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Cineasta Ann Hui sobre protestos em Hong Kong: ‘Artista não grita slogan’

A VEJA, diretora chinesa, premiada com o Leão de Ouro honorário no Festival de Veneza, fala sobre novo filme e a mistura de arte e política no cinema

Por Lucas Almeida, de Veneza
9 set 2020, 17h51

A diretora de Ann Hui, 73 anos, protagonizou um momento histórico no Festival de Cinema de Veneza. Pela primeira vez, o Leão de Ouro pelo mérito na carreira foi entregue a duas mulheres: a diretora de Hong Kong e a atriz britânica Tilda Swinton. “Meus amigos estavam preocupados que eu receberia o prêmio ao lado da Tilda, porque ela é muito mais bonita que eu. Felizmente, foram cerimônias separadas”, brincou a cineasta, que integra agora uma lista de nomes premiados com a honraria, como Ingmar Bergman e Bernardo Bertolucci.

Hui ainda lançou no evento o seu novo filme, Love After Love. Inspirado em um conto da romancista Eileen Chang, o longa acompanha uma jovem de Xangai que passa a morar com uma tia endinheirada em Hong Kong pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo em que se envolve nas extravagâncias da alta sociedade, com aulas de piano e vestidos coloridos, a protagonista desperta um desejo pelo playboy George Qiao, que procura uma esposa rica para manter a sua vida boêmia, sem precisar trabalhar.

As filmagens terminaram assim que começaram os protestos em Hong Kong, o que afetou o processo de pós-produção do longa. À imprensa, a diretora preferiu evitar o assunto. “Essa produção tem empresas chinesas investidoras, que nos permitiram gravar esse filme com uma extensa complexidade moral e ele passou pela censura com poucos cortes”, explicou.

Em entrevista a VEJA, a diretora comentou sobre a relação do novo longa com a situação atual de Hong Kong, as discussões sobre gênero nos festivais de cinema europeus e os desejos por novos trabalhos. Confira:

A senhora já adaptou duas obras de Eileen Chang, Amor numa Cidade Caída e Eighteen Springs. Qual foi a motivação para voltar aos textos dela? A ideia dela de amor nesta história é diferente das outras duas, mais aventureira e original. É uma forma extrema de amor não correspondido. Em Amor Numa Cidade Caída temos duas pessoas que têm visões diferentes sobre as oportunidades de vida e precisam calcular se devem ficar juntas. Eighteen Springs (Dezoito Primaveras, em tradução literal) é sobre como as circunstâncias separaram um casal. Mas esse é sobre a intrínseca inabilidade de um homem amar uma mulher, apesar dela amá-lo muito.

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Love After Love se relaciona com a Hong Kong de hoje? Acho que é um momento de grande mudança em Hong Kong, o que é algo que está acontecendo no mundo todo. Alguns podem dizer que o filme é uma parábola para a depravação do colonialismo. E é mesmo. Porque nas classes altas, de todo o lugar no mundo, há muita depravação, mas eles precisam esconder isso de uma forma muito colorida e elegante.

Cena do filme Love After Love, da cineasta Ann Hui (//Divulgação)

Essas mudanças em Hong Kong servem de inspiração para a senhora? Eu nunca faço filmes políticos. Não acho que um artista, seja do cinema ou da literatura, deva gritar slogans, de qualquer lado que esteja. Você deve tentar olhar para a situação e representar isso emocionalmente ou, ao máximo que puder, de forma honesta. Um filme sobre os protestos políticos que estão acontecendo não é o nosso trabalho. Sou uma cineasta, não uma repórter ou uma política. Tenho as minhas opiniões, mas não preciso fazer um filme sobre isso.

O que a motiva agora? Nos últimos anos, comecei a me sentir mais confiante comigo mesma. Hoje, sei fazer o meu trabalho, mas também sinto uma queda de energia. Simplesmente, não consigo. Não posso filmar dez horas por dia sem desabar. Antes, eu fazia dezesseis horas. Espero que eu consiga aguentar por mais alguns anos, porque agora tenho maior compreensão sobre personagens e escolha de atores. Mas sinto que ainda tenho muito a filmar, enquanto uma forma de arte. Ainda nem parei para pensar o que será, porque estava fazendo uma produção atrás da outra.

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O Festival de Veneza têm enfrentado uma grande discussão sobre o número de diretoras indicadas. Como vê esse momento? A indústria do cinema tem uma história muito mais longa e gradual. Se no seu país, a cultura de filmes não é tão avançada, é muito difícil sair dali e ser excepcionalmente boa. Naturalmente, se tivéssemos menos discriminação, as coisas seriam mais rápidas, mas sinto que é um processo natural.

Cate Blanchett entrega à cineasta chinesa Ann Hui o Leão de Ouro honorário pela carreira no Festival de Veneza 2020 (Giorgio_Zucchiatti/Divulgação)

Concorda com a decisão de festivais, como o Berlinale, de eliminar a distinção de homens e mulheres nas categorias de atuação? Acho que é bom. Com essa mudança, você deixa o jogo muito mais desafiador e talvez mais justo. Por exemplo, há quatro nomes para o prêmio masculino e quatro para o feminino. Talvez, todas os quatro papéis femininos não sejam tão bons, quanto os quatro masculinos, mas você precisaria dar o prêmio mesmo assim. Agora, veremos a decisão em termos de excelência, não em termos de categorias.

O que um ator precisa ter para um filme como Love After Love? O número de atores e atrizes capazes de fazer histórias de amor é bem limitado. Algumas pessoas têm ótimas habilidades de atuação, mas simplesmente não conseguem fazer histórias românticas. Porque eles não têm os olhos ideais para um romance.

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