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O rato que ruge: nas ruas de Hong Kong, milhares desafiam Pequim

A ex-colônia britânica, ciosa de sua autonomia, mobiliza multidões e consegue reverter medida apoiada pelo governo chinês

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 19h44 - Publicado em 21 jun 2019, 07h00

Um jovem casal de Hong Kong, o estudante de administração Chan Tong-­kai, de 19 anos, e Poon Hiu-wing, de 20, aluna de culinária e estética, vai passar o Dia dos Namorados em Taiwan. Chan volta sozinho — diz que os dois tiveram uma briga e não mais se viram. A história não bate, e ele confessa que a estrangulou. No mesmo dia, o corpo de ­Poon é achado em um matagal. O crime, ocorrido há um ano e meio, foi comentadíssimo. Ninguém imaginou, porém, que a tragédia acabaria por exacerbar a insatisfação latente na população de Hong Kong com a constante ameaça ao sistema de semiautonomia que lhe foi concedido quando os ingleses devolveram a ilha à China, em 1997. No domingo 16, 2 milhões foram às ruas, na maior manifestação popular na China desde os protestos da Praça da Paz Celestial, em Pequim, há trinta anos.

O estopim das manifestações foi aceso por Carrie Lam, política durona de 62 anos escolhida por um conselho pró-Pequim para administrar a ilha. Em fevereiro, citando a necessidade de criar condições para o namorado­-assassino Chan ser julgado em Taiwan, ela encaminhou ao Legislativo (também selecionado a dedo) um projeto de lei que visava a facilitar as extradições — inclusive para a China continental. A população viu aí um desvio para entregar dissidentes políticos ao nada confiável sistema judiciá­rio do governo central e partiu para o confronto — de forma ordeira e disciplinada, com a preocupação de não provocar a polícia. Lam tentou resistir, mas no sábado 15, cada vez mais acua­da, retirou (não anulou) o projeto de extradição. “Assumo pessoalmente a maior parte da responsabilidade. Ofereço as minhas mais sinceras desculpas a todo o povo de Hong Kong”, disse, com expressão contrita.

DESAFIO – Manifestantes abrem passagem para ambulância em Hong Kong: teimosia com disciplina (Hector Retamal/AFP)

O recuo teve gosto de inédita concessão — por tabela — do governo do presidente Xi Jinping, que costuma não perder uma chance de manobrar para fincar mais poder na ilha rebelde. Não aplacou, porém, a multidão de descontentes, que no dia seguinte, maior do que nunca, tomou as ruas de Hong Kong pedindo a queda de Carrie Lam, a desistência definitiva da extradição e liberdades democráticas. Na maioria, eles são jovens, usam máscara e óculos para cobrir o rosto e pagam o metrô com dinheiro para não ser identificados. Muitos carregam os guarda-chuvas que viraram símbolo de outra onda de protestos, em 2014, em favor de eleições livres. Após 79 dias de mobilização, o chamado Umbrella Movement desfez-se sem conseguir nada. Desta vez, os manifestantes estão mais preparados. Levam água para molhar e desativar as bombas de efeito moral e fazem todas as convocações por aplicativos que apagam automaticamente as mensagens, como o Telegram — que por algumas horas foi desativado em toda a China.

A polícia usou gás lacrimogêneo, cassetete e spray de pimenta para dispersar as concentrações. Disciplinados, os manifestantes chegaram a abrir espaço para a passagem de uma ambulância que levava um ferido, para depois voltar a agrupar-se, numa cena que viajou pelo mundo. De um total de 32 presos, cinco serão processados por incitação à desordem (em mais um gesto de paz, as autoridades decidiram soltar oito sem autuação). Carrie Lam avisou que não vai renunciar e permanecerá no cargo pelo menos até o fim de seu mandato. “O governo central entende que a renúncia dela agora seria vista como um ato de fraqueza”, diz Tim Summers, pesquisador do instituto britânico Chatham House.

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O acordo de “um país, dois sistemas”, que dá a Hong Kong status de região administrativa especial, expira em 2047. Em nome da unidade territorial, Pequim reprime resistências no Tibete, insiste em anexar Taiwan (que é independente) e, no caso de sua ilha mais próspera, abafa dissidências. “A retirada do projeto de extradição foi uma batalha ganha por Hong Kong. Mas, a longo prazo, o mais provável é que a China saia vitoriosa”, diz Jonathan Sullivan, professor de ciência política da Universidade de Nottingham, no Reino Unido. Má notícia para jovens criados no propósito de não ser engolidos pelo gigante continental.

Publicado em VEJA de 26 de junho de 2019, edição nº 2640

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