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Envolto em controvérsia, ‘The Birth of a Nation’ decepciona

Apontado como favorito ao Oscar, filme dirigido, produzido, escrito e protagonizado por Nate Parker fala sobre rebelião de escravos nos Estados Unidos

Por Mariane Morisawa, de Toronto
Atualizado em 12 set 2016, 20h14 - Publicado em 12 set 2016, 19h31

Que diferença fazem sete meses. No final de janeiro, Nate Parker e seu The Birth of a Nation (“O nascimento de uma nação”, na tradução livre) saíram do Sundance Festival consagrados com o prêmio do público e o Grande Prêmio do Júri e com um acordo recorde de distribuição no valor de 17,5 milhões de dólares. Foi declarado, na época, o favorito ao Oscar de 2017 – o filme fala da revolta de escravos liderada por Nat Turner no século 19, com elenco majoritariamente negro, o que em si já cairia bem um ano depois da polêmica da falta de diversidade na premiação, que transformou a hashtag #OscarsSoWhite em trending topic.

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Mas em agosto, as coisas mudaram. A imprensa começou a questionar Parker, diretor, protagonista, roteirista e produtor do longa-metragem, sobre uma acusação de estupro em 1999, quando ele tinha 19 anos e era atleta e aluno da Penn State. Uma estudante da mesma universidade acusou Parker e seu amigo Jean Celestin, que divide com o diretor o crédito da história de The Birth of a Nation, de estuprá-la quando ela estava inconsciente. Os dois foram julgados em 2001. Parker foi inocentado, enquanto Celestin foi condenado por ataque sexual – quatro anos mais tarde, foi libertado depois de um juiz da Corte Superior considerar que sua representação legal foi ineficiente.

Mesmo que Parker tenha sido inocentado, a verdade é que pairam dúvidas sobre o caso. E isso vai atrapalhar sua campanha pelo Oscar, sem dúvida – porque, afinal, trata-se de uma campanha como qualquer outra, em que a simpatia pelo artista conta pontos. Mas não deveria comprometer a apreciação do filme em si. Afinal, não são poucos os diretores de passado e atitudes duvidosas ainda assim apreciados por sua arte. Um exemplo é D.W. Griffith, que, em O Nascimento de uma Nação, de 1915, mudou a história do cinema ao mesmo tempo em que fez uma apologia da Ku Klux Klan, o movimento extremista racista que prega o assassinato de negros. Não por acaso, o filme de Nate Parker tem o mesmo nome.

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The Birth of a Nation, exibido no último fim de semana no Festival de Toronto, chega num momento de intensa discussão sobre a diversidade em Hollywood e de protesto contra o racismo e a morte de negros pelas mãos da polícia nos Estados Unidos. Em 1831, Nat Turner liderou uma rebelião de 48 horas que resultou na morte de 60 brancos e mais de 200 negros em retaliação. Sua história merecia ser contada no cinema e é fundamental que mais tramas com negros como protagonistas sejam transformadas em filmes, de preferência por cineastas negros.

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Turner (Tony Espinosa quando criança e Nate Parker na fase adulta) cresceu numa fazenda no Estado da Virgínia. Logo cedo, teve contato com a injustiça de sua condição, vendo seu pai ter de fugir depois de se defender contra os capatazes das fazendas da região. Mas também o privilégio de aprender a ler cedo, incentivado pela mulher do dono da fazenda. Quando o patriarca morre, seu filho Samuel (Armie Hammer) assume. Como brincavam quando crianças, Nat tem algum diálogo com ele, inclusive para convencê-lo a comprar (e salvar) a bela Cherry (Aja Naomi King), que futuramente se torna sua mulher e mãe de sua filha.

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Nat é autorizado a pregar para os outros escravos e recrutado para apaziguar os escravos de outras fazendas da região, depois de rumores de rebelião. E assim ele tem um choque de realidade, confrontado com o tratamento muito pior em outros lugares – numa das cenas mais impressionantes, o fazendeiro quebra os dentes de um escravo que se recusa a comer. As viagens servem como um despertar para sua própria condição. A crise econômica também faz com que Samuel comece a revelar que não é tão diferente assim dos outros donos de terras da região.

Como 12 Anos de Escravidão, de Steve McQueen, vencedor do Oscar de melhor filme em 2014, The Birth of a Nation deixa clara a relação entre escravidão e sistema econômico. O filme de Nate Parker tem uma abordagem mais tradicional. É uma produção “feita para o Oscar”. Há um problema fundamental, que é o desnível entre as várias partes do filme. Por exemplo, ele passa um tempo enorme construindo a relação de Nat com Cherry, para depois praticamente abandoná-la – na verdade, o longa se preocupa pouco com outros personagens que não Nat. Na comparação, a rebelião em si ocupa pouco tempo.

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A qualidade das cenas também é bastante desequilibrada e revela um diretor sem domínio de seu meio e até um pouco displicente. Piora quando a religião e a fé são apontadas como uma das motivações por trás da revolta do personagem principal, resultando em mensagens confusas. Cenas que envolvem espiritualidade são um bocado cafonas. Outra, com vários escravos enforcados em árvores, que remete justamente a ações de grupos extremistas racistas nos Estados Unidos até o século 20, perde força porque o diretor tentou embelezá-la com câmera lenta. Parker acerta mais quando mostra as pequenas violações sofridas pelos escravos no dia-a-dia e a ameaça constante à sua integridade física. E também na cena de batalha, que remete bastante a Coração Valente, de Mel Gibson, e na sequência final. De maneira nenhuma justifica sua eleição como um dos favoritos ao Oscar.

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