Documentário explora bastidores do caso que inspirou ‘Invocação do Mal’
O premiado diretor Jerry Rothwell investiga o caso sobrenatural mais famoso da Inglaterra na série 'O Poltergeist de Enfield', da Apple TV+
Em 1977, uma casa comum da rua Green, na cidadezinha britânica de Enfield, desbancou o Palácio de Buckingham como o endereço mais falado do Reino Unido. Lá, a mãe solteira Peggy Hodgson e seus quatro filhos passaram a ser atormentados por fenômenos supostamente sobrenaturais: barulhos, móveis mudando de lugar, levitação e até sinais de possessão. Janet, aos 11 anos, foi o epicentro da história, ora falando inexplicavelmente com outras vozes, ora agredida por objetos da moradia. O caso bombou na imprensa, inspirou dezenas de histórias de terror e atraiu múltiplos investigadores paranormais, com destaque para Maurice Grosse — que gravou 200 horas de áudio na casa — e o casal Warren, cuja investigação foi adaptada para o cinema em Invocação do Mal 2 (filme que atribui os eventos à freira demoníaca da franquia A Freira).
Agora, quase 50 anos após os acontecimentos, o documentarista premiado Jerry Rothwell revisita as gravações de Grosse e a história como um todo para propor uma nova representação audiovisual, sem sensacionalismo ou confabulações. Focado em analisar a experiência da família e suas repercussões midiáticas e sociais, ele criou a docussérie O Poltergeist de Enfield, cujos quatro episódios chegam ao streaming Apple TV+ na sexta-feira, 27. Em entrevista exclusiva a VEJA, o cineasta fala sobre a pesquisa inédita, o formato do true crime e suas crenças pessoais:
A ficção se aproveita desta história há décadas, de Vigília Paranormal (1992) a Invocação do Mal. Como o formato documental a redefine? O que me fascinou foi a existência dessas fitas com 200 horas de material coletado por Maurice Grosse, o investigador original do caso, que haviam sido pouco ouvidas antes. Me interesso muito pelos documentários como interfaces entre o que se passa nas cabeças das pessoas e o que ocorre na realidade. O som é ideal para fazer essa ponte: se apenas ouvimos barulhos, construímos imagens próprias em nossas mentes — e Grosse gravou horas de som ambiente na casa, além das entrevistas. Quanto às adaptações fictícias, nos distanciamos delas pois nos aproximamos à experiência familiar e psicológica por meio da pesquisa, focando na experiência vivida por essas pessoas.
A entrevista com Janet mais de 40 anos após o caso é o clímax da produção. Como foi abordá-la? Fundamentalmente, essa história pertence à Janet, Margaret e Billy — as crianças e adolescentes que viveram naquela casa e continuam vivos. Não tenho certeza se a série existiria caso ela não tivesse apoiado a existência do projeto. Além disso, Janet nunca tinha ouvido as fitas, e observá-la refletir sobre sua família de novas maneiras, com honestidade, foi muito valioso.
É fácil subestimar esse assunto como bobo ou sensacionalista. O que o fez enxergá-lo com a mesma seriedade de seus filmes anteriores? Existe algo sério no coração desta história, que é a percepção humana da realidade. O último filme que fiz foi sobre pessoas autistas não-verbais e as maneiras com as quais elas viviam no mundo — uma realidade sobre a qual a maioria das pessoas não presta atenção. Não é uma proposta tão distante desse projeto — histórias sobrenaturais são sempre sobre como indivíduos exploram coisas que não podem explicar ou que temem. O terror é um jeito seguro de refletir sobre os medos que temos sobre o mundo. Esse temor é algo a ser levado a sério, e vê-lo desta maneira é bem mais interessante que o sensacionalismo.
Foram as dúvidas que o atraíram à história, ou o senhor acredita no paranormal? Acho que estou na mesma que o público. Consigo entender que talvez existam aspectos do mundo que não conhecemos, mas também posso ficar do lado de quem teoriza sobre o comportamento do cérebro e a influência de grupos que insistem em certas crenças. Não me vejo nem como cético, nem como devoto, e era essa ambiguidade que queria manter sobre os espectadores da série. Nós, como humanos, não podemos acreditar que sabemos de tudo que há para saber com meros cinco sentidos.
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