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APURAÇÃO DAS ELEIÇÕES 2024

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‘Defendo um Plano Safra para a indústria’, diz presidente da Fiesp

Josué Gomes da Silva afirma que a democracia saiu revigorada da eleição, elogia medidas econômicas do governo Lula e aposta em um novo ciclo de crescimento

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 10h24 - Publicado em 6 out 2023, 06h00

Tido como discreto e moderado, o empresário Josué Gomes da Silva, de 60 anos, viu sua rotina virar do avesso quando resolveu, em meio à eleição presidencial de 2022, firmar posição e assinar, em nome da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), um manifesto em defesa da democracia. A decisão colocou o recém-empossado mandatário da entidade em rota de colisão com um grupo de apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro, que questionava a lisura das urnas eletrônicas. Em meio ao imbróglio, Gomes foi convidado pelo vencedor do pleito, Luiz Inácio Lula da Silva, para assumir um ministério. Recusou sob o argumento de que precisava se defender das acusações dos oponentes, que pediam a sua destituição da entidade. A duras penas, seguiu no cargo — seu mandato vai até 2025. Em entrevista a VEJA, concedida no icônico edifício que abriga a Fiesp, na Avenida Paulista, em São Paulo, o empresário, que é dono da companhia têxtil Coteminas, conta como superou o episódio, aponta os caminhos para a reindustrialização e diz que o país recuperou o prestígio global com o novo presidente. Acompanhe os principais trechos a seguir.

Que avaliação o senhor faz do governo Lula? Recentemente, promovemos um encontro em Nova York com várias autoridades brasileiras e investidores. O objetivo era reunir quinze grandes CEOs de empresas e dos maiores fundos de investimento globais. Tivemos tantos pedidos que o número final chegou a 21, e isso em um domingo à noite. O que vi, de certa maneira, foi um retrato do Brasil com as relações normalizadas e os poderes harmonizados. Transmitimos a imagem de um país em que as instituições são robustas, que passaram por um teste de fogo e mostraram a sua força.

O que ouviu nesse evento? De forma geral, estavam com uma pontinha de inveja de ver representantes dos três poderes brasileiros juntos. Disseram que, nos Estados Unidos, seria impossível ver algo semelhante com o presidente Joe Biden, o Kevin McCarthy (então presidente da Câmara) e o John Roberts (presidente da Suprema Corte). O Brasil tem hoje uma oportunidade enorme. Ele é parte fundamental do desafio das mudanças climáticas. Temos uma biomassa incomparável, potencial de energia solar e de energia eólica admirável. Não podemos perder esse trem que está passando.

Qual a diferença entre o atual mandato de Lula e os outros dois? Acho que o momento do mundo. O presidente Lula é uma pessoa mais experiente, que fez dois mandatos e saiu com uma taxa de aprovação enorme. Ninguém sai com uma taxa de aprovação de 83% depois de oito anos de governo se não tivesse tido sucesso. E obviamente aquelas experiências dão a ele condições para fazer um bom mandato agora. Ele tem uma capacidade de dialogar e trazer o Brasil para uma posição de respeito internacional. É inegável que as pessoas viviam melhor naqueles primeiros oito anos de governo Lula. Então, eu defendo aqueles períodos, até porque meu pai fez parte daquele governo.

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“O Brasil tem hoje uma oportunidade enorme. Ele é parte fundamental do desafio das mudanças climáticas. Não podemos perder esse trem que está passando”

Como o senhor enxerga o trabalho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad? Ele está sendo aplaudido porque conseguiu aprovar o marco fiscal, que é um aperfeiçoamento do teto de gastos. O governo federal não estava investindo, porque o teto de gastos comprimia a capacidade do Estado. O aperfeiçoamento do marco fiscal foi uma vitória e o ministro teve um papel importante nisso.

O senhor acredita que o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vai estimular o investimento no país? Sim. O grande diferencial deste PAC é a questão institucional, eliminando entraves nas regulações que impediam a celeridade dos projetos de infraestrutura. O governo tem a visão de que o arcabouço regulatório deveria ser revisitado, simplificado e aprimorado. Isso é fundamental. Estão no caminho certo.

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Que avaliação o senhor faz da versão da reforma tributária aprovada pela Câmara dos Deputados? Temos uma proposta que foi aceita por todos os sindicatos da Fiesp. Há uma consciência no Senado de que há uma necessidade de aprimoramento em relação à proposta aprovada na Câmara, porque houve um número muito grande de exceções, de alíquotas reduzidas. E isso é ruim, porque nós podíamos ter um IVA (imposto de valor agregado, que unifica diversos impostos) com uma alíquota-base de 20% se não tivéssemos nenhuma exceção e se ele fosse aplicado de maneira uniforme a todos os segmentos. No entanto, as exceções incorporadas ao texto da Câmara foram tão numerosas que hoje se fala em um IVA em torno de 27%. Seria uma das maiores alíquotas do mundo.

Qual seria o patamar justo? O ideal seriam os 20%, mas isso é impossível. Então, a Fiesp defende e aceita uma limitação em 25% da alíquota-base.

