Feliz com o retorno dos eventos ao vivo no pós-pandemia, Marília Mendonça entrou desfilando em um tapete vermelho estendido no gramado do estádio Allianz Parque, em São Paulo, há exatamente um mês, em 5 de outubro. Esbanjando simpatia, ela estava ladeada pelas duas melhores amigas, as irmãs e cantoras sertanejas Maiara e Maraisa. O trio estava ali para anunciar aquele que seria o seu retorno triunfal em 2022: a turnê Patroas. Com cinco datas de shows previstas para 2022 em grandes estádios, a expectativa delas era atrair públicos superiores a 40 mil pessoas. Os shows, que deveriam ter uma estrutura de fazer inveja em artistas internacionais, estava sendo produzido pela Live Nation, multinacional gigante do entretenimento, algo que por si só já comprovava o respeito que havia adquirido no mercado. Afinal, são pouquíssimos os artistas brasileiros da atualidade com a mesma força que a Marília tinha para lotar estádios e arrastar multidões.
Morta na tarde desta sexta-feira, 5, em uma queda de avião, a cantora goiana era um fenômeno de vendas e reproduções nas plataformas de streaming. Aos 26 anos, ela havia se tornado uma das compositoras mais respeitadas do Brasil, inclusive por pessoas de fora do meio, com letras empoderadas sobre feminismo e relacionamentos tóxicos, que lhe renderam o título de Rainha da Sofrência. A artista já havia, por exemplo, gravado com a cantora Gal Costa e foi homenageada em uma letra de Caetano Veloso. Sua ascensão meteórica começou em 2016, quando explodiu com os hits Infiel e Eu Sei de Cor, que ajudaram a criar o Feminejo, movimento que reunia diversas duplas sertanejas femininas. Com suas letras e talento, Marília conseguiu se impor na música sertaneja, um ambiente majoritariamente masculino e machista.
Antes de despontar como cantora, no entanto, ela já era conhecida entre as grandes duplas sertanejas por sua capacidade de compor letras simples e diretas sobre desilusões amorosas. Não é uma tarefa fácil. Marília escrevia suas músicas quase como se fossem crônicas da atualidade, sempre com sensibilidade e da perspectiva feminina. O resultado eram canções de forte apelo popular que eram imediatamente incorporadas no cotidiano das pessoas. “Pra você isso é amor / Mas pra ele isso não passa de um plano B / Se não pegar ninguém da lista; liga pra você / Te usa e joga fora”, cantava ela na música Supera.
Em 2019, a cantora demonstrou a força popular de suas composições ao apostar em um ousado projeto, a turnê Todos os Cantos. A ideia era simples: ela avisaria de surpresa em suas redes sociais que iria fazer show grátis em alguma capital e montava um palco itinerante para cantar. De quebra, em cada cidade ela cantaria uma música inédita que, mais tarde, seriam incluídas em um álbum homônimo. Todos os shows lotaram, com destaque para a apresentação de Belo Horizonte. Com uma previsão de atrair 15 mil pessoas, o show atraiu mais do que o triplo disso. Cerca de 50 mil surgiram no local, pegando os organizadores e a polícia de surpresa, causando uma tremenda confusão na capital mineira.
Marília tinha forte presença nas redes sociais e parte do seu poder de mobilização vinha daí. No Twitter, onde tinha 7,8 milhões de seguidores, dava pitacos sobre tudo, de Big Brother Brasil a política. Seu maior sucesso nas redes ocorreu em abril de 2020, no auge da pandemia, quando bateu o recorde de visualizações simultâneas de sua live, transmitida ao vivo no YouTube, para mais de 3,2 milhões de pessoas. No Instagram onde era seguida por quase 40 milhões de pessoas, postava fotos do seu dia-a-dia e também do filho Leo, de quase dois anos, fruto do seu relacionamento com o cantor Murilo Huff. Foi nesta rede social, inclusive, que ela postou hoje cedo uma imagem embarcando no avião para Minas Gerais — o mesmo no qual sofreria o acidente fatal horas depois.
Marília Mendonça morreu no auge do sucesso e de sua produção criativa. Há um mês, quando apresentou seu novo projeto no Allianz Parque, ela estava – como não poderia deixar de ser – feliz por retornar aos palcos e fazer shows com público vacinado. Em diversos momentos, desceu do palco e cantou abraçada com os fãs na plateia, com um microfone na mão e uma latinha de cerveja na outra. A sensação era de que o mundo tinha voltado ao normal – e por algumas horas foi isso mesmo o que ocorreu. A morte prematura da cantora será sentida não apenas pelo meio sertanejo, como também em toda a indústria musical brasileira.