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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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Lula ainda pode pacificar o Brasil, diz João Doria

Em entrevista exclusiva à coluna, o ex-governador manda um importante recado para o presidente em tempo de ânimos acirrados

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 out 2023, 12h48 - Publicado em 19 out 2023, 12h23

João Doria acredita firmemente que o presidente Lula pode tirar o Brasil da odiosa polarização dos últimos anos, que contou com crises institucionais em série e uma tentativa de golpe no infame 8 de janeiro.

“O presidente Lula tem que ser o agente da pacificação. A meu ver, cabe a ele ter um papel de profunda grandeza no país, e que pode catapultá-lo de forma definitiva para a história como o grande pacificador do Brasil. Ele será louvado e será exaltado e aplaudido mundialmente, não apenas aqui. Ele pode cumprir esse papel”, afirmou em entrevista exclusiva à coluna.

Mesmo avaliando o governo Lula de forma positiva nesses 10 meses, Doria diz que o presidente ainda não cumpriu esse papel de pacificador. “Não cumpriu, mas repito: ele pode cumprir. Eu não perdi a esperança de que ele pode ter esse papel. Eu não vejo o Lula como um homem do mal. Eu vejo o Lula de hoje como um homem mais experiente, mais vivido”, completa.

Fundamental para o país salvar vidas na pandemia – o que é admitido até por adversários – João Doria diz estar positivamente surpreso com o papel de Fernando Haddad no governo. Para ele, o mercado não esperava que o ministro da Fazenda “fosse ser uma pessoa do diálogo”.

“Então, essa já foi uma boa surpresa, o ministro que não esperavam que fosse ser uma pessoa do diálogo, e tem surpreendido não só pelo diálogo, mas pelo bom diálogo”, avaliou Doria sobre o adversário que derrotou na disputa pela prefeitura de São Paulo em 2016.

Com a experiência de quem passou por duas das três mais difíceis eleições do país de forma vitoriosa – só não passou por todas porque o PSDB o traiu na eleição presidencial – ele avalia que o futuro político de Jair Bolsonaro é bastante complicado após a inelegibilidade. “Não é impossível, mas é difícil”.

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De volta ao mundo dos negócios, João Doria vê como um equívoco do governo Lula o imbróglio envolvendo a exploração de petróleo na foz do Amazonas. “Não havia necessidade de tanto rigor em um tema como esse, com a possibilidade quase que nula de risco em uma situação de acidente”.

Na entrevista à coluna, o ex-governador de São Paulo defendeu o diálogo entre o Supremo e o Senado no atual momento de estresse institucional, mas insinuou que o STF pode ter errado nos últimos meses. “É preciso ter discernimento de que a função legislativa compete ao Congresso Nacional e não ao Supremo Tribunal Federal”.

João Doria ainda respondeu sobre o que pensa do futuro ao ser perguntado sobre uma eventual volta à política. Leia os principais trechos da entrevista abaixo:

O senhor pode fazer uma avaliação geral sobre o governo Lula?

João Doria – De maneira geral, bem. Principalmente no aspecto econômico, uma grata surpresa. O posicionamento do ministro Fernando Haddad tem sido muito correto e muito elogiado pelo mercado. Primeiro, porque foi uma pessoa que se dedicou ao diálogo, ao entendimento com o mercado produtivo, não só o mercado financeiro – de forma geral, indústria, comércio, atores de serviços – o próprio mercado financeiro está dentro de serviços – e a área de tecnologia. Então, essa já foi uma boa surpresa, o ministro que não esperavam que fosse ser uma pessoa do diálogo, e tem surpreendido não só pelo diálogo, mas pelo bom diálogo. Depois, o empenho que ele teve no âmbito do arcabouço fiscal, que foi bem construído de forma geral. Terceiro aspecto bom, também a contribuição que ele deu na reforma tributária. Ele ajudou a conduzir o bom entendimento com o Congresso, com a Câmara e mais recentemente com o Senado, e igualmente com governadores e prefeitos. Não deixou de dialogar com ninguém que pediu conversa com ele, expondo os seus problemas, as suas necessidades, os seus aspectos sobre diferentes prismas. Eu falei três premissas, mas queria acrescentar uma quarta, que foi o diálogo que ele soube conduzir com o presidente do Banco Central. Ao invés de hostilizá-lo, ele cultivou o bom entendimento sem perder a posição crítica em relação às taxas de juros. Construiu essa ponte com o presidente do Banco Central, ponte essa que permitiu que o presidente do Banco Central fosse recebido pelo presidente Lula. Isso se deve também ao Fernando Haddad, eu entendo que este é um aspecto positivo do atual governo.

