Era assim até julho último: quando o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda, era avisado pelos bancos sobre movimentações financeiras suspeitas, ele as comunicava às autoridades competentes para que fossem investigadas. A Receita Federal também procedia assim. Uma dessas autoridades era o Ministério Público.
Deixou de ser quando Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, atendeu ao pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e determinou a suspensão de todos os inquéritos abertos sem prévia autorização judicial. Até então o Ministério Público não precisava de autorização judicial para fazer o que sempre lhe coube fazer. É assim em quase todo o mundo.
A decisão solitária de Toffoli paralisou cerca de 930 inquéritos que apuravam casos de corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Foi o maior baque sofrido pelo combate à corrupção no país desde o início da Lava Jato no primeiro semestre de 2014. Agora, quatro meses depois, por esmagadora maioria de votos, aparentemente tudo voltará a ser como era.
De volta ao futuro, pois, segundo decisão tomada por nove votos a favor e dois contra, os dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. O curioso é que de última hora na sessão de ontem, Dias Toffoli deu por não dito o que dissera e aderiu à vontade da maioria dos seus pares. Na melhor das hipóteses, foi um gesto de respeito a eles. Na pior, um gesto de oportunismo.
O julgamento ainda não terminou. Deverá ser concluído na próxima semana depois de seis sessões. Falta que o tribunal defina a tese, uma espécie de resumo do que foi decidido. Só assim sua decisão de caráter vinculante poderá ser obedecida pelo resto do Poder Judiciário. Quanto ao processo que envolve Flávio e seu ex-motorista Fabrício Queiroz, em breve será retomado.
O perrengue em que Flávio se meteu é uma das causas da dor de cabeça que aflige o presidente Jair Bolsonaro desde que ele tomou posse em janeiro último. Ontem, ao falar sobre eleições no Tribunal de Contas da União, Bolsonaro comentou:
– O que leva a um desestímulo a uma carreira política, em especial no caso do Executivo, são os problemas que advém depois do mandato. Tenho visto colegas que de boa-fé exerceram seu mandato, mas não com o devido zelo e muitas vezes por desconhecimento se veem enrolados com a Justiça e muitos levam 10, 15, até 20 anos para voltar a ter paz. Isto não é fácil.
Sem o devido zelo, não é fácil mesmo. Bolsonaro sabe do que fala.