Como os conspiracionistas do QAnon acompanharam a posse de Biden
Movimento conspiratório de extrema-direita previa um evento dramático nesta quarta-feira, 20
Seguidores do QAnon, popular teoria da conspiração nas redes sociais entre apoiadores do ex-presidente Donald Trump, passaram semanas antecipando que esta quarta-feira, 20, seria o “Grande Despertar” — um dia, há muito previsto na profecia do grupo, em que os democratas do alto escalão seriam presos por comandar uma rede global de tráfico sexual. Assim, Trump iniciaria um segundo mandato.
Mas quando o presidente Joe Biden assumiu o cargo nesta tarde e Trump desembarcou na Flórida, onde se isolou para não participar da cerimônia de posse de seu sucessor, nenhuma prisão em massa aconteceu.
Ainda assim, alguns adeptos tentaram harmonizar suas falácias com a posse, refazendo suas teorias para acomodar uma transferência de poder para Biden. Vários grandes grupos ligados ao QAnon discutiram a possibilidade de que eles estivessem errados sobre Biden e que o novo presidente fosse, na verdade, parte do esforço de Trump para derrubar a conspiração global.
“Quanto mais eu penso sobre isso, acho que é muito possível que Biden seja quem puxa o gatilho”, escreveu uma conta em um canal QAnon no aplicativo de mensagens Telegram.
Outros expressaram raiva dos influenciadores da QAnon, que disseram para esperar um culminar dramático no Dia da Posse.
“Muitos jornalistas do YouTube acabaram de perder muita credibilidade”, escreveu um comentarista em uma sala de bate-papo do QAnon, em referências a canais autointitulados jornalísticos usados para disseminar as mensagens infundadas.
Outros ainda tentaram mudar as metas e simplesmente disseram a seus colegas para aguentar e esperar por desenvolvimentos futuros não especificados. “Não se preocupe com o que acontecerá às 12h”, escreveu um influenciador do QAnon, citando o horário da posse. “Veja o que acontece depois disso”.
E alguns pareceram perceber que foram iludidos. “Acabou”, escreveu um participante da sala de bate-papo da QAnon, logo após a posse de Biden. “Nós fomos enganados”, escreveu outro.
Desde seu nascimento, o QAnon passou por uma evolução surpreendente, a ponto de alguns se referirem a ele no contexto não de uma teoria da conspiração de extrema-direita, mas de uma nova religião. O presidente Trump e sua recusa repetida em condenar a teoria da conspiração contribuíram para a consolidação do movimento, ampliando os influenciadores da QAnon ao republicá-los nas redes sociais e promovendo candidatos ao Congresso como Marjorie Taylor Greene, que apoiou abertamente o QAnon.
À medida que os resultados da eleição pareciam cada vez mais desfavoráveis a Trump, muitos se perguntavam se os apoiadores do QAnon, cuja crença é baseada na ideia de que Trump permanecerá no cargo para destruir os males da esquerda, finalmente ficariam desiludidos. Mas parece ter acontecido exatamente o oposto, em grande parte graças ao próprio Trump, que promoveu repetidamente e com firmeza a ideia de que a eleição foi ilegítima.
Seguidores que esperavam a orientação de “Q”, pseudônimo cujas postagens impulsionam o movimento, certamente ficarão desapontados. A conta ficou em silêncio por semanas e não foi movimentada nesta quarta-feira.
Ron Watkins, um importante impulsionador do QAnon que alguns suspeitavam ser ele próprio “Q”, postou uma nota de demissão em seu canal do Telegram na tarde de quarta-feira.
“Temos um novo presidente empossado e é nossa responsabilidade como cidadãos respeitar a Constituição”, escreveu ele. “Ao entrarmos na próxima administração, por favor, lembre-se de todos os amigos e lembranças felizes que fizemos juntos nos últimos anos.”