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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Código Penal: Lobbies da descriminação das drogas e do aborto, apesar de poderosos, perdem primeiro round; lei contra o terror está sendo debatida em comissão específica

Publiquei nesta segunda um texto sobre a Ilona Szabó, a militante favorável à descriminação das drogas que está convencida de que o papa Francisco só se opõe à proposta porque ainda não falou com ela. Sim, o papa, ninguém menos. Pelo visto, ela considera que os opositores de menor calibre e de mais baixa estirpe não […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 05h34 - Publicado em 20 ago 2013, 23h43

Publiquei nesta segunda um texto sobre a Ilona Szabó, a militante favorável à descriminação das drogas que está convencida de que o papa Francisco só se opõe à proposta porque ainda não falou com ela. Sim, o papa, ninguém menos. Pelo visto, ela considera que os opositores de menor calibre e de mais baixa estirpe não são assim tão relevantes. Por que o lobby pró-descriminação inicia uma nova onda de pressão? Justamente porque o tema está no Congresso. Escrevi nesta segunda um texto sobre o novo Código Penal, que está ainda na Comissão Especial do Senado e que tem Pedro Taques (PDT-MT) como relator. Essa questão, mais do que qualquer outra, prova a importância do Poder Legislativo. Apesar de todos os defeitos e de todos os vícios — que precisam ser combatidos —, o Congresso representa, sim, na maioria dos temas, a média das muitas vontades dos brasileiros. Há, é certo, temas que ganham tal especificidade técnica que acabam sendo incompreensíveis para a grande maioria — e uma das missões da imprensa é torná-los claros. Mas há outros que são da compreensão de toda gente porque remetem a valores, costumes, à vida cotidiana mesmo. Uns e outros não podem ficar entregues a uma minoria de iluminados, que exclua a população das decisões. Numa democracia de 200 milhões de pessoas, a população fala, sobretudo, por intermédio do Poder Legislativo — este mesmo que está sendo satanizado por aí, não com o apoio deste blog, como vocês sabem muito bem. Eu ataco os maus políticos, não os políticos. Taques concluiu o seu relatório, como informa reportagem de Gabriel Castro na VEJA. com. Foi elaborado a partir de um texto que foi entregue ao Senado por uma “comissão de juristas”, escolhida pelo então presidente do Senado, José Sarney (AP). Creio que raramente se produziu um documento tão aloprado no Brasil. Nesta primeira abordagem, Taques, que é um político que leva a sério o seu trabalho, eliminou boa parte dos absurdos. Mas precisamos ficar atentos. Uma das questões mais relevantes desse novo código promete esquentar o debate mais adiante. Sigamos.

As drogas
O senador manteve a lei atual, que, atenção!, já não manda para a cadeia o consumidor e rejeitou as barbaridades propostas pelos tais juristas. Quando muito, nesse caso, a pessoa está sujeita a uma medida socioeducativa. É escandalosamente mentirosa a história de que “um baseadinho pode render cana”. Mentira! O que queriam, no entanto, os “especialistas”? A descriminação do porte de qualquer substância. Só isso? Não! Imodestos, decidiram estabelecer uma quantidade a partir da qual estaria caracterizado o tráfico: só se a quantidade excedesse o suficiente para o consumo médio de … cinco dias!!! Alguém perguntará: “Mas qual é o consumo médio de crack considerado, digamos, normal? Pois é… Também passaria a ser legal cultivar e estocar drogas, desde que “para consumo pessoal”. É evidente que os iluminados estavam, na prática, legalizando o pequeno tráfico, primeiro passo para a legalização total. É muito importante deixar isto claro: O CONSUMIDOR, NO BRASIL, JÁ NÃO VAI PARA A CADEIA. Os que reivindicam que o porte para consumo deixe de ser crime querem, na verdade, é dar uma passo a mais rumo à legalização plena.

Felizmente, Taques repudiou a tese. É claro que alguém sempre poderá apresentar uma emenda recuperando aquela maluquice, mas duvido que seja aprovado. Ilona e os liberacionistas vão perder essa batalha. Mas não vão desistir. Ela ainda quer convencer o papa.

Aborto. Ou: Cuidado!
Taques também recusou a legalização do aborto, que foi proposta de modo oblíquo pela comissão. Bastaria, para tanto, que a mulher se declarasse sem condições psicológicas de ter o bebê, o que teria de ser atestado por médico e psicólogo. E pronto! Os críticos da proposta diziam: “Isso é legalização do aborto”, o que os entusiastas da mudança negavam. A máscara caiu num debate entre a professora de direito da USP Janaína Paschoal e o procurador Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, que coordenou a tal comissão. Quando Janaína apontou que se tratava, sim, da legalização do aborto, ele confessou: “Nós reconhecemos orgulhosamente!”.

