Na manhã de 17 de agosto, uma quarta-feira, 650 agentes da Polícia Federal e dezenas de auditores da Receita Federal, com a ajuda de um helicóptero e de centenas de viaturas policiais, revelaram ao Brasil a existência de uma sofisticada organização criminosa que, sediada na Bahia e com tentáculos por 17 estados, prosperava com a sonegação de impostos. O esquema era liderado por seis integrantes da família de Paulo Sérgio Costa Pinto Cavalcanti, chamados pelos policiais de “cabeças”, e treze “gerentes”. Embora Costa Pinto tenha desembarcado nas manchetes dos jornais como mentor da fraude colossal, algumas autoridades acreditam que o cérebro da rede era Emanoel Bastos, um homem de 71 anos, fluminense de Paraiba do Sul, que trabalhou alguns anos como auditor fiscal.
Emanoel Bastos é um dos “gerentes” relacionados pela Polícia Federal no inquérito que desencadeou a Operação Alquimia. Em julho de 1985, foi contratado pelo governo de Mato Grosso do Sul para trabalhar na área fiscal. Cinco meses depois, acabou demitido “a bem do serviço público” – de acordo com o inquérito da operação, ao qual o site de VEJA teve acesso. Bastos decidiu, então, retomar a carreira de advogado. Em dezembro de 1986, transferiu-se para São Paulo, também para atuar como funcionário do governo estadual. Três meses depois, aprovado num concurso público, tornou-se auditor fiscal da Secretaria da Fazenda da Bahia. Foi lá que, aparentemente, aprendeu que sonegar impostos garantiria uma velhice tranquila. Em 1988, a Justiça expediu dois mandados de prisão preventiva contra o advogado, acusado de “corrupção passiva”. Cinco anos depois, em novembro de 1993, o governo baiano descobriu o prontuário por trás do currículo de Bastos e o demitiu.
De lá para cá, Bastos, dedicou-se exclusivamente ao esquema de sonegação encabeçado por Paulo Costa Pinto Cavalcanti, atuando como procurador de empresas de fachada e administrando os lucros provenientes de negócios escusos. Em novembro de 2002, abriu a empresa EB Consultores Associados – envolvida até o pescoço nas maracutaias de Costa Pinto, dono de uma ilha paradisíaca na Baía de Todos os Santos e proprietário da Sasil Comercial e Industrial de Petroquímicos Ltda., principal alvo da Operação Alquimia. A Sasil é investigada por patrocinar a criação de centenas de empresas de fachada que, usando “laranjas”, faziam operações fictícias de compra e venda de insumos químicos sem pagar impostos. O valor lucrado com a sonegação era repassado à Sasil e enviado a paraísos fiscais.
Experiente no ramo da tributação, Bastos soube operar o esquema com singular eficácia. Há muitos vínculos entre o advogado e a rede de sonegação. Sete merecem destaque: 1) Os mesmos funcionários que trabalharam para a Sasil e para as empresas de fachada em nome de “laranjas” foram contratados pela EB Consultores Associados, empresa de Bastos. 2) O contador da EB, Cláudio da Conceição, é o mesmo contador da Sasil e de outras dezenas de empresas que integram a “organização criminosa”. 3) Surpreendentemente, a empresa de Bastos ocupava fisicamente as mesmas instalações de uma série de empresas de fachada ligadas à Sasil. 4) No Brasil, Bastos atuava como representante de empresas estrangeiras sediadas em paraísos fiscais e que eram proprietárias de empresas brasileiras ligadas à Sasil. 5) Bastos administrava empresas, ligadas à Sasil, cujas movimentações financeiras eram muito superiores aos patrimônios declarados. 6) Em sua conta corrente, Bastos recebia vultosas quantias de empresas de fachada ligadas à Sasil. 7) As movimentações financeiras na conta corrente de Bastos entre 2004 e 2008, são incompatíveis com as declarações ao Fisco, o que, segundo o inquérito, “revela indícios de omissão de receitas pelo investigado”.
Emanoel Bastos está em prisão domiciliar em sua casa no condomínio Encontro das Águas, um dos mais luxuosos de Salvador, na Bahia. O investigado divide as ruas bem pavimentadas com celebridades como a cantora Ivete Sangalo e o deputado e ex-pugilista Acelino ‘Popó’ Freitas. A reportagem do site de VEJA tentou entrevistá-lo na última quinta-feira, 25, sem sucesso. Pelo interfone, Bastos ordenou aos porteiros que impedissem a entrada de visitantes. Não queria receber ninguém, muito menos jornalistas. Por esse comportamento – e por constituir o “cérebro” do maior esquema de fraude tributária da década – os principais investigados pela Operação Alquimia constumam referir-se a Emanoel Bastos como “o cão”.
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