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Karine Teles, o bom achado do cinema brasileiro

Após sucesso com ‘Que Horas Ela Volta?’, atriz leva prêmio em Gramado por ‘Benzinho’, outro bom filme nacional cotado para o Oscar

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 20h11 - Publicado em 27 ago 2018, 10h05

Em menos de uma semana em cartaz, Benzinho logo entrou para o clube de favoritos para representar o Brasil na disputa por uma vaga ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2019. Não é para menos. De sensibilidade rara, o longa acompanha a história de uma família tipicamente brasileira, que encara dilemas como falta de dinheiro, a caminhada até sonhos simples — como finalizar a escola — e a dor de uma mãe ao lidar com a saída de casa do filho mais velho.

Benzinho ganha uma camada a mais com a presença de Karine Teles, protagonista e roteirista da produção, que brilha como a amorosa mãe, esposa e irmã, que carrega nos ombros a família toda. O bom trabalho de atuação foi reconhecido no fim de semana no Festival de Gramado, onde ela levou o Kikito de melhor atriz — uma das quatro estatuetas conquistadas pelo longa, que ganhou as de melhor atriz coadjuvante (Adriana Esteves), melhor filme pelo júri popular e melhor filme pela crítica.

Karine tem um longo relacionamento com o cinema brasileiro, mas ganhou destaque em 2015 ao viver Bárbara, a mãe ausente de Que Horas Ela Volta?. Em entrevista a VEJA, a atriz compara as duas personagens, fala sobre maternidade, violência doméstica e os planos para a televisão.

Em Que Horas Ela Volta? você interpreta uma mãe ausente. E agora mostra outro tipo de maternidade e em outro contexto social. Como compara estas duas personagens? Elas são completamente diferentes em muitos aspectos. A semelhança entre as duas é que são pessoas tentando fazer o melhor que podem para cumprir o papel que a sociedade espera delas. A Bárbara (de Que Horas Ela Volta?) está presa no mundo que ela acredita ser o correto, e acaba sem se relacionar com o filho. E a Irene (de Benzinho) tem toda uma carga a cumprir, emocional e financeira, quer conseguir terminar os estudos, ter uma vida melhor, e consegue ser presente na vida dos filhos. E nessa história tem algo a mais, pois quando falamos desse momento em que o filho sai de casa, geralmente é a ótica do filho, e não da mãe que fica para trás, que é retratada. A gente queria falar sobre essa ótica, da mulher que passa por essa transição e amadurece, para descobrir dentro dela o espaço que ficou vazio

A atriz Karine Teles em cena do filme “Que Horas Ela Volta?” (Foto/Reprodução)

Se elas pudessem conversar, o que diriam uma para a outra? Acho que se uma pudesse dar conselhos para a outra, a Irene falaria sobre afeto, amor e presença. A Irene é mais bem resolvida afetivamente. Já a Bárbara é resolvida financeiramente. Com um bom emprego e uma boa casa, mas está fechada emocionalmente.

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Qual das duas foi mais difícil de interpretar? Bárbara foi mais difícil, por ser mais distante da minha realidade. A construção da personagem foi bem maior. A Irene é mais perto do que eu vivi. Ela tem muito da minha observação sobre as mulheres que me cercavam. Aquela realidade de Benzinho é a realidade da minha família. É a casa da minha avó onde eu cresci. Minha mãe tinha três empregos ao mesmo tempo e cuidando da gente. Eu ajudava cuidando dos meus irmãos. Meu pai saia cedo e voltava às 10 da noite. Então estou mais próxima daquele universo e constituição familiar. Minha dificuldade com Irene foi o desafio como atriz. Ela é uma mulher que não tem ferramenta cultural para falar sobre o que está sentindo. Muitas vezes você precisa que ver o que ela tá sentindo, pois ela não fala, ela disfarça. Tive que internalizar aquelas emoções.

E você, que tipo de mãe acredita ser? Acho que ser mãe é de longe a coisa mais difícil da vida. É uma experiência muito intensa, de muita responsabilidade. E é um trabalho invisível. Tenho gêmeos, os dois meninos que estão no filme. Me identifico com essa intensidade afetiva da Irene, que se esforça muito para dar carinho, amor e apoio. Ser mãe é intenso. Em um dia são 55 emoções diferentes. Em um momento você está derretida de amor porque seu filho fez algo incrível. Mais tarde quer jogar tudo pela janela, porque eles estão fazendo bagunça. De repente vem um medo absurdo porque a criança caiu e pode ter se machucado.