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Alguma outra área do governo lhe chamou a atenção?

João Doria – Há muito por fazer, estamos longe ainda de termos uma economia próspera, mas começamos o bom caminho. É sempre melhor você ter um bom início do que começar pelo caminho pela rota errada. Aumenta o tempo perdido e aumenta o desgaste de energia. Começamos pelo lado certo. Outro aspecto, para não ficar sem amparo, é a questão ambiental. Ainda que com alguns reparos, a política ambiental é substancialmente melhor do que a política ambiental que não houve no governo anterior. E o compromisso da descarbonização, a reafirmação da proteção às florestas, da compreensão em relação aos territórios indígenas e uma visão de diálogo, principalmente com os países – Japão, EUA, Canadá – que permitiu o desbloqueio de investimentos de fundos e de empresas em relação ao Brasil. Não estou falando aqui do fundo Amazônia, estou falando de investimentos normais que estavam bloqueados por conta dos equívocos ambientais do governo passado. Então, foi uma conquista. Pequenos equívocos, aquela questão da Petrobras, exploração do petróleo na bacia do Amazonas, a 400 quilômetros da foz, foi um excesso de rigor. Não havia necessidade de tanto rigor em um tema como esse, com a possibilidade quase que nula de risco em uma situação de acidente. Mas os ganhos foram maiores, os acertos foram maiores que os equívocos na área ambiental. E, por último, para concluir, a inserção do Brasil no cenário internacional, na geopolítica internacional. Também com alguns reparos, mas de um país que estava completamente isolado, o Brasil está hoje inserido na comunidade internacional. Onde eu faço reparos? Manifestações como as feitas ao presidente da Venezuela, sendo recebido com pompas e circunstâncias no Palácio do Planalto. Podia ter evitado isso. Não era preciso criar nenhum tipo de hostilidade ao presidente da Venezuela, mas o excesso de afabilidade chamou a atenção. E as manifestações feitas ou consentidas em relação à Nicarágua, ou à Cuba, que poderiam ter sido suprimidas também. Os ganhos foram muito maiores do que as perdas, os acertos foram substancialmente mais expressivos do que os equívocos. Então, a minha análise deste governo é boa. Na área da defesa também, o ministro José Múcio tem sido um extraordinário dialogador. Não é fácil você estruturar uma posição equilibrada na área militar depois de um governo militarizado, como foi o governo anterior, e essa boa costura se deve ao bom senso, ao equilíbrio, à razoabilidade do ministro da Defesa,  que eu também classifico como um ganho positivo desse governo.

Como empresário e com todo o seu conhecimento na carreira, como está percebendo a economia? Pensava-se que o crescimento ia ser de 0,7%, mas aparentemente será 3%. Já sentiu melhora na economia mesmo ou, na sua visão, a coisa ainda está engatinhando?

João Doria – Uma melhora tênue. Melhor ter um crescimento tênue do que ter uma recessão ou uma estagnação. O Brasil não ficou nem na recessão, nem na estagnação. Teve um crescimento tênue e pode manter essa linha ascendente, pode continuar crescendo. Na sua perspectiva de PIB, isso se refletirá em maior confiança do empresariado, de pequeno, médio e grande porte, também do investidor, do pequeno, médio e grande investidor. E isso, acontecendo, vai se traduzir em expansão da economia e geração de mais empregos. O grande beneficiário vai ser a população mais vulnerável e a população desempregada que ainda temos no Brasil em larga escala. Estamos no bom caminho, mas ainda não podemos comemorar.

