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Dormiu, mas está acordando: como Nova York sai da quarentena

Como conciliar a incomparável efervescência da cidade que nunca para com a rotina cercada de cuidados imposta pelo mundo pós-pandemia?

Por Felipe Carneiro, de Nova York
Atualizado em 19 jun 2020, 12h16 - Publicado em 19 jun 2020, 06h00

Nenhuma metrópole sentiu tanto o efeito da pandemia quanto Nova York. A cidade que nunca dormia se trancou em casa dia e noite, o fervilhante metrô e os táxis e carros que atravancam as ruas se esvaziaram, os aviões que despejam turistas incessantemente pararam de pousar nos aeroportos, e Manhattan, centro financeiro do mundo, ficou às moscas. Enquanto isso, a epidemia grassava: houve registro de 22 000 mortes entre março e maio, um tétrico recorde mundial. Depois de tanto dissabor, é claro que o primeiro fim de semana de relaxamento da quarentena foi uma festa. Aliás, muitas festas, ao ar livre e com dez pessoas no máximo reunidas, usando máscaras e mantendo a distância posta pela cartilha de combate ao vírus. Ao longo do sábado e do domingo ensolarados, pequenos grupos celebravam aniversários e reencontros no Central Park, em Manhattan, ao som de músicos amadores nos gramados.

Ao entardecer, na frente dos bares (dentro ainda não pode), a animação baixou as máscaras na altura do queixo das pessoas, de modo a brindar o fim do isolamento. Na cidade de maior densidade populacional dos Estados Unidos, cerca de 50 quilômetros de ruas e avenidas foram transformados em calçadões para pedestres, dando um ar de festival à selva de pedras conhecida pelo trânsito frenético e o vaivém de gente apressada. Em alguns pontos, grupos se excederam nas comemorações e levaram um puxão de orelha do governador Andrew Cuomo. “Os casos estão aumentando em 22 estados. Não queremos passar por essa situação deplorável”, disse ele em uma de suas lives habituais, avisando que reimpor o isolamento social em áreas, digamos, rebeldes é “uma possibilidade muito séria”.

AGORA É ASSIM - Mudanças na rotina: cada um no seu redondo no Domino Park, no Brooklyn, e higienização com cheirinho de limão no metrô (abaixo) (Vanessa Carvalho/Brazil Photo Press/Patrick Cashin/.)

Na segunda-feira 8, entre 200 000 e 400 000 pessoas voltaram ao trabalho em Nova York. Os nova-iorquinos ainda estão testando a nova rotina, na qual restaurantes oferecem pratos para entrega na calçada, bares instalaram torneiras de chope e serviços de coquetelaria em um balcão na fachada e as sapatarias colocaram cadeiras do lado de fora para clientes poderem expe­rimen­tar seus produtos. Apesar das derrapadas — e dos protestos antirracismo, que não cessam e viraram um foco preocupante de possível contaminação —, a população está obedecendo às regras. “Os últimos meses foram muito angustiantes e ninguém quer passar por aquilo de novo”, disse a VEJA a aniversariante Kelly Sand­berg, que, de coroa e tudo, celebrava com amigas no Central Park.

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O plano de reabertura de Nova York foi desenhado pelo governo estadual em quatro fases, e cada região progride ou regride no cronograma de acordo com uma série de parâmetros medidos diariamente. A cidade está na fase 1, que autoriza a volta ao trabalho na construção civil, nas fábricas e em toda a cadeia de suprimentos onde não há contato direto com o público. No varejo de rua, o atendimento restrito a balcões na porta de entrada levou muitas lojas a adiar a reabertura, e as vendas das que abriram refletem as limitações. “Poucos clientes querem comprar sem poder entrar, circular pelas araras e experimentar”, admite Mark Sullivan, dono de uma loja de roupas femininas em Manhattan.

Passados os primeiros quinze dias, o governo fará uma reavaliação do número de infecções. Mas, empolgado com o bom andamento da reabertura, o prefeito Bill de Blasio afirmou na quinta-feira 18 que a cidade já pode avançar para a fase 2 na segunda 22, com a liberação do retorno aos escritórios, salões de beleza, áreas ao ar livre de restaurantes e reabertura de templos religiosos com no máximo 25% de lotação. Para as fases 3 e 4, as normas são menos específicas por enquanto. Prevê-se que na terceira etapa a chamada indústria de hospitalidade — hotéis, restaurantes, bares e academias de ginástica — volte à ativa, com bem menos gente. A última fase contempla os locais de maior concentração, aí incluídos os teatros e cinemas, as escolas e os shopping centers. Os produtores da Broadway estão reembolsando ingressos para espetáculos até 6 de setembro. É certo que muitos assentos terão de ficar vazios, o que deve inflacionar preços — como já acontece com as passagens de avião. Na mesma situação estão as casas de concerto e os museus, entre eles o Metropolitan, que precisou adiar o ano inteiro de festejos que planejara para seus 150 anos, completados em 13 de abril. Quando reabrir, o Met receberá um quinto da média diária de 20 000 visitantes.

EMPOLGAÇÃO - Aglomeração em frente a bar: pito e ameaça de retrocesso do governador (Jeenah Moon/Reuters)

Aos poucos, Nova York vai se adaptando à nova realidade. O centenário metrô, célebre pela população de ratos na casa dos milhões e pelo mau cheiro permanente, agora para de madrugada para ser desinfetado com um produto cheiroso à base de limão e cloro, para a agradável surpresa dos ainda poucos passageiros, aos quais funcionários oferecem máscaras descartáveis e frascos de álcool em gel. Difícil vai ser fazer valer o limite de 50% de ocupação nos vagões quando todos os negócios reabrirem. “Por enquanto, não precisamos intervir. Mas não sei como vamos barrar a entrada em trens cheios nas principais estações”, diz o agente John Garrido.

As incertezas sobre o futuro da metrópole são muitas e diversas, mas uma toca na alma da cidade: o que será dos escritórios que ocupam os arranha-céus nova-iorquinos, em vista da bem-sucedida experiência de home office em setores-chave, como o financeiro e o de tecnologia? A Amazon adqui­riu em março, por 1 bilhão de dólares, um prédio na Quinta Avenida que, já avisou, só abrirá as portas em 2021 — e para quem quiser sair de casa. O Facebook, locatário de 200 000 metros quadrados em Manhattan pouco antes da pandemia, também liberou a opção de trabalho a distância. A debandada significaria menos gente circulando diariamente pelo centro de Nova York, com um esperado e temido efeito cascata no faturamento dos teatros, restaurantes, casas de show e pequenos negócios que fazem a Grande Maçã brilhar. Seria o fim de Nova York tal qual a conhecemos?

Publicado em VEJA de 24 de junho de 2020, edição nº 2692

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