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A primeira entrevista de Pezão fora da cadeia

O ex-governador diz que Sérgio Cabral o delatou por ele ter negado um pedido e garante ter ainda amigos poderosos, como Lula e Rodrigo Maia 

Por Cássio Bruno, Sofia Cerqueira Atualizado em 14 fev 2020, 10h32 - Publicado em 13 fev 2020, 19h52
VIGIADO – Pezão e sua tornozeleira: remédios para dormir e espiritismo (Eduardo Monteiro/VEJA)

Em 29 de novembro de 2018, o então governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando de Souza, o Pezão, foi preso sob a acusação de ter embolsado 39 milhões de reais do profícuo esquema de corrupção incrustado havia quase uma década no Palácio Guanabara. Ele foi denunciado por sete altos integrantes da quadrilha que surrupiou o estado, entre eles o ex-governador Sérgio Cabral, seu padrinho político, condenado a 280 anos de cadeia. Em 11 de dezembro de 2019, Pezão deixou a cela que ocupava na sede da Unidade Prisional da Polícia Militar de Niterói e se refugiou em sua casa em Piraí, no interior fluminense, com a mulher, a ex-­primeira-dama Maria Lúcia. A Justiça determinou que, de lá, ele não pode sair entre 20 horas e 6 da manhã. Aos 64 anos, quase 10 quilos mais magro (pesa agora 123) e bronzeado do sol, que pega à beira da piscina da residência, Pezão recebeu VEJA em sua primeira entrevista em liberdade. Exibiu a tornozeleira eletrônica e foi logo esclarecendo: “Não me sinto abandonado”.

O ex-governador conta que, poucos dias antes do Natal, o ex-presidente Lula, com quem manteve estreito elo quando ambos tinham poder, o sur­preen­deu com um telefonema solidário. “Não abaixe a cabeça, você não tem motivo para isso”, disse Lula, que viria a ligar mais vezes, no mesmo tom motivacional. Outro que sempre faz contato é o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que, segundo ele, expressa apoio. Para curiosidade dos moradores da pequena Piraí, prefeitos de todo o estado batem à porta de Pezão para papear sobre política. “São uns loucos de estar na vida pública hoje”, diz ele, que, sim, esteve nela por trinta anos e, não, não pensa em se candidatar de novo. Na verdade, não pode: está inelegível até 2022 por abuso de poder econômico nas eleições de 2014, que o sagraram sucessor de Cabral no Guanabara. Esse, aliás, virou enrosco miúdo perto das denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro e participação na organização criminosa hoje na mira do braço fluminense da Lava-Jato.

A VEJA, Pezão sustenta que é alvo de uma injustiça orquestrada de dentro da prisão pela turma do MDB do Rio encarcerada toda junta em Bangu 8. “Essas delações foram combinadas entre eles”, sai em defesa própria, dando a deixa para uma questão que se impõe diante do fato de ter desempenhado por tanto tempo o papel de homem de confiança de Cabral (ele foi seu vice, secretário de Obras e peça-chave na engrenagem do governo): é possível nunca sequer ter esbarrado na roubalheira que se alastrou por todas as secretarias, fazendo corar até quem também já se alimentou de caixa público? “Nunca desconfiei de nada. O meu negócio ali era trabalhar”, diz.

Em seguida, uma contradição. Pezão relata que rumores de corrupção no palácio e fofocas sobre a vida nababesca de Cabral alcançaram seus ouvidos. Reagiu alertando o chefe mais de uma vez. “Ele dizia que nada daquilo era verdade e se irritava”, lembra. De acordo com Pezão, Cabral costumava dizer que o alto padrão que ostentava era bancado pelo escritório de advocacia da mulher, Adriana Ancelmo. “Se o cara fala isso, não vou ficar investigando”, exime-se. A última ocasião em que os dois se encontraram foi quinze dias antes da prisão de Cabral, na casa dele em Mangaratiba, refúgio de ricos e poderosos na Costa Verde fluminense. Pezão chegou com um papo amigo. Sugeriu que ele aproveitasse a recém-sancionada lei de repatriação de dinheiro no exterior para trazer o que tinha guardado fora do país, “se esse fosse o caso”. Àquela altura imprensado pela Lava-Jato, Cabral teria respondido com rispidez: “Se você veio aqui para ser piloto de trem fantasma, pode ir embora”. E o assunto não seria mais cutucado.

Em 3 de fevereiro, Cabral lançou Pezão na fervura da Lava-Jato sem dó nem piedade, como já fizera outras vezes. Garantiu, na frente do juiz Marcelo Bretas, que seu ex-escudeiro não só tinha amplo conhecimento de tudo como ajudara a pôr de pé a organização criminosa que subtraíra do estado quantia estimada em 6 bilhões de reais. Cabral desceu aos detalhes. Disse que Pezão havia recebido durante oito anos uma “mesada” de 150 000 reais. E arrematou: seu assessor para todas as horas teria sido ainda o inventor do termo “taxa de oxigênio”, vastamente empregado pela turma cabralina para se referir ao 1% que cobrava de empresas por contratos selados com o governo. “Não tenho boi, vaca, bode, jet ski, nada. Esse dinheiro nunca vai aparecer, porque não existe”, argumenta. O ex-governador afirma que vive do aluguel de um imóvel no Leblon e da aposentadoria de Maria Lucia. Está reivindicando a própria, mas ainda não teve sucesso.

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Mesmo diante da artilharia, Pezão jura não guardar raiva do ex-chefe, assim como revela não ter arrependimento algum. Em um discurso que soa ensaiado, ainda massageia Cabral: “Ele me ajudou muito na política, me proporcionou a chance de realizar grandes obras”. Em raros momentos, deixa entrever a mágoa. Afirma que nunca vai recorrer à delação premiada. “Muito menos vou mudar tudo depois do 14º depoimento, como fez Sérgio”, dispara pela primeira vez. Em 5 de fevereiro, a delação de Cabral foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal, mas ainda está na corda bamba: a Procuradoria-­Geral da República recorre da decisão (veja a reportagem).

Pezão tem uma teoria sobre o que motivou o ex-amigo a afiar as garras em sua direção. Com o chefe já preso e ele ainda na cadeira de governador, o ex-­deputado federal Marco Antônio Cabral, então seu secretário de Esportes, veio interceder pelo pai. Marco Antônio pleiteava melhorias nas instalações da carceragem que abrigavam Cabral e, na época, a ex-­primeira-dama Adriana Ancelmo. Pezão conta que negou o pedido, e isso teria sido o gatilho para o ódio. Quando chegou sua vez de ser preso, ele estava dormindo no Palácio Laranjeiras, a residência oficial, e levou um susto. Na unidade prisional de Niterói, foi conduzido a uma cela individual de 6 metros quadrados. Pôde instalar ali uma TV de 18 polegadas e dois ventiladores. Só conseguia dormir à base de remédios (ele toma sete por dia, a maioria prescrita após o câncer, um linfoma agressivo que teve em 2016). Alimentava-se de quentinhas preparadas pela mulher, que o visitava três vezes por semana, e lia livros sobre espiritismo, doutrina que abraçou no cárcere. Pezão fez o Enem para a faculdade de geografia e aguarda o resultado. Por ora, vai se concentrar na construção de sua defesa. Não será fácil. Pezão continua a negar o que todo mundo já percebeu.

Publicado em VEJA de 19 de fevereiro de 2020, edição nº 2674

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