Messi ou Cristiano Ronaldo, Senna ou Prost, Federer ou Nadal? As comparações no esporte são deliciosamente inevitáveis e, sobretudo se os envolvidos forem contemporâneos, podem ser sustentadas com argumentos sólidos – ainda que raramente haja consenso. Nesta Olimpíada do Rio, já nasceu um novo duelo, entre brasileiros. Nas vitórias da seleção feminina de futebol, o Engenhão foi tomado pelo coro: “Ah, a Marta é melhor que Neymar”. O mesmo ocorreu nas redes sociais.
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Se fosse possível comparar homens a mulheres no esporte, Marta seria, na verdade, o Pelé do futebol feminino. Melhor jogadora da história, cinco vezes eleita Bola de Ouro, reconhecida mundialmente. O orgulho da pequena Dois Riachos, em Alagoas, é também a maior artilheira da história das seleções brasileiras com mais de 100 gols, superando os 95 de Pelé. Nunca houve no futebol entre mulheres uma perna esquerda tão letal e criativa quanto a dela (neste caso, caberia a comparação a Messi ou Maradona).
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Mas Marta jamais poderá ser Pelé ou Neymar, isso sem nem entrar na questão óbvia que envolve a disparidade física entre os gêneros (o que explica a diferença abissal dos recordes de natação ou atletismo, por exemplo). O futebol é um dos esportes mais machistas que existem, ainda mais no Brasil. Por aqui, o time de Marta e Formiga só é visto e valorizado a cada quatro anos e olhe lá. Todas as políticas de incentivo ao futebol feminino no país fracassaram, por diversos motivos, e um deles é o desinteresse popular. Você já assistiu à final da Champions League feminina? Sim, ela existe e Marta já jogou (perdeu, inclusive). A brasileira joga na Suécia e ganha bem, mas provavelmente menos que qualquer jogador titular de clube grande da Série A.
Caso conquiste a medalha de ouro inédita, ao lado de guerreiras como Cristiane, Formiga, Bia, Andressinha e outras, Marta poderá reduzir esse abismo entre homens e mulheres. Mas o ideal seria não depender do resultado, assim como ocorreu no vôlei. Com o sucesso dos homens, investiu-se no esporte e não no gênero. Hoje o Brasil é bicampeão olímpico no vôlei feminino e ninguém compara Taísa a Lucarelli. No tênis mundial, já se discute a necessidade de equiparar as premiações para homens e mulheres. No futebol, ainda mais no Brasil, isso é inimaginável, mas já será uma vitória se Marta e companhia conseguirem atrair um mínimo de investimento, como ocorre no basquete ou no handebol do Brasil. Esse prêmio valeria muito mais do que ouvir um oportunista comentário de que o futebol feminino nos emociona mais do que o masculino.
Marta, por sinal, não gosta de ouvir que é melhor que Neymar. Primeiro por manter boa relação com o atacante do Barcelona e segundo por saber que caso a medalha ou a Bola de Ouro não venham será novamente escanteada. E tambėm porque, em mais uma prova de machismo, o duelo serve mais para menosprezar Neymar (em baixa com a torcida) do que para exaltá-la. O técnico das mulheres, Vadão, também evita o tema. “Eu gostaria de ter o Neymar comigo, como o Micale e o Tite gostariam de ter a Marta. Mas não dá para comparar. E não gostamos disso porque soa como uma rivalidade que não existe. Os meninos sempre nos mandam mensagens de apoio e nós também torcemos por eles. A seleção é uma só.”
Depois da goleada contra a Suécia, Marta atendeu cerca de uma centena de fãs que a aguardavam na saída do Engenhão. Com uma simplicidade incrível, fez selfies com um por um. “Calma, vou tirar foto com todos. Mas preciso ir logo, o ônibus já vai sair”. Hoje, Marta é certamente mais humilde que Neymar. Mas também é infinitamente menos visada e cobrada. É preciso entrar no Google para saber onde ela joga (FC Rosengard). Não há registro de que tenha sido vaiada. Sua vida pessoal é um mistério. A rainha da bola não é um fenômeno compatível com seu talento por culpa nossa. Marta vale ouro para o Brasil, como Pelé e Neymar. E Formiga, Cristiane e companhia.