O senador mantém o texto atual, que permite a interrupção da gravidez em caso de estupro e de risco de morte da mãe, acrescendo a hipótese do aborto de anencéfalos, admitido pelo Supremo. O texto vai um pouco além, e, neste caso, todo cuidado é pouco. O procedimento também seria permitido no caso de “graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extrauterina”. Assim, o texto se torna vago demais. Quanto de vida “extrauterina” seria necessário para impedir o aborto? Sem essa definição, há o risco do vale-tudo.

Como informa a reportagem da VEJA.com, o senador recusou a eutanásia — a irresponsabilidade da proposta dos juristas nesse particular é espantosa! —, acatou a ortotanásia (suspensão de meios artificiais que só retardam a morte certa), aumentou de seis para oito anos a pena mínima por homicídio, endureceu o regime de progressão das penas, tornou crime a doação irregular de campanha etc. Ao longo dos dias, voltaremos a esses pontos. Vamos a uma questão crucial.

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Terrorismo e Copa do Mundo
O Brasil, escrevi nesta segunda a respeito,  não tem um lei que puna o terror, seja ele doméstico ou não, o que é um absurdo, além, claro!, de temerário. A Copa do Mundo está aí. Realizá-la sem essa proteção legal chega a ser uma irresponsabilidade. Pois bem. Taques manteve, nesse particular, o texto da comissão, que faz o certo, a saber (e azul):

Art. 239. Causar terror na população mediante as condutas descritas nos parágrafos deste artigo, quando:
I – tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe, ou;
II – tiverem por fim obter recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático ou;
III – forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade, sexo, identidade ou orientação sexual, ou por razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas.
§ 1º Sequestrar ou manter alguém em cárcere privado;
§ 2º Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
§ 3º Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem público ou privado;
§ 4º Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados;
§ 5º Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meios de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares.
Pena – prisão, de oito a quinze anos, além das sanções correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas.

Forma qualificada
§6º Se a conduta é praticada pela utilização de arma de destruição em massa ou outro meio capaz de causar grandes danos:
Pena – prisão, de doze a vinte anos, além das penas correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas.

Mas...
Mas aí o texto dos juristas prevê as exceções, aquelas em que, mesmo se praticando o que vai acima, não haveria crime. Leiam o despropósito (em vermelho):
Exclusão de crime
§ 7º Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade.

O que diz o senador
Falei há pouco com o senador Pedro Taques. Ele acha que a questão dos movimentos sociais precisa ser pensada, mas não endossa, obviamente, que, em nome da causa, se possam praticar atentados. Então por que deixou a coisa como está? Segundo ele, porque existe uma comissão mista que cuida exclusivamente desse assunto. O presidente é o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), e o relator é o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Vamos ver o que vai sair.

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Não custa lembrar que, no mundo inteiro, são muito raros os ataques terroristas que visam apenas vantagens econômicas. Seja o terrorismo global, sejam os de caráter local, sempre há uma “causa social” a justificá-los. Leiamos o que vai acima e pensemos nos “black blocs”. Não seria difícil enquadrá-los no parágrafo 3º: “Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem público ou privado”. É isso o que eles fazem, certo? Mas alegam também que estão protestando contra os desmandos do estado, dos governos, dos políticos e da própria polícia. Pergunto: pode-se dizer que estão “movidos por propósitos sociais ou reivindicatórios”??? E quando o MST destrói o laboratório de empresas ou a plantação de fazendas? Para que se vejam “propósitos sociais ou reivindicatórios”, é forçoso que se admita que tais ações, então, colaboraram efetivamente para o bem-estar coletivo, certo?

É claro que haverá uma gritaria dos diabos quando essa questão for efetivamente debatida. Noto, por exemplo, que um grupo de aloprados, descontente com os rumos da política ou da economia brasileira, pode decidir pôr em risco a segurança de milhares de pessoas num estádio de futebol, por exemplo. Releva-se o caráter social ou não?

É evidente que se trata de um absurdo. O Artigo 23 do Código Penal já trata das hipóteses em que ações definidas, em princípio como crime, deixam de sê-lo, a saber:
Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – em estado de necessidade; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – em legítima defesa; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

É o suficiente. O crime de terrorismo não precisa de uma exceção só pra ele. Sei que seria difícil agentes terroristas tentarem provar que agiram por estado de necessidade, legítima defesa o no cumprimento do dever. Aí só restaria mesmo a muleta hipócrita da “causa social”. Quem vai decidir quando a causa é “social” ou não? O juiz? A punição, ou não, de um crime dessa magnitude e gravidade ficaria sujeita à discricionariedade de uns e outros? O debate está só no começo.

Taques espera que, até outubro, o texto tenha sido votado na Comissão Especial e na Comissão de Constituição e Justiça. E acha possível que o plenário do Senado o aprecie ainda neste ano. Seguirá então para a Câmara. Da volta do recesso até o início da Copa, serão menos de quatro meses. A boa notícia do dia, de todo modo, é que os poderosos lobbies da descriminação das drogas e do aborto perderam o primeiro round — pelo menos até a Ilona Szabó não convencer o papa…

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