Na fronteira com o Uruguai, a pequena cidade gaúcha de Quaraí, com 23.532 habitantes, que registrou 268 nascimentos em 2016, conforme os dados do DataSUS, lançou uma campanha de controle de natalidade que tem causado polêmica. “Só tenha os filhos que puder criar. Não tem condições emocionais, pessoais e econômicas? Pense bem antes de ter filhos #Aescolhaésua”, diz o texto de um outdoor da prefeitura acompanhado da fotografia de um menino triste, aparentemente abandonado. A campanha também foi publicada no perfil oficial da prefeitura no Facebook em novembro passado.
Segundo a secretária municipal de Saúde, Fabiana Saldanha, explicou a VEJA, a ideia da ação surgiu ao constatar que os métodos contraceptivos disponibilizados gratuitamente pela prefeitura por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) estavam sendo pouco utilizados. Para mulheres, há anticoncepcionais orais, injetáveis e DIU. Elas também podem retirar camisinhas nos balcões dos postos. Porém, vale ressaltar que essa é também uma responsabilidade masculina. A vasectomia não está habilitada para ser oferecida pelo município por meio do SUS. Porém, a prefeitura custeia o procedimento particular caso se comprove falta de recursos financeiros, garante a secretária.
“Nossa intenção era gerar uma reflexão sobre a responsabilidade de trazer ao mundo um ser humano. Chegamos à conclusão de que deveríamos ser mais incisivos porque o acesso aos métodos está aí”, disse Fabiana à reportagem.
“Essa tentativa de regular os direitos reprodutivos não deu certo em sociedade nenhuma, isso se aproxima até de um fascismo”, opina o médico e coordenador do curso de medicina do Imed, Luiz Artur Rosa Filho. O professor também foi secretário de Saúde no município de Passo Fundo, a 290 quilômetros de Porto Alegre, e acredita que a campanha “ultrapassa o limite do papel do estado, que passa a regular a vida das pessoas”.
“A placa é um desserviço em uma cidade que carece de desenvolvimento e que precisaria muito da noção de que o direito reprodutivo também é importante e tem que ser garantido”, disse a VEJA o médico. Direito reprodutivo é “o direito de toda pessoa decidir sobre o número de filhos e os intervalos entre seus nascimentos, e ter acesso aos meios necessários para o exercício livre de sua autonomia reprodutiva, sem sofrer discriminação, coerção, violência ou restrição de qualquer natureza”, explica Miriam Ventura, doutora em saúde pública, no seu livro intitulado Direitos Reprodutivos no Brasil.
Em Quaraí, dos 268 nascimentos registrados em 2016, os dados mais recentes do DataSUS, quarenta bebês foram gerados por mães adolescentes, entre 15 e 19 anos de idade. Esse dado preocupa a prefeitura de Quaraí, diz Fabiana, porque as mulheres jovens acabam abandonando os estudos para cuidar dos filhos.
O professor de medicina ressalta que o Rio Grande do Sul, assim como o país, enfrentará em breve um decréscimo de sua população, o que pode afetar a economia. “Em breve a gente vai estar estimulando a natalidade por causa da queda intensa da população em decorrência da transição geográfica”, opina. Em Quaraí, a densidade populacional distribuída no território é baixa: 7,31 habitantes por km². Em São Paulo, a densidade é de 7.398 habitantes por quilômetro quadrado, mil vezes maior.
Em caso de gravidez indesejada e abandono do pai, quem assume a responsabilidade são as mães. Por isso, o professor explica que a conscientização sobre métodos contraceptivos precisa ser para ambos os sexos, não apenas para as mulheres. “Em quinze anos de formado, jamais fui procurado por homem dizendo ‘não quero ser pai, como faço? sempre tem que usar camisinha?, quando minha mulher não está no período fértil?’. Nunca fui procurado por um homem preocupado”, conta.