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Série da Netflix humaniza Neymar e expõe obsessão do pai com imagem

'O Caos Perfeito' apresenta um protagonista complexo, atormentado por lesões e outros conflitos, como a relação com o pai-empresário

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 26 jan 2022, 12h29
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  • Neymar Jr. é um personagem sui generis, amado e odiado quase na mesma medida, uma estrela desde a adolescência e em eterno conflito entre sua inegável genialidade em campo e o fato de jamais ter conseguido atingir o ápice de seu potencial. A série O Caos Perfeito, que estreou na Netflix, na última terça-feira 25, cumpre bom papel ao abrir parte da intimidade do maior craque brasileiro de sua geração (o único, na verdade, o que lhe impõe ainda mais pressão) e ajuda a compreender seus anseios. O destaque da série dirigida por David Charles Rodriques e com produção executiva de LeBron James, é a relação conflituosa do atacante do PSG com o pai e empresário, Neymar da Silva Santos, que, em certos momentos, parece o próprio protagonista da obra.

    A série dá novos contornos ao que já se sabia: Neymar Pai, um ex-jogador de pouco sucesso e carreira abreviada por um acidente de carro, projeta no filho, desde sua infância, uma segunda chance de estrelato no futebol. A todo momento, se vangloria da “gestão” (um dos termos que repete à exaustão durante os três episódios) do talento do filho, sempre colocando os milhões de reais, dólares ou euros à frente dos gols, troféus e gestos de carinho. Em contrapartida, a mãe Nadine e os amigos, os populares “parças”, como Bruno Rezende, o capitão da seleção de vôlei, aparecem como uma espécie de refúgio espiritual.

    “Não é uma gestão fácil. Hoje estamos lidando com uma marca e estamos preparando essa marca pra quando ele parar. Nós temos um negócio muito grande ali se a gente souber fazer”, diz Neymar Pai, em um dos trechos. “Não posso desistir dele, porque se eu fizer isso, ele vai ser corrompido por alguma coisa, manipulado, pela inocência que ele tem. Ele pode jogar tudo que nós fizemos por água abaixo”, diz o empresário, como se ainda falasse do prodígio do Santos e não de um homem prestes a completar 30 anos.

    Chama atenção a forma fria como Neymar pai recorda o momento em que soube que o filho seria pai, aos 18 anos. “Foi a primeira gestão de crise como família, mas tivemos que ter gestão de crise como empresa. Relou a mão nela? Então vamos assumir, cuidar de filho é a coisa mais fácil do mundo, ainda mais com dinheiro”, disse sobre o nascimento de seu primeiro e único neto, Davi Lucca.

    Neymar, por sua vez, tenta a todo momento passar a imagem de alguém despreocupado com a opinião pública, que leva a carreira a sério e, nas folgas, faz questão de se divertir ao máximo. “Eu não ligo para o que os outros vão pensar de mim, do meu jeito, de como eu jogo”, diz o craque. Apesar de sua insistência em se mostrar seguro de si, o jogador deixa claro o seu ressentimento com as críticas, a ponto de ter escolhido a recordada frase do técnico Renê Simões, ainda em 2010, sobre estarmos “criando um monstro”, para abrir a série. Simões, aliás, participa da produção e não demonstra arrependimento, enquanto Neymar desabafa: “Essa frase ai me f… pra caramba!”.

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    Para uma série biográfica autorizada, o Caos Perfeito surpreende ao exibir momentos de maior tensão e constrangimento para o craque, como os memes sobre sua fama de ‘cai-cai” que marcaram a Copa do Mundo de 2018. O bastidor mais saboroso e simbólico, porém, é a recente discussão na qual Neymar deixa claro que não concorda com as atitudes do pai e critica a forma agressiva como ele trata não apenas o filho, mas também seus amigos, funcionários e seguranças. “Por isso que eu acato tudo, pra não gerar conflito”, diz Neymar, que ouve como resposta que não tem “humildade para ouvir os outros”, enquanto amigos presenciam, em silencio, o bate-boca.

    Em outra cena emblemática, Neymar se mostra entendiado ao assistir a uma apresentação em Power Point no qual o pai apresenta os planos para a empresa da família, a Neymar Sports Marketing (NR Sports). O atacante é tratado como “principal asset (ativo, em inglês) até 2026″ e posterior “sucessor” do pai, algo que o atleta rejeita de cara. “Primeiro que eu não ia querer assumir a empresa”, diz Neymar, que em nenhum momento esconde o descompasso. “Antigamente tínhamos uma relação mais de pai e filho, hoje acho que a gente se distanciou um pouco mais. A gente conversa, claro, temos uma relação incrível, mas hoje é mais profissional.”

    O descontentamento do craque é tão gritante que chega a soar roteirizado demais e permite pensar se tratar justamente de uma estratégia de “gestão de imagem”, de pintar o pai como vilão e o filho como uma vítima das pressões que o cercam. Como quase tudo na vida de Neymar, o debate acaba em memes.

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    Série da Netflix humaniza Neymar e expõe obsessão do pai com imagem
    Memes sobre a relação de Neymar com o pai se espalharam pela internet (iStockphoto/Getty Images)

    Com MSN, sem ‘Brumar’

    O Caos Perfeito exibe uma série de cenas íntimas do craque ao lado de amigos como Lucas Lima, o surfista Gabriel Medina e os amigos de infância Gil Cebola e Jota Amâncio. Estrelas dos campos, como Kylian Mbappé, David Beckham, Raí e os companheiros de trio MSN também participam com depoimentos elogiosos ao brasileiro. A saída do craque do Barcelona rumo ao PSG é destaque, com o uruguaio Luís Suárez surpreendendo ao revelar que aconselhou o amigo a não deixar o clube catalão. Lionel Messi, por sua vez, disse que nunca soube o motivo que levou o amigo ao PSG, para onde o próprio argentino acabaria se transferindo, anos depois.

    Messi participa indiretamente de uma das cenas mais saborosas da trama, na qual Neymar exibe um vídeo particular da comemoração do título da Liga dos Campeões de 2015. “Eu, Messi e Suárez cachaçados”, diverte-se o brasileiro. A série passa por algumas polêmicas pessoais do craque, como a acusação de estupro feita pela modelo Najila Trindade, arquivada por falta de provas, mas ignora completamente o único relacionamento público e duradouro de Neymar, com a atriz Bruna Marquezine. Não há sequer uma menção a “Brumar”, como o casal ficou conhecido, algo incompreensível em uma série que busca abordar toda a trajetória da estrela do futebol. A ausência de depoimento da irmã Rafaella também é intrigante.

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    Em suma, O Caos Perfeito ajuda a humanizar a imagem do atacante, atormentado especialmente pelas lesões, e passa a impressão de que Neymar se ressente de maior afeto, tanto da opinião pública (ainda que se esforce para negar), dos torcedores do PSG e da seleção brasileira e, sobretudo, do pai.

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