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O barato do Kinect

Lançado como um apêndice luxuoso para videogame, sensor de movimentos da Microsoft vira o xodó de engenheiros e programadores ao tornar trivial uma das funções mais desafiadoras - e até então caríssimas - para as máquinas: enxergar o mundo, em três dimensões, em tempo real

Por Paula Reverbel
10 abr 2011, 08h39

“Daqui para frente, é uma questão de tempo e trabalho, não de obstáculos”, diz Howard Chizeck, da Universidade de Washington

O Google anunciou na manhã de 1º de abril uma espantosa ferramenta de e-mail que permite gerenciar o correio eletrônico com simples movimentos do corpo capturados por uma câmera. Piada, certo? Piada. Só que na tarde do mesmo dia, entusiastas do Kinect demonstravam que o sensor de movimentos da Microsoft pode bem ser ajustado para interpretar com precisão até os gestos mais estapafúrdios que aparecem na fantasia do Google, como passar um selo imaginário na língua e colá-lo na coxa para instruir o computador a enviar um e-mail. A pronta resposta à pegadinha de 1º de abril ilustra a avidez com que programadores e engenheiros estão subvertendo a engenhoca da Microsoft e criando uma série de inovações para além do mundo dos games (confira a videogaleria acima). O que explica o deslumbre com a ferramenta lançada há apenas quatro meses é o fato de tornar trivial uma das funções mais desafiadoras para as máquinas: enxergar o mundo, em três dimensões, em tempo real.

O Microsoft lançou o Kinect para turbinar seu Xbox. Plugado ao console, o sensor de movimentos dispensa joysticks e faz o jogador usar o próprio corpo como controle. Para tanto, o Kinect combina funções de uma câmera digital às de um sensor infravermelho. Enquanto as lentes captam a luz visível, para a geração de imagens coloridas, o sensor emite feixes de radiação infravermelha e mede o tempo de resposta. É um processo análogo ao dos sonares: quanto mais tempo a onda leva para ser percebida pelo sensor, mais longe está o objeto que a refletiu. O cruzamento das informações de cor e profundidade permite a leitura em três dimensões do ambiente.

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Enxergar um mundo em 3D já era possível antes do Kinect. A diferença é o preço. “Por 150 dólares (244 reais, o preço do Kinect nos Estados Unidos), você pode adquirir um aparelho que resolve os maiores problemas da visão de computadores”, diz o designer e programador Joshua Blake, lembrando que antes era necessário pagar no mínimo dez vezes mais por um aparelho com menor capacidade. Blake é o fundador do OpenKinect, site colaborativo que cataloga programas e instruções para facilitar o uso do dispositivo fora do ambiente do videogame – hacks, no jargão da internet. O site conta com 2.000 desenvolvedores que usam o seu tempo livre para escrever programas e disponibilizá-los gratuitamente para qualquer interessado. Resultado: pululam na internet os mais diversos projetos e demonstrações. São robôs voadores, simulação de instrumentos musicais, contribuições para cirurgias a distância, recursos para o desenho a mão livre (literalmente), guia de orientação para cegos etc.

“Questão de tempo” – Philipp Robbel, do laboratório de robótica do Massachusetts Institute of Technology (MIT), é um dos entusiastas do Kinect. Robbel desenvolve robôs autônomos e seu foco atual é o resgate de vítimas de desabamentos. Duas semanas após o lançamento do Kinect nos Estados Unidos, ele postou no YouTube o vídeo de um protótipo que consegue mapear em 3D o ambiente, movimentar-se, desviar de objetos e reconhecer gestos de humanos. “Temos outra câmera no laboratório do MIT que fornece uma leitura parecida”, compara. “Mas custou aproximadamente 5.000 euros (7.168 dólares, ou 47 vezes o preço do Kinect)”

Usando o código do OpenKinect, os alunos de doutorado do professor Howard Chizeck, da Universidade de Washington, em Seattle, criaram um hack para aprimorar a performance dos médicos em cirurgias a distância. O objetivo de Fredrik Rydén e Howkeye King é transmitir informações táteis aos médicos durante procedimentos remotos, técnica conhecida como haptics, do grego haptikós, ou próprio para tocar. A estratégia vem sendo estudada há anos, mas a equipe de Seattle acredita que uma versão do sensor da Microsoft poderia torná-la eficiente e barata. “Os médicos que controlam o robô cirúrgico apenas enxergam o que estão fazendo, mas não conseguem sentir a pressão do braço robótico sobre o paciente”, explica Chizeck.

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Por enquanto, os alunos de Chizeck puderam unicamente demonstrar que o sensor se presta à transmissão de dados táteis. Na experiência exibida no YouTube, uma pessoa pode sentir a superfície de uma mesa localizada em outra sala e, como se ela estivesse materializada à sua frente, passar a mão sobre o tampo – mas não consegue atravessá-lo. Conceito provado, o passo seguinte é tornar o sensor uma miniatura que possa ser introduzida no organismo do paciente. “Daqui para frente, é uma questão de tempo e trabalho, não de obstáculos”, diz Chizeck.

Seis dias – Por tradição corporativa, a primeira reação da Microsoft aos hackers foi negativa. Quando o Kinect foi lançado nos Estados Unidos, instituições focadas em projetos eletrônicos e da área de robótica ofereceram uma recompensa no valor de 2.000 dólares para o primeiro programador que encontrasse uma maneira de usar o sensor plugado a um computador – e disponibilizasse na web o código. Em resposta, a empresa informou que não aprovava a modificação de seus produtos, que havia tomado diversas providências para “dificultar e evitar” os hacks e ameaçou “recorrer às autoridades legais para manter o Kinect inviolável.” Seis dias depois, o código foi quebrado. Duas semanas e muitos hacks depois, a empresa mudou sua postura e anunciou que estava animada com o envolvimento da comunidade de desenvolvedores em torno de seu produto.

Como uma forma de reconhecimento, a Microsoft anunciou em fevereiro que pretende lançar, nos próximos meses, um kit para desenvolvedores com as principais informações para operar o Kinect e criar aplicações próprias. “As possibilidades são infinitas. Tecnologia como a do Kinect pode ser mais do que uma ótima plataforma de jogos”, reconhece o texto publicado no blog oficial da Microsoft. Evidente, ao contrário do OpenKinect, o kit que a Microsoft anunciou será só para o seu sistema Windows e apenas para uso não comercial.

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De acordo com o professor Marcelo Knörich Zuffo, do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), o Kinect pode ter serventia para todas as aplicações em que o computador precisa ver. A robótica, a segurança e a medicina estão entre os campos que podem tirar proveito disso. Ele lembra que pesquisas nessa área já são feitas há mais de 25 anos. Mas foi o Kinect que fez com que esses estudos despertassem a atenção fora do ambiente de pesquisa. Segundo o pesquisador, as inovações eletrônicas estão levando cada vez menos tempo para chegar até a população. Diversos produtos, como as TVs 3D, o bluetooth e o mouse sem fio fizeram esse mesmo percurso, do acesso restrito em laboratórios à comercialização. “A distância entre o que temos ensinado em sala de aula e a massificação dessas tecnologias está ficando cada vez menor.”

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