Sobre o seu antigo partido: depois de tudo o que se sabe sobre o Bolsonaro – muito mais informações que se tinha naquele passado longínquo de 2018 – a sucessão da prefeitura de São Paulo passará justamente por Bolsonaro. Como o senhor vê essa situação de um eventual apoio do partido a um candidato do ex-presidente?  

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João Doria – Prefiro não fazer julgamento sobre o PSDB, porque eu estou afastado do partido, eu pedi desligamento do PSDB, no qual fui filiado durante 22 anos. E o único partido político que eu tive ao longo da minha vida. E também estou distante da política, porque tomei a decisão de não disputar a eleição presidencial e tomei a decisão de ficar fora da política. E não pretendo retornar à vida pública. Então, eu não me sinto à vontade para ter uma visão crítica em relação ao PSDB. Eu apenas digo que perdoei a todos que me fizeram mal e que contrariaram a decisão soberana de 22 mil eleitores do PSDB, que acreditaram nas primárias, acreditaram nas prévias do PSDB e foram votar. E votaram majoritariamente em mim. Mas não tiveram os seus votos honrados e nem a decisão das prévias foi respeitada. Mas eu perdoei a todos que, nessa circunstância, não cumpriram o rito democrático.

E o senhor não tem mesmo a intenção de voltar para a política?

João Doria – Não tenho mesmo.

Mas e aquele sonho de menino que viu o pai sendo perseguido pela ditadura de uma forma terrível.  O senhor teve uma carreira extremamente vitoriosa na prefeitura e no governo do estado. Isso não te sensibiliza a talvez um dia pensar num retorno. Tenho certeza que tudo que você passou na infância influenciou…

João Doria – De fato influenciou, e você está certo ao ter reproduzido isso. E também as agruras e a injustiça cometidas. A violência também com meu pai, que foi obrigado a ir para o exílio e ficou dez anos longe do Brasil e perdeu tudo. Perdeu patrimônio, perdeu amigos, perdeu contato com a pátria durante dez anos por força de um ato completamente de violência, que foi a ditadura, o ato institucional número 1 e que ceifou os direitos políticos não só dos que estavam na política, como também de jornalistas, de intelectuais, de cidadãos e pessoas que gostavam do Brasil e que nada mais fizeram do que lutar pela democracia. Eu cumpri a minha tarefa nas eleições que disputei, venci todas, disputei cinco eleições, três prévias do PSDB, sou o único político no Brasil a ter disputado três prévias, nenhum outro teve esse exercício. As venci, as três, com bons candidatos disputando, vários bons candidatos, e ganhei as duas eleições majoritárias mais difíceis no Brasil – fora a eleição federal – a cidade de São Paulo e o estado de São Paulo, mas cumpri minha tarefa, Matheus. Encerrei o meu tempo da política, o que não significa que eu encerrei o meu tempo de Brasil. E morando aqui, desejo ajudar e apoiar o meu país, ajudar o povo brasileiro, principalmente os mais vulneráveis e os que mais sofrem. Por isso eu estou aqui. E no que eu puder continuar ajudando, colaborando, contribuindo como cidadão, pela livre iniciativa, pelo setor privado, pela sociedade civil, vou continuar fazendo. Me sinto bem e recompensado em poder contribuir sempre que for possível. Nunca vou olhar sobre questão partidária, ideológica ou de quem é governo, quem deixa de ser. E sim pela causa. E trabalharei pela causa. Estarei sempre disponível e em condições de ajudar. Como tenho procurado fazer, aliás, diga-se de passagem. Não é apenas um desejo de futuro, é aquilo que já realizei e poderei realizar ainda mais. Estou feliz por poder cumprir esse papel.