Acho que ser mãe é de longe a coisa mais difícil da vida. É uma experiência muito intensa, de muita responsabilidade. E é um trabalho invisível

Karine Teles

E que tipo de homens você espera estar preparando para o mundo? Eu sinto muito a responsabilidade, como mulher e como pessoa que acredita que o feminismo é transformador, de estar criando homens feministas. O Gustavo (Pizzi, diretor do filme) e eu somos separados, dividimos a guarda, então conversamos muito sobre a educação deles. Queremos que eles sejam homens melhores que a gente, que nossos pais e que nossos avós. E fazemos isso dando o exemplo. Com convivência, compartilhando a educação, conversando. Eles já são diferentes. Já são crianças com menos preconceito, amorosas. Espero que eles continuem assim.

Irene é o eixo da família, que mantém tudo funcionando, os filhos, o marido, a irmã. Qual das relações mais te marcou? A relação dela com a irmã é um ponto de apoio forte. Ela tem uma parceria ali maior do que com o marido. Elas se entendem, se apoiam, se amam muito. Gosto disso na nossa sociedade, na nossa cultura, de ver uma mulher dando força para a outra. A palavra sororidade começou a ser mais usada recentemente. É muito importante uma mulher apoiar a outra. Essa relação é de uma potência gigantesca.

Tantas pessoas diferentes se relacionam e se emocionam com a história. Saem da sessão e ligam para a mãe. O filme trata de uma história tão íntima da mãe com a família, que acaba se tornando universal. Por isso sim pode ser um bom representante no Oscar.

Karine Teles, sobre o filme 'Benzinho'
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A personagem da Adriana Esteves, aliás, sofre violência doméstica. Temos no Brasil um alto índice de feminicídio. O que acha que falta ao país para que este tipo de violência chegue ao fim? Falta muita coisa. Estamos longe de chegar num lugar aceitável. Todo dia que você abre o jornal estão lá dois, três casos. Homens sendo liberados com provas, pois o juiz não considera que o cara representa um perigo para sociedade. Como não? Falta evolução moral. Entender o mal que o machismo causa, tanto para homens quanto para as mulheres. A única forma de mudarmos isso é com transformação do tempo, das novas famílias que estão vindo, em que o homem começa a fazer parte de fato da educação dos filhos, sendo um bom exemplo. Um homem que agride uma mulher viu isso com o pai, com o avô. Se você tem um pai amoroso acho difícil que não passe isso para frente. É um trabalho de formiguinha que precisa ser feito. E precisamos de políticas públicas mais eficientes. Sabemos que as atendimentos nas delegacias não é eficiente. Quando a mulher chega para prestar depoimento, com o rosto todo quebrado, ela ainda tem que provar que ela não merecia ser agredida. Precisamos de políticas públicas para proteger as mulheres.

Adriana Esteves e Karine Teles em cena do filme “Benzinho” (Foto/Reprodução)

Na TV, você fez algumas participações em novelas e séries da Globo. Tem interesse ou planos em assinar um projeto maior e mais duradouro com a emissora? Eu estou começando a relação com a TV, tenho aprendido muito e fui bem feliz com tudo que fiz com a Globo até agora. No final do ano está previsto para ir ao ar a minissérie do filme da Hebe, em que eu interpreto a Lolita Rodrigues. Tenho sim a vontade de fazer algo mais longo, uma novela inteira. Acho que é um desafio ficar nove meses descobrindo o que vai acontecer com seu personagem. E a TV está cada vez melhor, com mais qualidade. Então super me interessa.

Benzinho foi bem aceito em festivais como o de Sundance, nos EUA, e se tornou um nome forte para ser indicado pelo Minc como representante do Brasil em busca de uma vaga no Oscar. O que acha dessa possibilidade? Vamos ver, tomara. É um filme que lançou nos EUA, depois foi pra Europa, agora tá no México e Espanha, vai chegar na Polônia, República Tcheca, Ásia. Então ele tem o potencial, pois se comunica com o mundo inteiro. É universal. Percebemos isso pelos festivais. Tantas pessoas diferentes se relacionam e se emocionam com a história. Saem da sessão e ligam para a mãe. O filme trata de uma história tão íntima da mãe com a família, que acaba se tornando universal. Por isso sim pode ser um bom representante no Oscar.

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