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Pai Nosso e ataques à União Soviética, a loucura bolsonarista na Paulista

Repórter narra as cenas do ato bolsonarista em São Paulo, epicentro, no Brasil, da pandemia do coronavírus

Por Manoel Schlindwein Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 15 mar 2020, 20h42 - Publicado em 15 mar 2020, 18h51

Não foi a presença dos carros nem o calor atípico deste último domingo do verão que fizeram de um passeio na Avenida Paulista um programa incomum. Acostumados a circularem livremente nas pistas fechadas aos veículos e surpresos com a repentina e tardia aparição do sol, os moradores da capital testemunharam neste domingo um clamor esquálido por demandas tão inusitadas como uma intervenção militar, o fim do comunismo no país e até a prisão de Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, e de Rosa Weber, a ministra que comanda o Tribunal Superior Eleitoral, alvo de ataques de Jair Bolsonaro nos últimos dias.

Antes, uma pausa para o choque de realidade. O Ministério da Saúde informou neste domingo que cresceu de 121 para 200 o número de casos confirmados do novo coronavírus no país. De acordo com levantamento diário da pasta, 1.915 pessoas são monitoradas por suspeitas de estarem infectadas. Os casos confirmados estão em catorze estados e no Distrito Federal. São Paulo, o epicentro da crise, tem 112 casos confirmados e a transmissão já é comunitária, quando o vírus ganhou as ruas e já não é possível determinar o ponto de contaminação — daí o tamanho da loucura bolsonarista desse domingo.

Do alto de um carro de som posicionado estrategicamente na frente da sede da Federação das Indústrias de São Paulo, reduto do mais novo bolsonarista apaixonado Paulo Skaf, lideranças do dito “conservadorismo nacional” diziam estar num ato de desobediência civil a pedido do presidente da República. Após entoarem a Canção do Exército (“se a pátria amada / for um dia ultrajada / lutaremos sem temor”) veio a velha e manjadíssima ladainha contra o Foro de São Paulo. Houve espaço até para criticar ela, ela mesma, a União Soviética. O grito de “ei, STF, sua toga vai virar pano de chão” era alternado pelo grito de guerra “nossa bandeira / jamais será vermelha”.

Num crescendo digno de ópera italiana, primeiro veio o Pai Nosso. “Quem puder, de joelhos”. Depois, a Ave Maria. Então, para delírio da plateia predominantemente familiar, Oscar Maroni, dono de um dos mais notórios clubes masculinos do país, falou. Ele tomou o microfone e foi logo questionando a Justiça e o Congresso Nacional. “Os políticos que estão lá não nos representam”. A apoteose chegou logo em seguida, com o Hino Nacional.

Avenida Paulista
Paulista ficou completamente vazia, com exceção da frente da sede da Fiesp (Manoel Schlindwein/VEJA)
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Na plateia, grande presença de cabeças grisalhas, contrariando as recomendações seguidas por cidadãos ao redor do mundo de evitarem aglomerações justamente por constituírem os idosos um grupo de risco. Aliás, o número de máscaras era tão escasso quanto o número de camisetas ou cartazes da Aliança pelo Brasil – outro devaneio; no caso, de um partido político a abrigar Bolsonaro que, até o momento, registrou pouco mais de 7.000 assinaturas, número bem abaixo das cerca de 500.000 necessárias para disputar as eleições.

Seria exagero dizer que as cenas testemunhadas pelo Radar ora tinham ares de Bergman e seu Ovo da Serpente, ora de Marcha da Família com Deus Pela Liberdade? Quiçá fosse para “libertar o Brasil da escravidão”, como muitos bradavam, certamente sem conhecerem o trabalho de escritores como Laurentino Gomes, por exemplo.

Avenida Paulista
Por outro ângulo, o deserto na Paulista, apesar do aglomerado bolsonarista na frente da Fiesp (Manoel Schlindwein/VEJA)
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Fato é que as tais cenas se repetiram por diversas cidades do país neste domingo e foram amplamente saudadas pelo presidente da República. O entusiasmo de Bolsonaro pelas manifestações não é apenas falta de decoro ou irreverência política – é crime de lesa-pátria.

Endossar abertamente o que as ruas pediram hoje é alimentar inimigos invisíveis e devaneios terraplanistas. Ao fugir de sua responsabilidade, o capitão foge da realidade, bem mais elementar, de uma urgência na saúde, da paralisia nas reformas, de uma economia baqueada e de níveis de desemprego nas alturas.

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