Na terça passada, o youtuber Monark foi condenado a um ano de cadeia. Seu crime: chamou o ministro do Supremo Flavio Dino de “gordola”, “autoritário”, “bosta” e “tirânico”.
Na semana anterior, Felipe Neto, outro youtuber, foi condenado a pagar multa de 20 mil reais por chamar o deputado Arthur Lira de “excrementíssimo”.
Na última sexta, a CCJ da Câmara aprovou um “pacote anti-STF”, que, entre outras coisas, limita decisões monocráticas, amplia os cenários em que um ministro pode sofrer impeachment e permite ao Congresso revogar decisões do Supremo.
Os episódios estão íntima e tristemente relacionados.
Xingar autoridade é direito fundamental do cidadão em qualquer democracia saudável. “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, diz o item IV do artigo 5º, cláusula pétrea da Constituição Federal.
Mas os juízes que julgaram Monark e Neto não estão nem aí para a Constituição. Não surpreende que seja assim. O STF é a régua pela qual as cortes inferiores medem suas próprias decisões: se o Supremo cala quem o critica, como vem acontecendo, por que juízes de primeira instância não poderiam (e deveriam) calar quem critica outras autoridades?
Ainda que em parte desproporcional, é até inconstitucional, a reação da CCJ tampouco deve surpreender: se o Supremo passa do limite, é de se esperar que isso desperte alguma reação no Parlamento. A escalada do confronto entre Supremo e Congresso é prejudicial não só aos dois Poderes diretamente envolvidos, mas à democracia brasileira como um todo.
O golpe planejado por Jair Bolsonaro falhou, ele está inelegível e a caminho de ser condenado na Justiça Comum. Bolsonaro deixou de ser uma ameaça às liberdades democráticas — hoje, quem as ameaça é o próprio Judiciário.
É hora de o Supremo retomar a cautela e a tolerância que sempre o caracterizaram. É hora de parar de dar mau exemplo para os tribunais inferiores.
(Por Ricardo Rangel em 14/10/2024)