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Em qual dos dois postos o senhor tem condições de ajudar mais o Brasil, na função pública ou na função privada? 

João Doria – No tempo do público colaborei montando bons times, boas equipes, fazendo governos transformadores, uma política liberal social e com honestidade, com decência, sem roubar o dinheiro público e nem permitir que se roubasse o dinheiro público. E trabalhei de graça, devolvi e doei todos meus salários para o Fundo Social do município de São Paulo, depois o Fundo Social do Estado de São Paulo, o governo do Estado de São Paulo. Não utilizei as facilidades oferecidas constitucionalmente pelo governo, ou seja, morar na residência oficial, utilizar cartão corporativo. Abri mão disso, entendendo que eu podia colaborar e contribuir morando na minha casa. Por ter contribuído sem nenhum tipo de remuneração, me senti recompensado pelos atos que fiz, pela defesa da saúde, da vacina, do trabalho, dos programas sociais, sobretudo para diminuir os efeitos da pandemia. Os programas de internacionalização que fizemos para atrair capital externo para São Paulo, com os escritórios que abrimos na China, no Oriente Médio, na União Europeia, nos Estados Unidos. Eles mantêm-se abertos até hoje. O governo atual teve a boa decisão de preservá-los. E também ter feito um governo que permitiu o crescimento econômico de São Paulo cinco vezes mais do que o país. Na fase mais difícil do Brasil, São Paulo cresceu 5.2 vezes mais do que o Brasil. O PIB de São Paulo é um PIB que surpreendeu. E por força de boa gestão, uma gestão de ciência com bons executivos à frente das respectivas secretarias em São Paulo, em especial Henrique Meirelles, como secretário da fazenda. Vinte iniciativas que representam bons legados para São Paulo e, de certa forma, para o Brasil também.

Aquele momento da vacina o senhor foi fundamental para o Brasil…

A vacina, que poderíamos ter importado apenas para os brasileiros de São Paulo, nós distribuímos 124 milhões de doses do Butantã para todo o Brasil, três vezes mais que a população do estado de São Paulo. A despoluição do Rio Pinheiros foi um exemplo de que é possível cumprir desafios complexos. Despoluir um rio que durante quase 60 anos se prometeu despoluir e não foi feito. Nós fizemos, apesar da dificuldade, apesar de muitos terem dito, ‘não prometa que você não vai conseguir, todos os que prometeram não conseguiram então não faça isso’. Eu disse “vou prometer e vou fazer” – compromisso de um bom gestor é estabelecer metas e cumpri-las, não é só anunciar e não realizar. Eu investi muito mais na gestão do que na política. E não me arrependo disso. Respeitando a política, eu concluo: não há democracia sem política, nem boa política sem democracia. Mas a melhor política é aquela que você faz a gestão para o cidadão e não para você, e não para os interesses pessoais ou interesses partidários. Eles não podem ser a prioridade. A prioridade tem que ser o cidadão, a população. Foi o que eu fiz.

Mas em qual dos dois lados você consegue ajudar mais? Você consegue ter essa visão?

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João Doria – Eu consigo. No privado, no público, eu fiz – como prefeito, como governador. No privado, eu quero promover o diálogo e mostrar que é o diálogo que pode ajudar a mudar o Brasil, é o entendimento, é a pacificação, Matheus. Pacificar o Brasil. Nós não podemos viver num país polarizado. A polarização, ela não agrega, ela não constrói, ela destrói. Isso não vai trazer bons resultados para o Brasil.

Mas como sair dela?

