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Deus na sala de aula

Decisão do STF que permite o ensino confessional de religião nas escolas públicas põe em risco direitos individuais — e a própria liberdade religiosa

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 29 set 2017, 06h00 - Publicado em 29 set 2017, 06h00
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  • Pergunta A: o Brasil é um Estado laico? Pergunta B: sendo assim, pode haver ensino confessional de religião nas escolas públicas? As duas indagações, recheadas de interpretações, ecoa­ram pelo país na quarta-feira 27 diante de uma apertadíssima decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por 6 a 5, que, em vez de esclarecer, complicou: os ministros responderam sim às duas questões. Para seis dos onze juízes da corte, pregar religião em espaço público não viola a fronteira entre Igreja e Estado nem a laicidade estatal.

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    A origem do enrosco está na Constituição de 1988, que a um só tempo prevê a laicidade oficial do Estado e afirma, em seu artigo 210, que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. O caldo engrossou quando, em 2010, a Procuradoria-Geral da República levou ao STF a preocupação de que o ensino de alguma confissão específica — católico, espírita, protestante… —, ainda que facultativo, viesse a ferir a laicidade. Para evitar isso, a PGR propôs como padrão para as escolas públicas que a disciplina tratasse de religiões em geral, ensinando a história de cada uma, sem nenhuma relação com fé ou igreja.

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    O relator do processo, Luís Roberto Barroso, abriu a votação posicio­nan­do-­se a favor da PGR. Em seu voto, observou que, como a legislação é vaga, abre a possibilidade da presença em sala de aula de professores que sejam “representantes de confissões religiosas” (padres e pastores, por exemplo). “A escola pública fala para o filho de todos”, argumentou. “Religião e fé dizem respeito ao domínio privado, e não ao público. Neutro há de ser o Estado.” No outro lado da bancada, Gilmar Mendes afirmou não ser papel do Estado “tutelar” religião, ou seja, dizer o que pode ou não ser ensinado e como. Provocou, bem ao seu estilo: “Quem sabe a proposta da PGR abra caminho para, um dia, se retirar o Cristo Redentor do Corcovado e o ‘são’ de São Paulo?”.

    Nos Estados Unidos, cuja Carta de sete artigos é um primor de concisão, a Suprema Corte já teve de se desdobrar em várias ocasiões para garantir tanto a liberdade quanto a neutralidade religiosas. No geral, optou por vetar ações religiosas que envolvem o conjunto dos alunos, como orações coletivas. A questão das aulas nem sequer foi cogitada. Em alguns casos, permitiu a manifestação religiosa restrita, em clubes de estudantes — mas nunca aderiu à amplitude agora aprovada no Brasil. Por aqui, a prolixa Constituição que trata de tudo embolou o debate. Na prática, um terço das escolas públicas do país não tem aulas de religião; outro terço oferece a disciplina de forma optativa, como prevê a lei; e o terço final faz dela matéria obrigatória, o que é proibido. A decisão do STF, portanto, afeta um grupo reduzido, mas põe lenha numa fogueira duvidosa, ao atiçar a labareda da catequização na sala de aula. É uma possibilidade que, em vez de proteger, ameaça a liberdade religiosa — a liberdade das religiões que não estarão sendo ensinadas nas escolas.

    Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº2550

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