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Por Vilma Gryzinski
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Erros, enganos, mentiras: desde modelos até as máscaras

Todos erraram, mas alguns erraram mais que os outros e os casos mais espantosos são os que envolvem os mais capacitados a opinar sobre epidemias

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 20 abr 2020, 08h35 - Publicado em 20 abr 2020, 07h23

Políticos erram, médicos erram, modelos matemáticos erram. 

E como erram os jornalistas. Isso quando são erros de boa fé, baseados na busca honesta de fatos que deem alguma certeza quando cai o temporal de incertezas de uma nova epidemia, causada por um vírus cheio de truques, conhecido há apenas pouco mais de três meses.

A epidemia está retrocedendo marcadamente na Itália e na Espanha, ainda a um custo terrível de vidas. Ambos os países com acima de 20 mil vítimas, marca da qual a França também está chegando perto. Nos Estados Unidos, a cifra ultrapassou 40 mil. A queda é dolorosamente lenta na Grã-Bretanha, com 16 mil mortos na lista que só pode crescer.

O pico da primeira onda passou.

As cobranças, evidentemente, ainda terão um longo caminho pela frente. A derrocada econômica de tantos e tantos milhões vai tornar a cobrança bem mais furiosas.

Anda há espaço para novas reviradas, mas três fatos continuam a ser impressionantes e suas repercussões vão se manter por um bom tempo.

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1- Por que foi tão veementemente desaconselhado o uso de máscaras pelo público em geral como a forma mais banal de segurar a propagação da doença?

Autoridades médicas, especialistas, ministérios e, no topo de tudo, a Organização Mundial de Saúde, tripudiaram repetidamente dos infelizes desinformados que queriam saber por que um equipamento simples é tão vital para os profissionais de saúde e inútil, quando não perigoso, para o povão que precisaria fazer Phd em Harvard para entender como colorar e tirar uma simples máscara.

São graves as consequências quando os mais confiáveis especialistas erram feio.

Foi por maldade? Claro que não. Simples reconhecimento de que não havia máscaras para todo mundo? É possível. Desconhecimento sobre uma nova doença? Muito possivelmente.

Os erros de previsão foram impressionantes. O jornal Washington Post, por exemplo, reportou que empresas americanas venderam para China uma grande quantidade de máscaras e equipamento médico para proteção em janeiro e fevereiro.

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O valor do material foi de 1,4 milhão de dólares. Valor atualizado: 17,6 milhões.

Peter Navarro, o mais anti-China integrante do governo Trump, solta os cachorros.

“Enquanto a China silenciava sobre a gravidade da crise, estava comprando subrepticiamente uma grande quantidade da oferta mundial de máscaras e outros EPIs”, disse.

“A China passou de exportadora – a maior do mundo – a importadora. Basicamente, eles sugaram todos os EPIs do mundo, inclusive desse país, que dividiu seu equipamento com eles por generosidade.”

O Departamento de Comércio “tem conhecimento do assunto e está investigando”.

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É claro que a oposição acusa o governo Trump de negligência grave. Nesse caso, com argumentos racionais.

“É um dos múltiplos fracassos que contribuíram para uma perda significativa de vidas nos Estados Unidos”, acusou o deputado democrata Lloyd Dogget.

Está aí um bom assunto a ser investigado. Não só nos Estados Unidos, mas em todos os países onde a demanda explosiva “sugou” do mercado material básico como máscaras e equipamentos de proteção.

Se os Estados Unidos venderam esses equipamentos até fevereiro, como ficam os coitados dos brasileiros, aconselhados a cortar camisetas e outras roupas para se proteger improvisadamente? Depois de ser sucessivamente aconselhados a desencanar dessa história de máscaras?

2- Isso nos leva a outro terreno minado: não existe uma palavra final e definitiva em que “A Ciência” tenha todas as respostas definitivas e irretorquíveis.

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Aliás, o conhecimento científico só evolui através da exposição à crítica dos pares, ou seja, aqueles qualificados para fazer isso segundo protocolos universalmente aceitos.

Se nem a força da gravidade, o mais estudado de todos os fenômenos, objeto das enormes rupturas para o conhecimento humano propiciadas por Newton e Einstein, é inteiramente explicável (primeiro enigma: não deveria ser mais forte do que é?), o que dizer da medicina, que nem ciência exata é.