João Doria – Eu dizia que, investindo agora no setor privado, no diálogo e no entendimento, na promoção do diálogo, que é fundamental, que é essencial, e mostrar que a polarização não é construtiva para o Brasil. Ela não é boa nem para o país, nem para o seu povo. A pesquisa indicando 46% presidente Lula, 43% ex-presidente Jair Bolsonaro, mostra um Brasil dividido. O Brasil não pode continuar vivendo essa polarização entre Lula e Bolsonaro, entre direita e esquerda. E quem pode liderar esse movimento para reverter isso e atenuar essa polarização e sensibilizar o Brasil, pacificar o Brasil, é o presidente Lula. O presidente Lula tem que ser o agente da pacificação do Brasil. Ele tem o poder legitimado pelo mandato que ele conquistou no voto direto, nas eleições de 2022, tem a inteligência, capacidade e a vivência de alguém que já presidiu o Brasil duas vezes, está no seu terceiro mandato. O seu tempo de vida, os seus cabelos brancos, a sua experiência como sindicalista, como negociador. Espero que ele possa ouvir muito mais a voz do seu coração do que a voz dos que não têm razão, dos que insistem que ele caminhe pela trilha do ressentimento, do emparedamento daqueles que foram adversários nas últimas eleições ou foram adversários há mais tempo, ou que não conjuguem os mesmos ideais, princípios ou até alinhamento partidário. A meu ver, cabe ao presidente Lula ter um papel de profunda grandeza no país, que é o que pode catapultá-lo de forma definitiva para a história, como o grande pacificador do Brasil. E ser um exemplo também mundial, não por propor, mas por exercer. Há uma diferença entre aquele que propõe e aquele que exerce. O presidente Lula pode ser o próprio exemplo a ser praticado em encontros, seja do G7, do G20, seja na ONU, onde agora o Brasil preside o Conselho em que está e que tem uma responsabilidade no momento de conflitos tão graves no plano mundial. Se o presidente Lula exercitar a sua possibilidade de ser um agente pacificador, ele falará nos fóruns internacionais com muito mais autoridade, seja na ONU, seja no G20, seja no G7, ou seja em qualquer um dos encontros multilaterais e internacionais. Ele dará a experiência do Brasil. ‘Vejam o que eu fiz no Brasil. Eu pacifiquei o meu país, um país de pessoas pobres, de pessoas vulneráveis, um país dividido por extremistas. Eu pacifiquei, abri mão de práticas que talvez fossem as recomendadas partidariamente e ideologicamente pela prática do amor, do entendimento’. Ele será louvado e será exaltado e aplaudido mundialmente, não apenas aqui no Brasil. Ele pode cumprir esse papel.

Lula pode, mas tem cumprido isso na sua avaliação. Digo, até agora?

João Doria – Ele ainda não cumpriu, mas repito: ele pode cumprir. Eu não perdi a esperança de que ele pode ter esse papel bem realizado. Eu não vejo o Lula como um homem do mal. Eu vejo o Lula de hoje como um homem mais experiente, mais vivido. Eu só espero que ele siga mais o seu coração do que aqueles que insistem em colocá-lo na polarização. Não é bom para o presidente Lula abraçar essa polarização. Não é bom para ele, não é bom para o país. Ele pode ter o mesmo espírito que já o fez pacificar com algumas pessoas. Seu gesto com Geraldo Alckmin, quando fez recentemente ao receber o Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, a quem ele, de certa forma, antagonizou fortemente.  E espero que outros gestos desta natureza possam ser repetidos. Geraldo Alckmin foi adversário dele – duríssimo, aliás, em duas eleições – e hoje é o seu vice-presidente. Que ele retome esse caminho do entendimento, do diálogo, do qual eu tenho certeza, ele não se arrependerá, porque é o melhor caminho para o Brasil e para o país que ele lidera, por força do seu mandato. Mas você tem que conquistar com a sucessão das suas iniciativas, não basta uma. Um bom sábio exercita permanentemente as suas. Não faz isso pontualmente uma vez, faz várias vezes. Eu acredito sinceramente que o presidente Lula pode cumprir esse papel e falo isso com sinceridade e com humildade, inclusive.

Como ex-governador, o senhor poderia avaliar o governo do estado de São Paulo sob o comando de Tarcísio de Freitas?

