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Valérie Perrin, a autora francesa que escreve épicos do cotidiano

Escritora dos romances ‘Três’ e ‘Água Fresca para as Flores’ fala a VEJA sobre os desafios de tecer tramas intergeracionais

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 23 dez 2023, 08h00

Nascida em uma família de atletas, Valérie Perrin demorou a se aventurar na carreira de escritora. Aos 20 anos, deixou a pequena cidade de Remiremont, no interior da França, e se mudou para Paris, onde trabalhou em diversos empregos e bicos. Mas a habilidade com as palavras a levaria a conquistas diversas – a começar pelo marido, o renomado cineasta Claude Lelouch. Em 2006, Valérie lhe escreveu uma carta elogiando seus filmes. Vencedor do Oscar por Um Homem, uma Mulher (1966), Lelouch se encantou com a escrita de Valérie, e passou a se corresponder com ela – amizade que logo se tornou uma vida em parceria, culminando, este ano, na oficialização do casamento. Valérie virou um braço direito do cineasta, especialmente na produção de roteiros. Foi só em 2015, quando beirava os 50 anos de idade, que Valérie lançou seu primeiro romance, Les Oubliés du Dimanche, que rapidamente lhe rendeu prestígio no meio literário francês. Desde então, ela escreveu mais dois livros, estes lançados no Brasil pela editora Intrínseca: são eles Água Fresca para as Flores e Três. Em comum, seus romances contam histórias de pessoas comuns em situações inusitadas, com dramas, traumas e alegrias que perpassam gerações. A VEJA, a autora falou sobre suas inspirações e os desafios de escrever livros com diferentes linhas temporais.

Seus livros se passam especialmente em cidades do interior da França, longe de Paris, o cenário mais comum na literatura. Por que essa escolha? Assim como meus personagens, a maioria dos jovens é obrigada a deixar a própria cidadezinha natal. Acho que é um assunto que eu carregava em mim há muito tempo. Eu fiz o mesmo caminho que eles, deixei o interior. Gosto de voltar para lá de tempos em tempos, é como uma volta às origens, tanto na vida real quanto nos meus livros.

Tanto em Água Fresca para as Flores como em Três, o passar do tempo dá uma perspectiva diferente aos personagens sobre os acontecimentos e traumas do passado. Como é fazer essa construção de uma visão a longo prazo? Adoro histórias intergeracionais. Água Fresca para as Flores acontece ao longo de vinte anos e Três, ao longo de trinta anos. Em Água Fresca, eu me concentrei na morte. Eu levo o cemitério comigo desde a infância. O mistério da morte, o segredo dos mortos, os dos vivos que vêm conversar com eles nesse local onde só sobrevivem datas de nascimento, retratos, palavras em lápides e flores — que forma melhor de falar da vida do que falando da morte? Eu sabia que meu segundo romance giraria em torno disso. Queria responder à violência da perda de um ser através do retrato de uma mulher que falaria de todas as mulheres. Eu queria falar da vida, da morte, dos que não estão mais aqui. Será que a presença mística é mais forte do que a presença física? Tudo isso sobre o pano de fundo de uma investigação e de um questionamento sobre a própria identidade.

Seus livros são como épicos do cotidiano. Quais os desafios de escrever tramas que somam décadas? Tenho três livros e entre eles há um intervalo de três anos cada, porque eu levo muito tempo para escrever meus romances, eles são muito estruturados, têm construções semelhantes aos dos romances policiais. São demorados de organizar e elaborar. Devo a caracterização específica dos meus personagens ao cinema, porque já escrevi para atores de todas as idades. Eu tive de me colocar na pele deles para escrever as cenas e os diálogos. Inevitavelmente, você acaba se identificando com a idade do homem ou da mulher para quem escreve, e isso me ajudou muito. Tenho essa facilidade de me colocar na pele de uma criança ou de uma pessoa idosa, tanto física quanto intelectualmente, de forma plena. Consigo sentir suas emoções, de qualquer idade ou classe social que sejam. 

Edições brasileiras dos livros de Valérie Perrin -
Edições brasileiras dos livros de Valérie Perrin – (//Divulgação)

Como Três se encaixa em sua obra até aqui? Três foi muito importante para mim porque é um livro que permite acompanhar os personagens ao longo de toda a vida deles. Os leitores me disseram que acordei seus fantasmas, seus amigos de infância, os pais dos amigos. Não era o número que importava, o importante era o triângulo da amizade, mas sobretudo a narradora, cuja história descobrimos no fim, com esse fundo de romance policial em que um carro é encontrado no fundo do lago onde um dos personagens nadava quando era jovem. Além disso, a grande pergunta desde o início é por que esses três amigos não se falam mais, quando costumavam ser tão próximos.

De onde vem a inspiração para sua escrita? Para escrever, é necessário um elemento desencadeador. Conheci a protagonista de Água Fresca em um cemitério. Para escrever esse livro, fui a um pequeno cemitério não muito longe da minha casa, na Normandia. Estava usando botas grandes demais, então me sentei no túmulo dos pais do meu companheiro e troquei de sapato com ele. E aí pensei numa história. Gostava muito da ideia do cemitério, e quando voltei para casa, decidi que seria interessante falar sobre uma zeladora de cemitério. Portanto, a história veio de uma mistura de testemunhos que colhi de pessoas ao meu redor, em particular de um coveiro a quem eu agradeço no fim do livro e que se tornou personagem do meu romance. Tem também o Raphaël, que tem uma agência funerária na Normandia e me contou muita coisa sobre os rituais, as cerimônias. Eu misturei isso à história que queria contar: o destino de uma mulher baseado nos retratos de diversas mulheres.

 

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