Assine VEJA por R$2,00/semana
Matheus Leitão Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
Continua após publicidade

Democracia e combate à corrupção

Ensaísta Davi Lago lembra Ulysses Guimarães: "República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam"

Por Davi Lago
Atualizado em 26 abr 2020, 10h41 - Publicado em 26 abr 2020, 10h21
  • Seguir materia Seguindo materia
  • A corrupção é a destruição da res publica, da coisa pública, do espírito público que deve nortear um Estado democrático. Corrupção ativa e passiva, e seus correlatos, são crimes contra a Administração Pública que, entre outras violações, privatizam ardilosamente o que é e todos. A corrupção é inconciliável com a construção de um Brasil moderno. Podemos citar três eixos democráticos que viabilizam a luta efetiva contra a corrupção:

    Publicidade

    (1) a importância do Estado constitucional democrático e sua transparência – em oposição ao Estado autocrático e arbitrário: o Estado democrático transcorre na esfera de poder visível, e não de poder invisível, que é o modelo ideal do Estado autocrático. Na lição de Norberto Bobbio (1909-2004) quem comanda é mais temível quanto mais está escondido, e quem deve obedecer é mais dócil quanto mais é perscrutável. O poder tende a esconder-se, pois é mais potente quanto menos se deixa ver. Quanto maior a possibilidade de se tomar decisões arbitrárias, maior a possibilidade de corrupção. No Estado despótico, o soberano vê sem ser visto, controla o povo sem ser por ele controlado. Na democracia o poder é público em dois sentidos: primeiro, é público porque não é privado, particular, nem beneficia interesses particulares; em segundo, o poder também é público pois deve ser exercido em público, ou seja, de modo visível, às claras, não em segredo. O segredo deve limitar-se no tempo e ser empregado com grande moderação pois o princípio fundamental da democracia é hostil ao secreto. Por visibilidade e transparência o exercício do poder é verificável e controlável – sendo exercido e fiscalizado segundo normas conhecidas e sancionadas por lei.

    Publicidade

    (2) o estabelecimento, manutenção e aprimoramento de instituições e mecanismos de controle: o combate a corrupção envolve a capacidade das instituições de coibir o fenômeno e punir aqueles que insistem em praticá-lo. Por isso, há esforços no aprimoramento institucional brasileiro desde o início dos anos 1990 com a instauração e fortalecimento de organismos de controle e seu efeito na limitação da corrupção como o Tribunal de Contas da União, a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal. O mesmo pode ser dito acerca do aprimoramento legislativo com leis emblemáticas como por exemplo: Lei Complementar de Responsabilidade Fiscal (2000), Lei da Transparência (2009), Lei Complementar da Ficha Limpa (2010), Lei Anticorrupção (2013). Sem prejuízo dos avanços nos últimos trinta anos, a configuração institucional brasileira ainda tem falhas graves que precisam ser sanadas. Ainda possuímos um sistema político de representatividade desproporcional e burocracias em excesso. Para nosso horizonte imediato há saídas recorrentemente apontadas que envolvem: a melhor integração dos órgãos de controle, menos cargos em comissão, menos estatais, vedação a regimes tributários especiais, um sistema eleitoral que privilegie candidaturas mais baratas (distritos menores, com campanhas mais simples e limites de gastos baixos), partidos com estruturas mais transparentes e democráticas e fontes de financiamento pulverizadas (partidos e candidatos buscando dinheiro junto aos seus eleitores e não no orçamento público ou em grandes empresas) e a eliminação da impunidade com regras de prescrição menos benéficas, forte restrição aos recursos protelatórios e punições maiores ao crime de caixa dois.

    (3) a ampliação da cidadania e da prestação de contas dos poderes públicos – (accountability): o combate à corrupção exige fundamentos constitucionais democráticos, transparência e uma mobilização permanente da sociedade – não basta uma cidadania de papel. As liberdades públicas para a cidadania – que incluem o acesso a informação, a liberdade de imprensa, a liberdade religiosa, a liberdade de expressão – são basilares no combate à corrupção. Assim, o combate a corrupção ocorre em um ambiente onde há cidadãos interessados em verificar a ordem das coisas – e que tenham meios de fazê-lo – mas também por autoridades que cumprem à risca seus deveres de prestação de contas – ou “accountability”.

    Publicidade
    Continua após a publicidade

    Foi na promulgação da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988 que Ulysses Guimarães afirmou: “A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam”. A advertência é atemporal. A partir de alicerces democráticos é possível avançar no aprimoramento das instituições e mecanismos de controle da República brasileira.

    * Davi Lago é pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo

    Publicidade
    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.