João Doria – Também é uma boa avaliação. Há mais pontos positivos do que negativos. O governo liberal do governador Tarcísio segue uma linha correta, a meu ver, de desestatizar a economia paulista, de atrair mais investimentos externos para a economia do Estado, melhorando a infraestrutura, reduzindo o tamanho do Estado, melhorando a sua eficiência. Com isso, gerando mais empregos, empregos melhores para a população do Estado. E dar continuidade às obras também que estão sendo feitas aqui, o que ele tem promovido, e esse me parece um aspecto positivo. Ele saiu daquela… Castigar o governo anterior para identificar o seu novo governo. Teve discernimento de compreender que aquilo que estava sendo feito era um bom caminho e ele segue nesta mesma linha, com uma visão técnica que, a meu ver, é correta. Isso de forma geral qualifica o governo dele, onde é preciso ter cuidado para não cair na tentação da ideologia ou de apostas mais políticas do que técnicas que talvez possam gerar alguma vulnerabilidade a ele. Ele será conhecido como um bom governador se mantiver o seu perfil técnico, sem evidentemente desrespeitar a política. Não é preciso que ele se distancie das suas convicções, mas que de forma moderada possa exercer o papel político. E de forma acelerada possa exercer o seu papel técnico.

Mudando de um nome da direita para outro, há futuro para um político que está inelegível? 

João Doria – Eu diria difícil. Para quem recebeu a punição da inelegibilidade durante oito anos, é muito difícil você ter a perspectiva de se tornar elegível. Você só sofreu uma condenação. Não é impossível, mas é difícil.

Após quatro anos de crises institucionais em série, e alguns meses de descanso, o Brasil está de novo numa situação de stress institucional. Como o senhor vê esse momento entre o Senado e o STF? 

João Doria – Há a necessidade urgente em intensificar o diálogo, de parte a parte. Eu diria também que baixar um pouco a guarda, tanto no Congresso quanto no Supremo Tribunal Federal. É o diálogo e o entendimento que pode estabelecer as posições e os limites de cada poder. Eles precisam se respeitar e compreender até onde vai o poder judiciário e até onde vai o poder do legislativo, para que essa convivência não tire a credibilidade de nenhum dos dois poderes e nem a institucionalidade que cada um representa na defesa da Constituição Brasileira.

Tenho ouvido de todos os lados, e uma das críticas que voltou a crescer é a de que justamente o Supremo estaria legislando ao entrar, nos últimos três meses, em assuntos como o marco temporal, descriminalização do porte de drogas, e na questão do aborto. Como o senhor percebe esses movimentos, agora como uma pessoa que agora está de fora da política? 

João Doria – Percebo que é preciso ter discernimento de que a função legislativa compete ao Congresso Nacional e não ao Supremo Tribunal Federal. É preciso ter cautela e compreensão de que mesmo para as coisas que precisam mudar, precisam ser reposicionadas – este papel, neste caso específico, cabe ao legislativo e não ao judiciário. E, para isso, é preciso ter um entendimento e não a autoria. Não… ‘eu faço porque é o melhor’, mas se a responsabilidade de fazer e deliberar não era do judiciário, por que fazê-lo? Melhor dialogar com o judiciário para que eles possam cumprir esse papel, que lhes cabe, do que legislar sobre uma função de um outro poder, que é o Congresso Nacional.

Como o senhor vê o futuro do Brasil?

João Doria – A atração de investimentos externos ao Brasil depende muito de uma visão de um país. Investidores internacionais fogem de países em conflito, fogem de países onde não há respeito institucional e fogem de países onde não há segurança jurídica para os seus investimentos. Portanto, mais uma vez, a vitória do presidente Lula, se pacificador for, não é apenas do ponto de vista da sua imagem – é o resultado concreto que isso pode determinar no crescimento de investimentos no Brasil. Um país pacificado é um país institucionalizado, onde não há riscos de você romper o processo democrático ou mutilar a Constituição, ou promover rupturas de segurança jurídica em contratos e processos que anteriormente foram validados pelo Judiciário e principalmente pelo Legislativo. Então, isso não é só o benefício da imagem, é o benefício concreto que isso vai proporcionar em novos investimentos ao Brasil. E do ponto de vista de mensagem é paz, compreensão, perdão e coração. O Brasil precisa conjugar a compreensão, o perdão, o bom coração e a pacificação, senão nós vamos viver essa polarização eternamente e os extremos vão ficar se chocando e vão ficar alternando posições e quem paga esse preço é a população, sobretudo a população mais vulnerável do país. Essa é que paga o preço. Esses 30 milhões de brasileiros que vivem em situação de pobreza ou de extrema pobreza são os mais prejudicados em um Brasil desunido e dividido.

