Muito além do guacamole
O avocado, da família dos abacates, faz tanto sucesso no mundo que desencadeou uma guerra entre traficantes e plantadores no México, seu maior produtor
Desde que o cacau e o café foram apresentados à Europa não se via uma fruta causar tanto rebuliço quanto o avocado. Primo do abacate, só que menor e de casca mais escura, o avocado vem experimentando nos últimos cinco anos uma enorme expansão no mundo todo, inclusive no Brasil — e, junto com ela, uma explosão nos preços. O comércio tornou-se tão lucrativo que no México, disparado o maior produtor mundial, os cartéis de drogas abocanharam parte da produção, o que vem colocando os comensais nos restaurantes chiques da Europa e dos Estados Unidos diante de um dilema: comer ou não o que pode ser um “avocado de sangue”, referência aos “diamantes de sangue”, roubados e revendidos por criminosos na África.
A maior prova da popularidade do avocado, mais significativa até que os números de colheita e de exportação, está na sua exposição na internet. Só no Instagram existem 10 milhões de fotos postadas com a hashtag #avocado, sem contar outras variações, como #avocado-toast, #avocadosalad, #avocadooil. Rico em nutrientes e, por isso mesmo, estrela tanto da culinária saudável quanto da indústria da beleza, o abacate está tão em alta que a produção quase dobrou em uma década: foi de 3,5 milhões de toneladas para 5,9 milhões, segundo dados da FAO, o braço da ONU para a alimentação e a agricultura. Outro resultado inevitável foi a disparada dos preços.
Nos mercados do eixo Rio-São Paulo, o quilo do avocado passa fácil dos 50 reais. Mesmo assim, seu prestígio continua elevado entre os adeptos do velho e bom guacamole e também das muitas variações culinárias somadas ao cardápio, como salada de avocado, sushi de avocado, espaguete com avocado e, claro, avocado toast, a torrada mais pop do momento, elogiada por Gisele Bündchen em seu blog. Dele também se extrai óleo para cozinhar. No ramo da beleza, fazem sucesso os xampus, condicionadores e máscaras que têm a fruta como ingrediente.
O México detém um terço da produção mundial (o segundo lugar é da República Dominicana, seguida por Peru, Indonésia e Colômbia). Na balança comercial do México, o avocado é muito mais lucrativo que o petróleo. O Brasil, embora seja o oitavo maior produtor de abacate do mundo, ainda engatinha na colheita do primo mais miudinho. Foram cerca de 3 000 toneladas em 2018, contra mais de 1,9 milhão no México e 600 000 na República Dominicana. Do México partem 85% da fruta consumida nos EUA, um faturamento, só aí, de 2,5 bilhões de dólares no ano passado.
A principal área de cultivo mexicana, o Estado de Michoacán, está fincada em uma região dominada pelo narcotráfico, e sua rica terra vulcânica virou palco de acirrada disputa entre grupos criminosos rivais, que expulsam agricultores e tomam conta de plantações, além de extorquir empresas e sequestrar proprietários de terras em troca de resgate. De acordo com as estatísticas do governo, entre 2006 e 2015 foram registrados 8 258 assassinatos na região. Em retaliação, grupos de produtores criaram milícias autônomas que patrulham as áreas plantadas 24 horas por dia, em caminhonetes blindadas, e montaram postos de controle na entrada da cidade de Tancítaro, autoproclamada capital mundial do avocado. Lá, o patrulhamento divide-se entre as autodefensas, voluntários armados que guardam os carregamentos, e as Forças Especiais, formadas por paramilitares contratados pela associação dos plantadores. A polícia tem papel coadjuvante na segurança local.
Além dos problemas trazidos pelo “avocado de sangue”, a expansão das intermináveis fileiras uniformes de abacateiros provocou o desmatamento das florestas de pinheiros nativas do México. Houve, também, impacto ambiental, pois a fruta requer muita água — são necessários 600 litros para produzir 1 quilo. “O abacateiro consome cinco vezes mais água do que um pinheiro”, diz o biólogo Arturo Chacón Torres, fundador da Academia Mexicana de Impacto Ambiental, que emitiu um alerta sobre a expansão dos pomares em regiões próximas aos lagos mexicanos. Nenhum desses sobressaltos, porém, dá mostras de frear o gosto mundial pelo avocado: a previsão é que a demanda global cresça uns 50% até 2030.
Publicado em VEJA de 20 de março de 2019, edição nº 2626
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