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O Brasil não está mais descolado do mundo, diz vice-presidente da Moody’s

Para Samar Maziad, reformas ajudaram o país a voltar a crescer e há avanços na frente fiscal, embora esta continue sendo a principal fragilidade

Por Juliana Elias Atualizado em 3 out 2024, 12h53 - Publicado em 3 out 2024, 08h08
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  • Samar Maziad vice-presidente e analista sênior de riscos soberanos da Moody's
    Samar Maziad: Desafios fiscais continuam, mas em outro contexto (Moody's/Divulgação)

    O anúncio de que a Moody’s, uma das principais agências de classificação de risco do mundo, elevou a nota de crédito do Brasil, pegou muita gente de surpresa, já que o país segue penando para conseguir colocar as contas no azul e convencer economistas e investidores de que será capaz de estancar o crescimento de uma dívida pública que já está entre as mais altas do mundo emergente.

    De acordo com a vice-presidente e analista sênior de riscos soberanos da Moody’s, Samar Maziad, as fragilidades fiscais continuam, de fato, existindo, e são hoje o principal empecilho para que o país possa retomar o grau de investimento perdido em 2016 – com o mais recente upgrade, o Brasil fica agora a um passo de alcançá-lo novamente.

    Isto, entretanto, explica ela, é apenas um pedaço do retrato que forma a situação de crédito de um país, que diz respeito à sua capacidade e compromisso em seguir pagando os seus credores. E um crescimento notoriamente mais robusto, amparado por um confortável colchão de reservas internacionais e inserido em um contexto global que também mudou, possibilita ver o Brasil de uma outra forma hoje.

    “Depois das várias reformas implementadas, o crescimento do país se recuperou e não está mais desalinhado do de seus pares”, disse ela em entrevista a VEJA. Ao mesmo tempo, explica, o endividamento alto deixou de ser uma distorção brasileira para se tornar nota comum em todo o mundo depois da pandemia. “O crescimento brasileiro já surpreende para cima há quatro anos, e não é possível ficar surpreso com uma coisa pelo quarto ano seguido.”

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    Veja a entrevista completa a seguir.

    A melhora da nota do Brasil acontece em um momento em que, aqui, se questiona muito a fragilidade fiscal do país. Em um economia onde a dívida pública é alta, está crescendo e os gastos seguem maiores do que a receita, o que permite dizer que a situação de crédito está melhor?

    É preciso olhar para o perfil de crédito de uma economia como um todo, o que inclui quatro grandes fatores: a força econômica, a força institucional, a força fiscal e a vulnerabilidade a choques externos. É importante também observar o que está acontecendo com os outros países, e não só olhar para o Brasil de maneira isolada. Acredito que boa parte desse questionamento acontece pelo fato de se estar olhando só para o Brasil. Muita coisa aconteceu desde que a Moody’s tirou o grau de investimento do Brasil, há oito anos. Não estamos dizendo que a situação fiscal do país melhorou, mas, sim, que seu perfil de crédito melhorou, em frentes como o crescimento e as reformas institucionais que foram feitas. Ainda há desafios fiscais e muito trabalho a ser feito nessa frente. Reconhecemos, porém, que também há uma melhora fiscal acontecendo gradualmente.

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    Então não é só uma questão de haver outros fatores, como o crescimento, ajudando a compensar as fraquezas fiscais. A situação fiscal em si também está melhor?

    Os resultados ao longo de 2024 mostram que, hoje, há uma chance maior de que o governo cumpra as metas fiscais do que se acreditava no começo do ano, e o orçamento apresentado para 2025 segue na mesma linha. Quer dizer, o resultado primário está melhorando. O que não está melhorando é a dívida, que implica em um custo alto com juros, e a credibilidade no arcabouço fiscal, que depende de soluções estruturais para o aumento dos gastos obrigatórios, porque se apoiar apenas em medidas para aumentar a receita não será o suficiente. Começamos a ver agora uma discussão também acerca da revisão dos gastos, mas precisamos ver se isso vai continuar ou não. De toda forma, os desafios fiscais do Brasil estão, hoje, em um contexto diferente, de uma dinâmica de crescimento melhor, relacionada a mudanças estruturais que aconteceram ao longo dos últimos oito anos.

