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Coluna publicada em VEJA de 21 de março de 2018, edição nº 2574

Por J.R. Guzzo Atualizado em 16 mar 2018, 06h00 - Publicado em 16 mar 2018, 06h00

NADA PODE ir bem num país quando os seus juízes e procuradores se aproveitam da vantagem de não poderem ser punidos nunca, por ninguém e por nenhum motivo, para desrespeitarem a lei em busca de um benefício pessoal. Felizmente não são todos — o país realmente já teria ido para o diabo se fossem. Os juízes estaduais e os Ministérios Públicos dos estados, por exemplo, não participam da “greve” convocada para o dia 15 de março pelas “lideranças da categoria”. Mesmo entre os magistrados federais o problema está concentrado num desses grupos que transformaram suas associações em sindicatos trabalhistas com militância política. Não são muitos — mas falam, decidem e agem por todos. O resultado, de qualquer jeito, é que temos aí mais uma agressão aberta à democracia no Brasil. Não há um regime democrático em funcionamento normal quando juízes de direito dão a si próprios direitos diferentes e maiores que os do cidadão comum — no caso, colocando-se acima da lei numa greve para obrigar o Supremo Tribunal Federal a decidir uma causa em seu favor. Ou o STF faz o que eles querem, segundo ameaçam, ou então a Justiça não vai funcionar. Isso, obvia-mente, não existe em democracia nenhuma do mundo. O STF não pode ser obrigado por nenhum grupo particular, muito menos por magistrados, a agir assim ou assado. Mas aqui, hoje, está valendo tudo.

Que sentido pode fazer uma aberração como esse “auxílio-moradia”?

Numa situação mais ou menos normal, o juiz que fizesse greve para pressionar publicamente os seus superiores na hierarquia, e isso para arrancar um privilégio pessoal, deveria ser simplesmente demitido do cargo e ir fazer outra coisa na vida. Acontece que o Brasil não vive, já há muito tempo, uma situação normal no Poder Judiciário. O motivo da anomalia é que se transformou num hábito, no sistema de Justiça brasileiro, ignorar a lei e a Constituição Federal em benefício dos interesses materiais e ideológicos dos que têm um emprego ali dentro. Nada poderia comprovar isso de forma tão clara como a “greve” do momento. Ela já é um disparate em si mesma, por ser escandalosamente ilegal, mas o motivo pelo qual foi convocada é muito pior ainda — na verdade, é o próprio sintoma da falência geral de órgãos que envenena atualmente o corpo da máquina judiciária nacional. Os grevistas não exigem o cumprimento de nenhum preceito virtuoso, como o direito de julgarem em liberdade e de acordo com a própria consciência. O que querem, mesmo, é garantir miseráveis interesses financeiros pessoais — mais exatamente, o pagamento de 4 300 reais por mês como “auxílio-moradia”, inclusive para quem já mora na própria moradia. São cerca de 30 000 juízes e procuradores no Brasil inteiro. Multiplique por 4 300 por mês — e veja aí o custo dessa brincadeira. Desde que o ministro Luiz Fux, do STF, inventou, em 2014, que todos os magistrados brasileiros, sem exceção, deveriam ganhar o “auxílio” hoje contestado, a despesa pública com ele aumentou vinte vezes.

Quer dizer: é um desses casos em que se soma o insulto à injúria. A greve, por si só, já é uma ofensa à ordem; o motivo da greve é uma ofensa à moralidade. De fato, que sentido pode fazer uma aberração como esse “auxílio-moradia”? Os cidadãos brasileiros não têm direito a receber dinheiro do governo para pagar seu aluguel mensal, muito menos para reforçar seu bolso quando já têm a própria casa. Por que, então, juízes, incluindo os “do Trabalho”, e procuradores deveriam receber aqueles 4 000 e tantos a mais por mês, se pela Constituição todos os cidadãos brasileiros são iguais perante a lei? Fica oficializado, com esse desatino, que não são iguais — se o Estado quer tirar dinheiro dos impostos para pagar a moradia de uns, deveria pagar então a moradia de todos. A respeito desse ponto, a propósito, desvenda-se a hipocrisia sem limites da “luta pelo direito à moradia”, que é como os sindicatos apresentam sua exigência. Ela é descrita como se o dinheiro gasto com o “auxílio” pertencesse ao “Estado” — ou, numa mentira mais grosseira ainda, “ao governo Temer”, ou ao “Supremo”. Então por que não dizem, logo de uma vez, que a verba vem do Tesouro de Marte? A verdade, como em 100% dos “gastos do governo”, é que o “governo” não gasta nada, nunca. Quem está pagando cada centavo do “auxílio-moradia” é você mesmo, ninguém mais; é o público, que mete a mão no bolso para pagar imposto a cada vez que recebe o seu salário ou acende a luz de casa. Não seria mais “republicano” se os nossos magistrados exigissem da população, que de fato é quem lhes paga, o que exigem do STF? Fica aí a ideia.

Publicado em VEJA de 21 de março de 2018, edição nº 2574

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