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A bizarra relação entre ‘My Little Pony’ e supremacistas brancos

Desenho fofinho que prega amor e união tem fãs apontados como neonazistas e inspira imagens perturbadoras em fóruns da internet

Por Amanda Capuano Atualizado em 20 jun 2022, 12h26 - Publicado em 20 jun 2022, 12h16

Pôneis coloridos que pregam o poder da amizade e da diversidade. A trama de My Little Pony exala fofura e foi feita especialmente para divertir os pequenos e, como muitos outros desenhos, ensinar a eles valores básicos de respeito e união. É difícil imaginar, portanto, que o desenho tenha uma cota significativa de fãs de extrema-direita, inclusive neonazistas declarados. A bizarrice foi exposta em uma espécie de dossiê da revista americana The Atlantic, em 2020, quando surgiu nas redes sociais uma série de desenhos em que os pôneis fofinhos apareciam usando bonés em apoio à reeleição de Donald Trump. Com o lançamento recente na Netflix do especial My Little Pony: Deixe sua Marca, o tema voltou a ser comentado nas redes, surpreendendo boa parte do público com a descoberta da relação inusitada – e, obviamente, condenável – do desenho infantil com militantes neo-nazistas.

A história toda, na verdade, é bem mais antiga que a eleição de Donald Trump. Ela começou em meados de 2011, em fóruns anônimos da internet, especialmente no 4Chan. Ali, reuniam-se figuras das mais variadas origens, de fãs fiéis do desenho, pensado inicialmente para meninas pequenas, a homens adultos que passaram a assistir à atração de maneira irônica, já que a premissa fofa e alto astral contraria o estereótipo de masculinidade viril propalado por eles. O problema é que, aparentemente, alguns deles acabaram genuinamente gostando da atração. Autodenominados bronies – mistura de “bro” (de brother, ou irmão) e ponies (pôneis) -, os barbados passaram a participar de convenções em que iam até mesmo fantasiados de equinos fofinhos. Até aí, por mais peculiar que possa parecer, não há um problema de fato. 

A questão começou a complicar mesmo quando os bronies criaram o próprio fórum, batizado de Derpibooru. Lançado com a meta de ser uma plataforma livre para que os fãs expusessem seus desenhos sem julgamentos, o site acabou virando um local problemático. Sem regras de moderação, começaram a aparecer por lá ilustrações categorizadas como racistas e até neonazistas. Na mesma época, um blog chamado My Nationalist Pony (Meu Pônei Nacionalista) começou a atrair leitores. Seu autor, conhecido apenas como Buttercup Dew, descrevia o desenho como uma subcultura “tão implicitamente branca quanto a Nascar, a música country e o Partido Republicano”, e defendeu que a comunidade fosse usada para difundir bandeiras da supremacia branca. “O Derpibooru se tornou um parquinho para propagadores de extrema-direita divulgarem suas artes”, declarou ao The Atlantic Blake Henry, um músico de 27 anos e fã de My Little Pony.

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Imagem de Aryanne, a pônei nazista criada em 2014 nas redes sociais (AlexBiri/Tumblr/Reprodução)

Assim, o desenho acabou virando uma piada interna entre apoiadores da extrema-direita, espalhando-se por fóruns na internet e comunidades nacionalistas no Tumblr. A loucura chegou a tal ponto que os ditos “fãs” chegaram a criar uma personagem batizada de Aryanne, uma referência ao ideal ariano de Hitler. Conta a história que Ass Stalker, o criador da personagem, tentou desenhar as cavalinhas Rainbow Dash e Applejack, mas o traço ruim dificultou o reconhecimento. Ele então combinou as duas pôneis, e um amigo achou que seria engraçado adicionar uma suástica à traseira da personagem. Até hoje, discute-se se os fãs abraçaram Aryanne de fato como um símbolo do “movimento”, ou se tudo não passou de uma jogada irônica. “Esta é uma comunidade de fãs que se orgulha de ser permissiva, ultrapassar limites e se disfarçar de ironia com a ideia de que podem deixar o mainstream desconfortável”, disse à publicação Anne Gilbert , professora de estudos de mídia da Universidade da Geórgia, e especialista no fandom de My Little Pony.

Com as eleições de 2020 e a ebulição dos protestos do Black Lives Matter, o tema voltou a ser debatido. Em uma publicação no Twitter, o músico Henry denunciou que artes em poio aos protestos estavam recebendo dislikes em massa na plataforma, enquanto aquelas que representavam os manifestantes como vândalos tinham aprovação crescente. “As pessoas neste fandom vão tentar constranger você falando sobre misturar arte e política. Se você criar arte com uma inclinação de direita, ela será elogiada. Mas assim que você fizer UMA foto considerada de esquerda, será criticado por tornar o desenho ‘político demais'”, escreveu na sequência de tuítes.

Com a repercussão da denúncia, os criadores do Derpibooru usaram as redes sociais para uma declaração em apoio ao Black Lives Matter e anunciaram que baniriam imagens que tivessem objetivo de incitar controvérsias e zombar dos protestos. Em um e-mail à The Atlantic, os organizadores do site caracterizaram a presença de supremacistas brancos na plataforma como “infeliz” e disseram ter tentado “agir contra conteúdos que propagam racismo”, mas que não foram “tão rígidos como gostariam” em relação a isso. Hoje em dia, a plataforma é mais restrita, mas ainda há conteúdos problemáticos. No Twitter, também é possível ver os pôneis do desenho infantil transformados em símbolos sexuais no mínimo perturbadores. Uma bizarrice sem tamanha, e certamente contrária à mensagem propagada em Equestria.

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