    Na análise de muitos economistas, o crescimento mais forte do Brasil nos últimos anos não deve se sustentar pelos próximos. Vocês acreditam que ele tem fôlego para se manter?

    O crescimento brasileiro já surpeende para cima há quatro anos, e não é possível ficar surpreso com uma coisa pelo quarto ano seguido. É preciso reconhecer que há uma mudança na dinâmica do crescimento. Uma parte dela é cíclica, mas outra é estrutural, quer dizer, não tem a ver apenas com a recuperação da pandemia. Houve reformas importantes, como a reforma trabalhista, da Previdência ou a independência do Banco Central, que contribuem para um crescimento mais sustentável no longo prazo. Nesses últimos quatro anos, o Brasil cresceu a uma média de 2% ao ano, e acreditamos que possa crescer na faixa de 2,4%. Antes da pandemia essa média era 0,5%. É uma diferença importante e que também contribui para um perfil de crédito melhor.

    O que ainda falta para que a nota do Brasil suba e o país retome, portanto, o grau de investimento?

    Esse aumento fica condicionado à possibilidade de mais melhorias, em especial na credibilidade do arcabouço fiscal e no crescimento dos gastos obrigatórios [como com a Previdência]. Aumentar ou manter a nota vai depender do que acontecer com eles. Uma revisão da avaliação leva, tipicamente, de 12 a 18 meses, podendo ser mais ou menos, justamente para que possamos ver mais medidas fiscais duráveis.

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    A senhora mencionou que a avaliação passa por analisar também o contexto global. Como nos comparamos hoje a outros países, e de que maneira isso influencia em nossa perspectiva de crédito?

    Quando nós rebaixamos a nota do Brasil em 2016, o país passava por uma crise severa, tanto econômica quanto política, e o mundo estava em uma situação muito diferente. Agora, no pós-pandemia, muitos países também estão enfrentando níveis de dívida e de juros mais altos, há riscos políticos e incertezas em vários deles. Então, relativamente falando, vimos que, depois das várias reformas implementadas, o crescimento do Brasil se recuperou e não está mais desalinhado do de seus pares. E, mesmo que a dívida pública esteja maior do que antes, temos que olhar para essa situação de maneira comparativa, porque o mundo também mudou.

    Apesar da situação fiscal fraca e a dívida pública alta, inclusive em comparação a outros emergentes, o Brasil tem, por outro lado, uma situação externa bastante equilibrada. O fato de ter esse conforto nas contas externas permite, por exemplo, que tenhamos um nível de dívida interna mais alta?

    Não é exatamente essa a lógica, mas, como a maior parte da dívida pública do Brasil está em moeda local, e ele não precisa emprestar recursos em moeda estrangeira,
    este é, sim, um elemento muito importante para o perfil de crédito. O Brasil tem um setor externo forte, as reservas internacionais são muito sólidas, o que limita muito as incertezas em relação à capacidade de pagamento e, em outros lugares, é um problema. Há países, por exemplo, que têm um nível de dívida menor, mas com uma posição externa mais fraca, e têm o mesmo perfil de crédito. Por isso é importante olhar sempre para a combinação de todos os fatores.

    Vocês estiveram há poucos dias com o presidente Lula, que encontrou representantes da Moody’s e de outras agências de risco em Nova York. O que foi falado nessa reunião, e essa conversa influenciou na decisão desta semana?

    Nós falamos sobre a economia do Brasil, os planos fiscais e outros temas comuns que abordamos em visitas como essas. Estamos sempre procurando conversar com as autoridades dos países e essas decisões não dependem de um único encontro ou evento. O importante é ter a confiança de que os vários governos, não apenas um ou outro, estão comprometidos com suas metas, que as boas políticas são mantidas e que há progresso acontecendo, e isso leva tempo. Não muda com um encontro.

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