Quais serão os impactos da reforma tributária para a indústria? O fundamental é que a reforma tributária eliminará os resíduos tributários na cadeia. Só de fazer isso, já será um passo gigantesco para ajudar a indústria de transformação a ser mais competitiva, a crescer nos mercados internacionais e a competir com os produtos importados. Atualmente, o produto brasileiro é exportado com um resíduo tributário de 9%. Significa que ele já sai do país em desvantagem em relação ao produto de outros países, que não tem o tal resíduo. Além disso, além de desonerar a exportação, a reforma desonera o investimento. E o principal de tudo é eliminar a guerra tributária, colocando o imposto no destino, e não na origem.

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O senhor poderia dar um exemplo prático do peso dos impostos na indústria? A indústria de transformação, que tem hoje 11% de participação no PIB, recolhe 30% do total de tributos brasileiros. E 45% do valor adicionado pela indústria de transformação é recolhido sob a forma de tributos. No agro, menos de 5% do valor adicionado é de tributos. Não tenho dúvidas de que é preciso mudar urgentemente esse cenário.

Na sua concepção, o agro deveria ser mais tributado? Eu não acho que o agro deveria ser mais tributado, mas que a indústria deveria ser menos tributada. Até porque o agro deu certo. Eu tenho que aplaudir o que eles estão fazendo e tenho que tentar buscar as mesmas condições que eles têm. Se nos derem condições semelhantes, a indústria de transformação brasileira também surpreenderá. A indústria foi excessivamente tributada por ser um setor mais formal, mais fácil de ser identificado. Então, era mais fácil tributar os bens industriais.

O que poderia ser feito para estimular a indústria? O agro tem o Plano Safra, que neste ano será recorde, com 440 bilhões de reais distribuídos aos produtores com um subsídio explícito. Eu defendo um Plano Safra para a indústria, um plano de produção. É uma forma retórica de dizer o seguinte: nos ofereçam as mesmas condições.

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O senhor acha que o Banco Central demorou para iniciar o ciclo de cortes dos juros? Nós fizemos na Fiesp um grupo de trabalho juntamente com a Febraban e com o próprio Banco Central para discutir todas as razões que levam o Brasil a ter taxa de juros e spread bancário tão altos. Existem razões concretas para essas questões. Obviamente, o que é muito abordado é o tema da questão fiscal, que acaba pesando mais ou menos na definição das taxas de juros. Mas é preciso lembrar que a principal rubrica da despesa pública são justamente os juros, que elevam a dívida de maneira insustentável.

Portanto, o senhor acredita que Banco Central errou? Acho que o Banco Central manteve a Selic num patamar elevadíssimo por um período muito longo, mas agora nem cabe mais essa discussão. Nós estamos discutindo algo circunstancial, quando deveríamos estar em busca das razões para isso estar prevalecendo no Brasil há algum tempo. Nós precisamos encontrar uma saída para os juros. A verdade é que o Brasil não pode conviver com juros de tal magnitude. Essa é uma das principais razões para a indústria ter sofrido nos últimos anos. Ela foi excessivamente tributada. Sem dúvida, mais do que outros setores.

A Fiesp publicou, em agosto de 2022, uma carta em defesa da democracia, mas o documento enfureceu apoiadores do então presidente Bolsonaro. O que houve? Como estava sendo discutido com outras entidades, o texto de apoio à democracia não foi objeto de aprovação pela diretoria da Fiesp. A versão final assinada pela entidade, e que acabou sendo divulgada, foi interpretada por alguns como uma decisão político-partidária. Mas não era. Era um texto que defendia um valor que, para mim, é absolutamente fundamental: a democracia.

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“O agro tem o Plano Safra. Eu defendo um Plano Safra para a indústria, um plano de produção. É uma forma retórica de dizer que queremos as mesmas condições”

De que forma a repercussão do texto afetou seu trabalho na Fiesp? Como a maior parte da entidade tinha uma visão de apoio à candidatura do ex-­presidente Jair Bolsonaro, eu acho que aquilo foi o estopim de outras insatisfações que talvez tenham se acumulado pelo meu estilo de gestão. Bem ou mal, as pessoas não são iguais. Cada um tem o seu estilo, o seu modo de trabalhar.

Como o senhor contornou a tentativa de destituição? Com paciência, prudência e conversando com as partes. Quando os envolvidos têm o bom senso de sentar a uma mesa para dialogar, as coisas se resolvem. Acredito que as partes envolvidas enxergaram que aquilo estava fazendo mal para a entidade.

A Fiesp ficou marcada por incentivar as manifestações que culminaram no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. Hoje, como a entidade vê esse tipo de campanha? A principal campanha da Fiesp hoje em dia é pela reforma tributária. Esperamos que ela seja aprovada. Também estamos trabalhando na questão dos juros. Fizemos um grande grupo de trabalho junto com a Febraban e o Banco Central para identificar as causas que levam os juros reais do Brasil a patamares mais altos que no resto do mundo. E temos um conjunto de ações visando à educação pública, com o Sesi e o Senai.

O senhor disse que fica na Fiesp até o fim do seu mandato, em 2025. Há algum plano em vista para depois dessa data? Não cogito esse tipo de coisa. Primeiro porque isso é futuro, e o futuro não depende só de você. Tenho muita atividade na minha vida privada. Não tenho por que ficar fazendo esse tipo de consideração. Agora, eu acredito que, se o Brasil souber aproveitar as oportunidades, teremos muitas décadas de prosperidade e de melhoria das condições sociais do país.

Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2023, edição nº 2862

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