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Como funciona a ‘indústria de ocupações’ do MTST

Braço urbano do MST, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) controla a lista de beneficiários em programas habitacionais com chantagem e com a conivência da prefeitura de São Paulo

Por Eduardo Gonçalves com imagens de Felipe Cotrim
4 ago 2014, 11h11

Na tarde do dia 29 de julho, a vendedora Maria Lúcia Gomes da Silva, de 48 anos, era uma das poucas pessoas no terreno invadido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) na Estrada do M`Boi Mirim, na periferia da Zona Sul de São Paulo – o maior acampamento do grupo, montado numa área de 1 milhão de metros quadrados, batizado Nova Palestina. Por sofrer de hipertensão, Maria Lúcia teve um mal-estar no último protesto do MTST, dia 23 de julho, após esperar sete horas até o fim da passeata que travou o trânsito da cidade para assinar a lista de presença. A persistência de Maria Lúcia e dos outros 2.500 sem-teto que compareceram ao ato tem um único motivo: acumular pontos na planilha dos líderes do MTST para furar a fila dos programas públicos de financiamento habitacional. “Sem muitos pontos, nós somos impedidos de fazer o cadastro. Quem não luta, não ganha. Esse é o lema deles”, explica Maria Lúcia.

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No modelo montado pelo MTST, o comparecimento nos protestos semanais vale cinco pontos. Para quem frequenta os acampamentos, prepara a comida, patrulha a área invadida ou recolhe o lixo rende um ponto. “O Guilherme [Boulos, líder do MTST] falou para a gente que a principal luta é na rua, que não adianta ficar parado nas ocupações. Foram 34 atos, quem não apareceu em pelo menos cinco entrou na lista de repescagem. E eles sabem de tudo, anotam tudo”, afirma Maria Lúcia.

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O braço urbano do MST

O MTST foi criado em 1997 como um braço urbano do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). As primeiras invasões foram feitas em municípios da Grande São Paulo, como Itapevi, Embu das Artes e Taboão da Serra, e no interior, em cidades como Sumaré e Hortolândia. No ano passado, o grupo estendeu suas ações para a capital paulista, promovendo as ocupações conhecidas como Estaiadinha, Faixa de Gaza e Nova Palestina, entre outras. Neste ano, ocorreram mais duas: Copa do Povo e Portal do Povo. Atualmente, o movimento mantém doze invasões na Região Metropolitana de São Paulo, sendo sete só na capital. O grupo também atua em outros Estados como Tocantins, Ceará, Roraima e Distrito Federal. Apesar de se autointitular um movimento apartidário, o MTST recebe apoio de partidos de esquerda como o PSOL. Na última segunda-feira, a candidata à Presidência pelo PSOL, Luciana Genro, publicou um post no Twitter defendendo o MTST. “Estamos juntos com o MTST por moradia digna”, escreveu. Em junho, um acampamento montado em frente à Câmara Municipal teve bandeiras da CUT, central sindical que tem ligações históricas com o PT.

É com base nessa tabela de pontos que o MTST determina quem será contemplado, por exemplo, pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida, cujo cadastro é controlado pela prefeitura de São Paulo. “O movimento cadastra e encaminha para a prefeitura. Todos os dias tem que ter presença, mas ganha mais pontos quem participa dos protestos. Mas, no começo, eram 15.000 pessoas na ocupação, agora são 4.000. Não é todo mundo que aguenta essa rotina”, afirma Francisco Silva, de 44 anos.

A maioria dos que aderem ao MTST diz acreditar que somente com a indicação do grupo conseguirá o financiamento de uma casa – há casos de sem-teto que já estavam cadastrados em programas habitacionais há anos, mas recorreram ao grupo para agilizar o processo. E o pensamento, infelizmente, não está errado. O Ministério Público do Estado de São Paulo acionou na Justiça a prefeitura paulistana por privilegiar o MTST. “Trata-se de privilegiar o absurdo dos absurdos. Aceitar-se o descontrole em nome de política rasa de privilégio a grupos em troca de votos ao invés de respeitar o direito de milhares”, escreveu o promotor Maurício Antonio Ribeiro Lopes na ação civil pública apresentada à Vara da Fazenda Pública da capital. Um dos exemplos do favorecimento foi a liberação de um terreno invadido pelo grupo no Campo Limpo, na Zona Sul, para o MTST por meio do Minha Casa, Minha Vida Entidades – nessa modalidade do programa, o governo federal repassa verbas para movimentos sociais destinadas à construção de moradias e são eles que indicam os beneficiários. Na mesma ação, o promotor afirma que não existe “justiça social” em “atos, ocupações e toda sorte de atividades que geram pontos ou créditos na visão do movimento”.

Na última quarta-feira, ao encerrar uma passeata no Centro, os líderes do MTST reuniram os participantes para entregar uma filipeta indicando o dia em que eles deveriam ir à prefeitura para se cadastrar em programas habitacionais. Questionada pelo site de VEJA, a prefeitura admitiu que fez um acordo com os sem-teto que estavam no acampamento batizado Portal do Povo, na Zona Sul, para cadastrá-los no Minha Casa, Minha Vida, mas afirmou que a fila dos programas habitacionais é respeitada. “Em reunião com o MTST, a Secretaria Municipal de Habitação disponibilizou senhas aos integrantes do movimento para que eles se organizem em diferentes dias e horários para fazer o cadastro nos programas habitacionais. A Sehab busca cadastrar assentamentos que são considerados prioritários, a partir de determinação judicial. São casos de moradores que estão em áreas de risco ou apresentam alta vulnerabilidade social”, disse em nota a Sehab.

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‘Indústria de ocupações’ – O Ministério Público define o MTST como uma “indústria de ocupações urbanas”. Quem adere ao movimento é identificado com um número, o mesmo pintado em sua barraca na data da invasão do terreno. Ao final de cada protesto ou assembleia, formam-se filas divididas conforme os blocos de cada área invadida para o registro de presença em cadernos. Quando o movimento não organiza assembleias nem atos, a lista é passada no final da tarde nos terrenos – nesse horário, as invasões costumam ficar cheias e, ao cair da noite, esvaziam.

As barracas, feitas de madeirite, lona e bambu, são montadas apenas para demarcar território e não para abrigar os sem-teto, já que a maioria paga aluguel ou mora em cômodos de familiares e conhecidos. O movimento proíbe os chamados “gatos” feitos em favelas para ter acesso à rede elétrica.

O MTST está estruturado em uma hierarquia piramidal. Segundo a cartilha publicada no site do movimento, os coordenadores das ocupações são subordinados aos coordenadores regionais, que por sua vez respondem aos estaduais. No topo, está o coordenador nacional, Guilherme Boulos. O grupo também conta com um núcleo de comunicação, responsável pela confecção de bandeiras e camisetas e por elaborar os gritos de ordem.

A invasão de imóveis privados é feita por meio de comboios que levam os sem-teto recrutados em outros terrenos invadidos. Com exceção da cúpula do MTST, os sem-teto não são informados previamente do endereço e devem manter os celulares desligados. São convocados pelo menos cem pessoas, incluindo idosos e crianças, para impedir uma ação de reintegração de posse imediata da Polícia Militar. Nos dias seguintes à invasão, militantes distribuem folhetos e carros de som circulam pela região convocando pessoas a aderirem à invasão.

Ocupações do MTST na capital

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