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Restaurante reforça campanha para ser considerado o mais antigo do mundo

Segundo os italianos, o ristorante mais ancestral é o La Campana, aberto em 1518, no vicolo (beco) homônimo, no centro histórico romano

Por J.A. Dias Lopes, de Roma
31 mar 2024, 08h00

É a disputa pelo pódio mundial. Roma, capital da Itália, contesta um dos primados mais celebrados do Livro dos Recordes Guinness. O volume das proezas e superlativos, lançado anualmente, garante que o restaurante mais antigo do mundo está em Madri, na Espanha. Seria o Sobrino de Botín, fundado em 1725. Os italianos pedem há algum tempo que o Guinness corrija o registro. Agora, voltam à carga, em maciça campanha. Segundo eles, o ristorante mais ancestral é o La Campana, aberto em 1518, no vicolo (beco) homônimo, no centro histórico romano.

Por que o Guinness, tão sério e criterioso em suas avaliações, ainda não aceitou a mudança? Talvez por desconsiderar as evidências apresentadas. Curiosamente, porém, avaliza que o La Campana é o mais longevo de Roma. O veterano italiano tem documentos que comprovam sua abertura dois séculos antes do Sobrino de Botín, um dos quais é o manuscrito Taxae Viarum, de 1518. Conforme esse manuscrito, o tributo de manutenção da rua foi pago naquele ano. O restaurante também é citado em um censo de 1526, que menciona um certo Pietro de la Campana. Em Paris, há o café e restaurante Le Procope, considerado o mais antigo da capital francesa, em operação desde 1686, fundado pelo chef siciliano Procopio Cutò, local de encontro da comunidade artística e literária nos séculos XVIII e XIX. Mas não participa da disputa, pois fechou em 1872 e só reabriu na década de 1920.

1725 - O madrilenho Sobrino de Botín: ainda no topo da lista do Guinness
1725 - O madrilenho Sobrino de Botín: ainda no topo da lista do Guinness (@restaurante_botin/Instagram)

No endereço do La Campana, funcionava originalmente um posto do correio. A chegada de cada carruagem puxada a cavalo, utilizada para o transporte de passageiros e mercadorias, cuja imagem ilustra atualmente o menu da casa, era anunciada pelo badalar de uma campana (sino). Daí o nome do estabelecimento. “Há quinhentos anos preparamos receitas típicas da cozinha romana”, disse a VEJA Paolo Trancassini, administrador da casa. Os pratos tradicionais vão do carciofo alla giudia (alcachofra frita à moda judaica) à coda alla vaccinara (rabo de boi ensopado); do abbacchio arrosto con patate (cordeiro assado com batatas) ao tonnarelli cacio e pepe (massa comprida e quadrada, com o dobro da espessura do espaguete, ao molho de queijo e pimenta).

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Um dos modos de celebrar a longa jornada do La Campana é conhecer os personagens que o frequentavam, desde priscas eras. Nos primeiros anos do século XVII, quem batia ponto ali era o pintor italiano Michelangelo Merisi da Caravaggio. O mais genial dos artistas plásticos barrocos aparecia para almoçar enquanto pintava na vizinha basílica de Santo Agostinho. Ele entrava no salão usando roupa colorida e extravagante, chapéu de feltro e aba larga, em cuja banda preta havia uma pena de pavão, e levando na cintura a espada que sua índole truculenta sacava da bainha por qualquer motivo, pois, além de briguento e maledetto, como dizem os italianos, era vaidoso. Que se saiba, contudo, nunca criou problemas no La Campana.

Uma lenda, obviamente improvável, conta que o salão principal da comedoria teve uma pintura de Caravaggio na parede, que acabou sumindo. Caso fosse verdadeira, o restaurante mais antigo do mundo colecionaria mais uma boa história, mas perderia uma montanha de dinheiro. Alessandro Zuccari, professor de história da arte moderna da Universidade Sapienza de Roma, estima que comece em 300 milhões de euros (mais de 1,6 bilhão de reais) o preço em leilão de qualquer quadro pintado pelo gênio arruaceiro.

PRISCAS ERAS - O pintor barroco Caravaggio (1571-1610): freguês fiel
PRISCAS ERAS – O pintor barroco Caravaggio (1571-1610): freguês fiel (Fine Art Images/Heritage Images/Getty Images)

O escritor Johann Wolfgang von Goethe, estrela da literatura alemã e do romantismo europeu nos finais do século XVIII e inícios do século XIX, mencionou o restaurante na obra Elegias Romanas, originalmente intitulada Erótica Romana, um conjunto de 24 poemas compostos no retorno da sua viagem à Itália, que durou de 1786 a 1788. Citou inclusive uma funcionária pela qual teria se apaixonado. Também fizeram do La Campana ponto de encontro figuras mais recentes do mundo das artes, como os cineastas Federico Fellini e Pier Paolo Pasolini, assim como o ator Alberto Sordi. A cantora de óperas Maria Callas transformava a mesa do almoço ou do jantar em escritório informal para fechar contratos de apresentações.

A briga entre o La Campana e o madrilenho Sobrino de Botín promete ir longe, ainda, a fogo brando — mas a riqueza de aventuras do endereço de Roma autoriza uma constatação em torno de sua primazia: se non è vero, è ben trovato.

Publicado em VEJA de 29 de março de 2024, edição nº 2886

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