedicados ao resgate da Grécia – um país onde há muito menos em jogo estrategicamente.

    Durante as crises financeiras anteriores, partindo do México em 1994 até recentemente no sul da Europa, a comunidade internacional provou que pode ser muito criativa quando se trata de encontrar mecanismos para canalizar fundos de emergência. Isto leva a crer que o problema hoje não é falta de dinheiro ou constrangimentos institucionais, mas uma falta de vontade política.

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    Os céticos na União Europeia e o governo alemão reconhecem a urgência da situação da Ucrânia, mas eles temem que o dinheiro vá para o lixo na ausência de reformas abrangentes. Os cínicos adicionam em particular que a hiperinflação pode não ser tão ruim afinal de contas, porque forçosamente levaria os políticos em direção à reforma. Mas esse argumento ignora a história: a Ucrânia sofreu hiperinflação na década de 1990, apenas para eleger governos, chefiados pelo Presidente Leonid Kuchma, cujo desgoverno incitou a Revolução Laranja em 2004, e o Presidente Viktor Yanukovych, que foi derrubado em fevereiro de 2014.

    Claramente, essas visões complacentes são equivocadas e terrivelmente perigosas. O sucesso dos esforços de reforma nunca pode ser garantido antecipadamente. Mas um fator que pode garantir o fracasso – e levar à desarticulação política e econômica – é a instabilidade financeira.

    O atual governo na Ucrânia tem um mandato eleitoral sem precedentes para a mudança. Ele também atraiu para o serviço público algumas das melhores e mais brilhantes cabeças do país (incluindo da diáspora ucraniana) para lutar em uma guerra e evitar um colapso econômico simultaneamente.

    É de se considerar o que aconteceria se eles falharem. O Plano B na Ucrânia não é, certamente, mais reforma, e sim menos – e, provavelmente, o tipo de populismo econômico imprudente que a América Latina tem testemunhado nos últimos anos, da Venezuela de Hugo Chávez à Argentina dos neo-peronistas Néstor e Cristina Kirchner.

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    Só essa possibilidade já deveria ser suficiente para incentivar o FMI, os Estados Unidos e, acima de tudo, a União Europeia a agirem. Nos dias cinzentos e deprimentes da União Soviética, uma Ucrânia independente e democrática parecia inimaginável. E ela aconteceu. Hoje, as reformas econômicas e políticas parecem da mesma forma assustadoras, mas elas permanecem alcançáveis. Para os governos ocidentais, ir em auxílio da Ucrânia é uma aposta, mas que certamente vale a pena ser feita.

    Andrés Velasco, ex-ministro das finanças do Chile, é professor de Prática Profissional em Desenvolvimento Internacional na Columbia University.

    (Tradução: Roseli Honório)

    © Project Syndicate 2014

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