O mundo está de olho nas eleições presidenciais nos Estados Unidos, marcadas para o dia 3 de novembro. Alguns países, contudo, vão acompanhar a disputa entre o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden mais de perto que outros. Vários líderes dependem do sucesso do atual presidente americano, que, durante seu primeiro mandato, construiu alianças insólitas.
“Os relacionamentos que tenho são engraçados”, disse Trump. “Quanto mais fortes e cruéis [os líderes], melhor eu me dou com eles. As pessoas fáceis de lidar são aquelas que eu talvez não goste tanto ou com quem não me dou muito bem”, completou, em depoimento dado ao jornalista Bob Woodward, do The Washington Post, para o livro “Rage“, sobre a presidência do bilionário.
Adepto da “política de personalidade”, Trump se aproximou políticos nos quais ele vê um pouco de si mesmo: populistas e nacionalistas que se dedicam ao fortalecimento do próprio poder. O americano não apenas apresenta disposição para ignorar suas tendências anti-globalizantes e liberais, mas também aplaudi-las.
1. Viktor Orbán
O Fidesz, o partido de extrema direita do primeiro-ministro da Hungria, se esforçou muito para causar uma boa impressão na Casa Branca, e Orbán se vê como um precursor de Trump. “Temos um relacionamento excepcionalmente”, disse Orbán, que acredita piamente na vitória do republicano em novembro.
O premiê húngaro é um defensor da “democracia iliberal”, menosprezando o estado de direito, as instituições e a liberdade de imprensa. Embora suas tendências autocráticas tenham afastado países europeus, o presidente americano é seu entusiasta.
“Viktor Orbán fez um trabalho tremendo de muitas maneiras diferentes”, disse Trump durante a visita do húngaro a Washington, no ano passado. “[Ele é] respeitado em toda a Europa. Provavelmente, como eu, um pouco controverso, mas tudo bem. Você fez um bom trabalho e manteve seu país seguro.”
Ao contrário das administrações anteriores, que rejeitaram relações com a Hungria por causa das represões, Trump abandonou um programa de 700.000 dólares para apoiar a mídia húngara independente e não interveio quando Orbán tentou expulsar a Universidade da Europa Central, instituição credenciada pelos Estados Unidos e fundada pelo filantropo húngaro-americano George Soros.
Para Orbán, a defesa dos direitos humanos e dos valores democráticos, caros aos vizinhos da Europa Ocidental, são uma ameaça para seu governo. Ter uma figura simpática em Washington é, portanto crucial.
2. Narendra Modi
O premiê da Índia e Trump compartilham interesses, como segurança, defesa e preocupações com a ascensão da China. Além disso, têm estilos de liderança similares: com talento para exibicionismo político, os dois tentam silenciar críticas, seja da imprensa ou de manifestantes, e utilizaram o nacionalismo para atiçar suas bases.
Modi não era bem-quisto nos Estados Unidos, barrado de tirar um visto americano pelo governo Bush devido à repressão violenta de protestos em seu estado natal de Gujarat, onde atuava como ministro-chefe. Apesar de ter desenvolvido uma certa amizade com o presidente Barack Obama, este era expressivo nas críticas em relação às divisões entre hindus e muçulmanos da Índia.
Trump, no entanto, ignorou sua agenda nacionalista hindu, sem fazer nenhum comentário sobre confrontos mortais em Nova Delhi quando visitou o país em fevereiro. O líder americano também ignorou a decisão de Modi de revogar a autonomia constitucional de Jammu e Caxemira, e a mudança nas leis de cidadania da Índia para excluir muçulmanos dos países vizinhos.
3. Rodrigo Duterte
Anteriormente, Obama condenou o presidente filipino pelos milhares de assassinatos extrajudiciais resultantes de sua “guerra às drogas”. Trump, entretanto, o aplaudiu. “Quero parabenizá-lo porque estou ouvindo muito sobre seu trabalho inacreditável no problema das drogas”, disse, durante um telefonema a Duterte em 2017. “Muitos países têm esse problema, nós temos um problema, mas que ótimo trabalho você está fazendo e eu só queria ligar e dizer isso.”
Os líderes compartilham um estilo populista de política e um desdém pela mídia. Duterte, ecoando Trump, diz que os jornalistas que o criticam só publicam “fake news”, e chegou até a ameaçar com violência contra eles.