Na minha visão, tudo o que aconteceu no Brasil nos últimos quatro anos está ligado ao que se passou na ditadura. Por não ter havido uma justiça de transição, ser o único país que não fez uma justiça de transição após um regime de exceção, levou a um fenômeno único do Brasil no qual há, de certa forma, uma banalização do mal, como diz a Hannah Arendt. Qual a sua avaliação sobre a forma como o Brasil se relacionou com os crimes da ditadura, se relacionou com o que aconteceu entre 1964 e 1985?

João Doria – Isso já foi feito e de forma correta, sem transformar isso numa política de ódio e de ataques ou de ressentimentos. O governo Fernando Henrique Cardoso, durante oito anos, na Comissão da Verdade e nos estudos que promoveu, de forma equilibrada e dando oportunidade a ampla defesa, estabeleceu os princípios que colocaram no passado as circunstâncias de 20 anos de ditadura e de perdão, reconhecimento e até compensação, ainda que uma vida não tenha valor para ser compensado, ou uma penalidade física que tenha sofrido alguém que tenha sido vítima de uma sevícias.

Tortura, violações de direitos humanos.

João Doria – De uma tortura não há evidentemente, não há nada que pague a dor e as marcas de uma tortura ou da morte de alguém, mas de toda a sorte houve um reparo feito pelo governo brasileiro durante o período do governo do presidente Fernando Henrique. Então, isso eu considero como um fato concluído. Digo isso sendo filho de um deputado cassado pelo golpe de 64. Eu vivi no exílio também dois anos com minha mãe, meu irmão nos 10 anos de exílio de meu pai. Não falo isso distante de alguém que viveu esse sofrimento em família. Mas entendo que esse é um episódio concluído já por força dessas comissões e de um amplo processo investigativo feito no Congresso Nacional. Estou aqui me referindo a 1964, especificamente, ao golpe de Estado, ao golpe militar que o Brasil sofreu e pelo qual pagou um preço muito alto, ao longo de duas décadas, imposto ao seu povo – e principalmente aqueles que pagaram com as suas vidas ou submetidos à tortura ou a perda dos seus negócios, perda das suas fontes econômicas e do seu direito de viver no Brasil. Essa fase de profunda impunidade eu espero, sinceramente, que jamais volte a se repetir no Brasil, nem pela esquerda, nem pela direita, nem pelos extremos, nem por nenhuma outra forma. A minha visão é essa: olhar para frente. O Brasil tem que olhar para frente. O Brasil não pode ficar usando o retrovisor o tempo inteiro para analisar o passado. Vamos exercitar o presente, mas principalmente olhando o futuro. As pessoas não podem ficar presas ao passado. Isso impede o perdão, impede a compreensão, impede a tolerância. E ficamos sempre nesse conflito, nessa guerra com a situação passada. Ainda que o passado tenha sido condenável daqueles que erraram, daqueles que cometeram crimes, daqueles que desobedeceram a Constituição, daqueles que ameaçaram a democracia. O Brasil tem que olhar para frente e se unir. O Brasil tem que ser um país unido. Isso não significa que não haja discordâncias, que não haja pessoas com pensamentos distintos. O exercício democrático está também na discordância, está também no contraditório, não estou advogando para que não haja o contraditório, mas temos que ter uma visão construtiva mesmo no exercício pleno da democracia e do contraditório.

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