Por mais que tente, o presidente Jair Bolsonaro não disfarça o temor político pela instalação da CPI da Covid. É possivelmente o sentimento menos insano do chefe de governo, por isso mesmo vestido com figurino de combate a dissimular o risco que passa a rondar sua gestão.
Aliados tentam emplacar a narrativa de que ao estender as investigações aos repasses específicos de combate à pandemia nos estados e municípios, o governo inverteu o risco, que passaria a ser dos governadores e prefeitos. E, com isso, conteria o ímpeto oposicionista na comissão.
O problema é que não há como controlar uma CPI, como ensina a história política recente. O destino do ex-governador Sérgio Cabral, no Rio, começou a ser desenhado na CPI do Cachoeira, por iniciativa do então presidente Lula, para vingar-se de seu inimigo da hora, o governador de Goiás, Marconi Perillo e jogar uma cortina de fumaça no mensalão.
Logo no seu início, a CPI trouxe à tona as relações promíscuas entre o empreiteiro Fernando Cavendish e o governador do Rio, aliado de Lula – um fio de meada que acabaria no presídio de Bangu, onde até hoje Cabral cumpre pena. Foi no que deu o governo patrocinar uma CPI.
Foi na CPI dos Bingos que o então poderoso ministro da Fazenda Antônio Palocci mentiu ao dizer que desde sua posse no cargo jamais voltara a se encontrar com a chamada República de Ribeirão Preto, formada por integrantes de sua equipe na prefeitura daquela cidade e condenada por diversos delitos.
A pergunta nada tinha a ver com a investigação específica, mas a resposta descuidada faria diferença mais tarde quando se provou o contrário – que Palocci não só mantinha contato com a turma como o fazia semanalmente em uma casa alugada em Brasília para esse fim.
O que fica dessas lições do passado recente é que mesmo produzindo danos a adversários, as ações do governo em uma CPI são sempre defensivas, mesmo quando vai ao ataque, e ele sempre está mais exposto do que a oposição.
No caso presente, a tentativa de colocar no mesmo patamar de investigados 27 governadores, já mostra a desigualdade de forças, sem falar na maioria oposicionista na comissão. Para a sonhada limonada presidencial, se chance houvesse, os meios e os conteúdos de Bolsonaro na reação já a fazem natimorta.
É muito grave um presidente da República, especialmente na circunstância trágica de uma pandemia, chegar ao ponto de alertar para o iminente risco de o país tornar-se um barril de pólvora.
É uma ameaça sem precedentes para a qual certamente haveria reações mais contundentes se o Congresso Nacional não estivesse funcionando em modo virtual. A dinâmica política com o Legislativo reunido possivelmente já teria oferecido resistência – e mesmo uma contraofensiva – não só a essa mais recente ameaça do presidente, como a outras.
A pandemia produz efeitos políticos contraditórios. Ora aumenta a temperatura; ora abranda. No primeiro caso, quando as instituições reagem à tensão contínua que caracteriza o governo. No segundo caso, quando o atendimento prioritário à população e o distanciamento social se impõem ao contexto político.
Em algum momento, porém, não será possível administrar o calor e a CPI parece acenar para isso. O presidente, por suas reações rápidas, mostra estar atento ao noticiário, mas parece desdenhar da progressiva deterioração da economia e da saúde física e mental da população.
Não se pode acordar todos os dias com um novo conflito protagonizado pelo governo.
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- João Bosco Rabello escreve no https://capitalpolitico.com/