Obviamente, quem tem um apêndice supurado ou um caso de Covid-19, quer um médico, não um alquimista ou curandeiro.

Mas médicos, mesmo grandes especialistas, também discordam e até se estranham. Um dos casos mais interessantes, mesmo em meio aos horrores da epidemia, é o da Grã-Bretanha.

O país tem várias crises dentro da crise. O primeiro-ministro Boris Johnson foi infectado, tentou segurar na unha e acabou no chão. Sumiu do mapa enquanto se recupera e a cizânia rola sobre como será o plano de retomada.

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O país demorou demais para entrar e está demorando para decidir como sair. Deu, no começo, para usar uma expressão agora ressuscitada, um cavalo de pau.

Os principais assessores médicos do governo, Patrick Vallance e Chris Whitty, começaram preconizando exatamente a estratégia que virou proibida, a da imunidade coletiva: deixar rolar o vírus, diante de sua inevitabilidade, proteger os idosos e tratar direito dos doentes. 

Mais ou menos como está fazendo a Suécia, com resultados muito criticados, mas muito longe da emergência existencial.

A posição do governo mudou por causa do agora famoso modelo do Imperial College sugerindo que morreriam mais de 500 mil pessoas se fosse adotada a política mais branda.

“Nunca vi um estudo não publicado ter tanta influência política”, disse o “pai” do plano sueco, Johan Giesecke.

O médico sueco é implacável: usar modelos matemáticos é bobagem, todos os países terão mais ou menos os mesmos resultados e os números estão caindo porque os mais vulneráveis já morreram.

Ainda não queimaram o sueco da fogueira.

“A Covid-19 é uma doença leve, similar à gripe, e foi o fato de ser novo que apavorou o público”, disse o professor Giesecke, que trabalhou na agência de controle de epidemiologia da Suécia e saiu da aposentadoria por causa da nova epidemia.

“As medidas tomadas pela maioria dos governos não têm base em evidências.”

Geisecke insiste que a a imunidade coletiva é apenas um subproduto da estratégia sueca de isolar os idosos, aumentar a capacidade hospitalar e incentivar o isolamento social sem medidas coercitivas.

Previsão dele: à medida em que começarem a ser aplicados os planos de retomada das atividades, os casos vão aumentar de novo e haverá retrocessos.

Quem se sairá melhor, entre países comparáveis da Escandinávia, em termos de decisões baseadas em argumentos científicos divergentes? “Vamos travar esta discussão dentro de um ano”, diz o sueco implacável.

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3- Dentro de um ano, se chegarmos até lá, também haverá uma boa quantidade de explicações para os erros dos vários modelos de previsão.

Claro que queremos saber tudo desde já. Ou desde ontem.

Pergunta número um: por que todos os modelos mais conhecidos prognosticaram um número maior de mortos do que as que estão de fato ocorrendo, por mais que parecem suficientemente horríveis?

Número dois: por que, felizmente, não aconteceu a saturação catastrófica do sistema de saúde (não estamos falando, aqui, de exceções pavorosas como Guayaquil)?

Terceira: por que não se concretizou, de novo felizmente, a emergência extrema que levou o governador de Nova York, Andrew Cuomo, aconselhado por uma equipe médica, a pedir 40 mil ventiladores mecânicos (o ápice não passou de cinco mil)?

O IHME, Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde, da Universidade de Washington,  em Seattle, é considerado o melhor do mundo. Portanto, o mais capacitado a responder.

E a resposta é limitada. Fazer modelos “depende das informações que podem ser angariadas”, escreveu o Guardian ao tentar responder a pergunta.

O modelo do IHME vai incorporando constantemente os novos dados. Portanto, vai ficando mais acurado.

Até que ponto?

Uma tirada famosa de Mark Twain está sendo muito lembrada. “Existem três espécies de mentiras: mentiras, mentiras deslavadas e estatísticas”.

A vida é complicada e um trauma das proporções do novo coronavírus nos faz, mais ainda, ansiar por resposta simples, diretas, sem margem a dúvidas. 

Descobrir que nem todos os recursos extraordinários da humanidade, tão próxima de dar o próximo salto evolutivo em matéria de conhecimento, têm as respostas num momento como esse é uma surpresa para muita gente.

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