Até mesmo quando Duterte decidiu rescindir o Acordo de Forças Visitantes, que permitia que o Exército americano treinasse no país, Trump foi conivente. O presidente das Filipinas elogiou Trump por sua aceitação, acrescentando que ele “merece ser reeleito”. (Desde então, o acordo já foi reinstituído.)
4. Benjamin Netanyahu
Talvez ninguém tenha tanta vantagem com uma vitória de Trump quanto o primeiro-ministro de Israel. Netanyahu, que tinha um relacionamento difícil com o presidente Barack Obama, disse que Trump era “o maior amigo” que Israel já teve na Casa Branca.
Trump deu uma série de presentes diplomáticos ao israelense. Em primeiro lugar, reconheceu Jerusalém, disputada entre povos de origem muçulmana e judaica, como a capital de Israel. Depois, saiu do acordo nuclear de Obama com o Irã, de maioria muçulmana e inimigo de Israel. Por último, criou um plano para solucionar o conflito no Oriente Médio, que favorece fortemente Israel em relação aos palestinos.
Mais recentemente, a Casa Branca também intermediou o estabelecimento de laços diplomáticos entre Israel e os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein – aproximação sem precedentes entre o Estado Judeu e países muçulmanos.
5. Boris Johnson
O estilo do primeiro-ministro do Reino Unido, assim como suas tendências populistas, faz com que ele e Donald Trump sejam frequentemente comparados. Os dois não só se aproximaram politicamente, mas também estabeleceram uma relação amigável: o americano chamou o líder britânico de uma “grande pessoa”.
Fora isso, o entusiasmo de Trump pelo Brexit ajudou Boris Johnson a fazer campanha em cima de um acordo comercial rápido com os Estados Unidos, agora que o Reino Unido deixou a União Europeia. Kim Darroch, ex-embaixador britânico em Washington, disse recentemente que Johnson provavelmente seria o “melhor amigo de Trump na Europa” se o presidente for reeleito.
6. Vladimir Putin
Este é um caso mais complexo.
Quando Trump venceu em 2016, legisladores russos estouraram champanhe. Quatro anos depois, a relação entre Rússia e Estados Unidos é tóxica como sempre, além das sanções extra que os americanos impuseram depois de abandonar alguns tratados de controle de armas – que Moscou agora deseja renegociar.
Ainda assim, Trump tem sido bom para o presidente Vladimir Putin em um sentido mais geral. A visão sobre política internacional do atual líder americano é mais sobre comércio do que sobre valores, defendendo que os Estados Unidos não devem ter o papel de polícia global. Isso se alinha com a visão de Putin de um mundo multipolar, com o poder americano reduzido. Se Trump perder, Putin terá que lidar com Joe Biden, um presidente internacionalista tradicional.
7. Jair Bolsonaro
Os apelos de Bolsonaro a Trump começaram durante sua campanha presidencial em 2018, imitando o desacato ao politicamente correto do americano, assim como seu desprezo pelo sistema. Como o atual líder dos Estados Unidos, ele emitiu declarações controversas sobre mulheres e minorias, atacou cientistas, atrelou críticas às “fake news” e apoiou teorias da conspiração.
Tal é a conexão entre os chefes de Estado que Bolsonaro ganhou o apelido de “Trump dos Trópicos” e adotou sua própria versão do slogan “America First” (“Estados Unidos em primeiro lugar” de Trump: “Brasil acima de tudo”.
O relacionamento ainda não produziu benefícios concretos para o Brasil (a promessa de aumento do comércio, por exemplo, não se concretizou). Estreitar os laços, contudo, permitiu que Bolsonaro surfasse na onda da opinião pública pela renovada aliança.
Trump tornou-se ativo chave para a política presidencial dentro e fora do país. Além de atiçar sua base eleitoral com a amizade, Bolsonaro também pôde contar com o apoio do americano durante os incêndios na Amazônia no ano passado. A gestão da crise ambiental pelo presidente levou vários líderes mundiais, como a alemã Angela Merkel e o francês Emmanuel Macron, a expressar preocupação. Contudo, Trump salvou Bolsonaro como um cavaleiro de armadura do ostracismo público. Muito improvável seria se Biden fosse ao seu resgate.