Defesa de Delúbio diz que lei prevê embargos infringentes. Não prevê. Diz que a Constituição dá força de lei a Regimento Interno do Supremo. Não dá. É matéria de fato, não de gosto ou interpretação
Como já escrevi aqui, os advogados dos mensaleiros são muito hábeis em produzir notícias. Botando o carro adiante dois bois, a de Delúbio Soares já entrou com o embargo infringente, com base no que dispõe o Artigo 333 do Regimento Interno do Supremo: quando há pelo menos quatro votos divergentes numa condenação, a defesa pode […]
Como já escrevi aqui, os advogados dos mensaleiros são muito hábeis em produzir notícias. Botando o carro adiante dois bois, a de Delúbio Soares já entrou com o embargo infringente, com base no que dispõe o Artigo 333 do Regimento Interno do Supremo: quando há pelo menos quatro votos divergentes numa condenação, a defesa pode pedir que a condenação seja revista — para tanto, precisa apresentar um motivo. Delúbio foi condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha. Nesse segundo caso, por seis votos a quatro. Se essa condenação viesse a cair, sua pena seria reduzida de 8 anos e 11 meses para 6 anos e 8 meses. Não precisaria começar a cumprir a pena em regime fechado (obrigatório para condenações acima de 8 anos).
Muito bem, na Folha Online, leio o seguinte (em vermelho):
O tribunal ainda terá que decidir se tais recursos são válidos, mas a tendência é que os ministros aceitem reanalisar tais casos.
O advogado Arnaldo Malheiros Filho argumenta que os recursos são cabíveis, pois são previstos no regimento interno do tribunal e na legislação que trata dos processos do Supremo.
“A previsão regimental de embargos infringentes nas ações penais originárias, hoje e desde a promulgação da Constituição de 1969, ostenta força de lei e foi recepcionada pela Carta de 1988”, afirma a defesa, no recurso.
(…)
Voltei
Só se for assim em alguma realidade paralela. Ao contrário do que diz Malheiros, NÃO EXISTE EMBARGO INFRINGENTE NA LEI 8.038, QUE TRATA DOS PROCESSOS PENAIS EM TRIBUNAIS SUPERIORES. A lei está aqui. A referência ao expediente, no Artigo 42, diz respeito ao Artigo 496 do Código de Processo Civil. Não tem nada a ver com essa história.
Também não é verdade que a Constituição de 1988 recepcionou o disposto na Constituição de 1967/1969, em que o Regimento Interno do Supremo tinha força de lei. Não tem mais.
Num artigo que escreveu demonstrando que o Artigo 333 do Regimento Interno do Supremo perdeu eficácia, o procurador de Justiça Lênio Luiz Streck citou ampla jurisprudência do tribunal deixando claro que não! A Constituição não recepcionou o dito-cujo. Vamos ouvir os próprios ministros:
“O espaço normativo dos regimentos internos dos tribunais é expressão da garantia constitucional de sua autonomia orgânico-administrativa (art. 96, I, a, CF/1988), compreensiva da ‘independência na estruturação e funcionamento de seus órgãos’.” (MS 28.447, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 25-8-2011, Plenário, DJE de 23-11-2011.) Vide: ADI 1.152-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-1994, Plenário, DJ de 3-2-1995.
“Com o advento da CF de 1988, delimitou-se, de forma mais criteriosa, o campo de regulamentação das leis e o dos regimentos internos dos tribunais, cabendo a estes últimos o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual (CF, art. 22, I), bem como às garantias processuais das partes, ‘dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’ (CF, art. 96, I, a). São normas de direito processual as relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição. (…) (ADI 2.970, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-4-2006, Plenário, DJde 12-5-2006.)
“Em matéria processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento dos tribunais o regimento interno prepondera. Constituição, art. 5º, LIV e LV, e 96, I, a. Relevância jurídica da questão: precedente do STF e resolução do Senado Federal. Razoabilidade da suspensão cautelar de norma que alterou a ordem dos julgamentos, que é deferida até o julgamento da ação direta.” (ADI 1.105-MC, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 3-8-1994, Plenário, DJ de 27-4-2001.)
“Portanto, em face da atual Carta Magna, os tribunais têm amplo poder de dispor, em seus regimentos internos, sobre a competência de seus órgãos jurisdicionais, desde que respeitadas as regras de processo e os direitos processuais das partes.” (HC 74.190, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 15-10-1996, Primeira Turma, DJ de 7-3-1997.)
Volto
O que é fato?
– A Lei 8.038 não prevê embargo infringente.
– A Constituição de 1988 não confere ao Regimento Interno do Supremo a força de lei, como fazia a anterior.
Qualquer ser lógico conclui, logicamente, que o Artigo 333 perdeu eficácia. A menos que se declare, então, que o Regimento Interno do Supremo é imutável e imune às leis.
E há o argumento definitivo: o STF passou a considerar sem efeito o Artigo 331 do Regimento Interno que admitia embargos infringentes para Ação Direita de Inconstitucionalidade depois que uma lei veio a disciplinar a matéria e não previu esse recurso (Lei 9.868). Se o 331 se foi, por que permaneceria o 333?
É impressionante que boa parte da imprensa brasileira omita dos leitores essa obviedade e faça com que o caso pareça mera questão de gosto. Se admitir embargos infringentes é que o STF estará a) violando a lei (8038); b) violando decisão do próprio tribunal. Nesse caso, sim, estará atuando como… tribunal de exceção!