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“Aos 12 anos, fui uma criança soldado”

Mapeamento da Chield Soldier mostra 46 países fora do protocolo que impede a convocação de menores de 28 anos; meninas recrutadas são violadas

Por Thais Lazzeri
Atualizado em 20 jun 2018, 18h15 - Publicado em 17 jun 2018, 10h00

Ao longo de 2004, o congolês Basimise Shabani Thierry foi obrigado a carregar uma arma. Tinha apenas 12 anos de idade. Liderado pelo então coronel Abdoul Panda, Thierry serviu em Lubarika como chefe da escolta do grupo Mai-Mai (miliciano, em tradução livre), um dos que surgiram depois da eclosão da guerra civil de 1997 na República Democrática do Congo.

“Apaguei das minhas memórias os eventos horríveis que vivi” escreveu Thierry, em francês, à VEJA

Graças aos esforços de organizações internacionais e do próprio do Congo, Shabani e outras 14 crianças foram libertadas depois de um ano em conflito.

Um mapeamento inédito feito pela organização internacional Child Soldiers Internacional (Crianças Soldado) mostrou que 46 dos 197 países-membros das Nações Unidas que ratificaram o Protocolo da Convenção sobre os Direitos da Criança (OPAC) continuam recrutando menores de 18 anos para conflitos armados. Em suas tropas, há crianças soldados.

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O protocolo, facultativo, estabelece que nenhuma pessoa com menos de 18 anos seja recrutada por Forças Armadas ou grupos milicianos. A legislação internacional, além disso, prevê que menores de 15 não sejam recrutados.

“Existe uma diferença  entre essa visão e a lei internacional existente”, afirmou David Rosen, professor de Sociologia e Antropologia da Universidade Fairleigh Dickinson, nos EUA. Por isso, potências mundiais, como Estados Unidos e Alemanha, estão na lista das que permitem a entrada de menores nas suas Forças Armadas – ainda que a entrada em combate esteja limitada a 18 anos.

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“Essas objeções baseiam-se menos nas preocupações sobre o dano potencial a esses soldados do que na crença de que o Ocidente deveria servir como um modelo para a supressão do recrutamento infantil em outras partes do mundo.”

Apesar de não existir uma estimativa oficial, entidades afirmam que dezenas de milhares de crianças são exploradas em conflitos. Com exceção Myanmar, diz Rosen, as crianças são predominantemente recrutadas por grupos armados – como rebeldes, milícias, terroristas, dentre outros – na África, no Oriente Médio e no Sudeste Asiático. 

“O recrutamento de crianças acompanhou os padrões de rebelião e de revolta em todo o mundo”, afirma o especialista.

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Desde a adoção do OPAC, em 2000, mais de 115 mil crianças soldado foram libertadas. O próprio Thierry participa agora dessa força-tarefa. Junto de outras ex-crianças soldados, criou a Associação Juventude para o Desenvolvimento da Comunidade no Congo, em 2010, entidade dedicada ao desarmamento, desmobilização e reintegração de crianças afetadas.

“Nos comprometemos a defender, promover e proteger todas as crianças. O maior legado para a minha comunidade (Lubarika) foi o acolhimento que fizemos às crianças soldados no processo de consolidação da paz.”  

Meninas soldados

 Cerca de 40% das crianças soldados são meninas. A maioria sofre violência sexual. Se conseguem fugir, podem enfrentar o preconceito da família por terem sido violentadas. E, para elas, a assistência é ainda mais difícil, mostrou uma pesquisa feita pela Child Soldiers com meninas no Congo.

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Ex-meninas soldados assistem aula na República Democrática do Congo: estupro e rejeição no retorno ao lar. (Child Soldiers International/Divulgação)

Mesmo as equipes de acolhimento reconheceram não saber lidar com as garotas. Anourite foi uma das que aceitou falar com a Child Soldiers.  Raptada por uma milícia aos 8 anos de idade e mantida refém por quatro anos, ela contou que o trabalho dela era carregar bebês e equipamentos.

Apanhava sempre, mas as surras eram piores quando dizia ter saudades de casa. “Então, parei de chorar”. Ela foi atingida por uma bala durante um conflito. Perdeu uma parte da perna e, portanto, sua serventia para os milicianos. Voltou para casa e, desde então, nunca recebeu nenhum tipo de acolhimento, nem mesmo médico. Anourite vive hoje longe da escola e caminha com uma espécie de prótese feita de madeira e arame improvisada por seu pai.

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Crianças e jovens em condições mais vulneráveis são os alvos preferenciais de governos, regimes e grupos armados. A guerra é apresentada como ato de heroísmo, no “marketing militar”. Não raro, associam-se filmes de aventura e ação para convencer os menores a aderirem. O mesmo é repassado aos responsáveis legais.

Por isso, o Fundo das Nacões Unidas para a Infância (UNICEF) e a Child Soldiers International uniram esforços para pressionar os 30 países que ainda não assinaram o OPAC a ratificá-lo.

“Esse é o maior esforço, mas nem todos no mundo concordam que as pessoas com menos de 18 anos são crianças. Os grupos rebeldes dependem muito do recrutamento de adolescentes. Às vezes, as crianças se juntam aos exércitos para sua própria proteção e segurança. Então, é um problema complicado sem solução simples”, afirma Rose.

 

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