Plano contra Moro: ação, reação e algumas verdades
Para obtermos os efeitos desejados em qualquer política criminal, temos de seguir atacando o edifício da criminalidade começando de cima para baixo
Diante da operação Sequaz, bem-sucedida ação repressiva deflagrada no dia 22 de março do ano corrente, pela Polícia Federal, contra membros de facções criminosas que estariam planejando executar Sergio Moro e o promotor de justiça do Ministério Público de São Paulo Lincoln Gakiya, entre outras autoridades, é importante sejam feitas algumas inferências, e renovadas certas verdades inapeláveis.
A primeira é que Sergio Moro, durante sua curta passagem pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, tomou medidas acertadas que incomodaram a delinquência organizada, entre elas a de transferir lideranças de facções criminosas para presídios de segurança máxima. Foi um cartada que desorientou e impactou essas organizações delituosas. À mesma conclusão podemos chegar em relação ao desassombrado Promotor de Justiça Lincoln Gakiya, que teria provocado o processo que culminou com o translado desses presos perigosos. Moro, Gakiya e as demais autoridades ameaçadas merecem nossa solidariedade.
Uma segunda verdade é que Moro, ao sair do MJSP escorraçado por Bolsonaro, foi apedrejado pelos extremistas da direita e por 100% dos bolsonaristas. Sua gestão no ministério foi achincalhada pelo próprio presidente, com enorme produção de fake news e distorções da realidade sobre o seu trabalho. Essa verdade, em especial, é destinada à bolsosfera, que já inicia uma nova onda de desinformação acerca dessa operação da PF, buscando se reapoderar de um ex-ministro que, há apenas três anos, foi tachado de inoperante e incompetente pelos fanáticos seguidores do ex-presidente.
A terceira verdade é que as reminiscências de Lula, sobre o que ele pensava quando estava preso (palavras essas que poderiam ter sido evitadas) estão sendo descontextualizadas e desvirtuadas, não podendo ser trazidas para a discussão sobre a operação que frustrou planos de executar Sergio Moro e outras autoridades. A fala foi infeliz, mas não guarda nenhuma relação com a ameaça ao ex-ministro. Fazer essa vinculação é uma leviandade política sem tamanho.
A quarta verdade é que o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e a Polícia Federal estão de parabéns pelo planejamento e execução de uma ação que pode ter evitado uma tragédia aos moldes da máfia siciliana, e que seria executada contra um parlamentar que é adversário do atual governo.
A quinta e última inferência é que esse audacioso plano engendrado contra a vida de promotores e agentes da lei representa uma afronta sem precedentes ao Estado de Direito e nos mostra que estamos a um passo de nos tornarmos um “narcoestado”, a exemplo do que ocorreu com a Colômbia em passado recente. Medidas enérgicas, com a cooperação e articulação entre forças policiais federais e estaduais, devem ser encetadas para a contenção dessa escalada absurda da alta criminalidade.
Finalmente, vale realçar, como bem coloca o Professor Robert Rotberg, especialista em combate à corrupção, da John F Kennedy School of Government de Harvard, no seu livro Anticorruption, “assim como um peixe apodrece a partir da cabeça, todos os tipos de corrupção tomam sua forma e direção a partir dos desvios e fraquezas de líderes e de seus assessores”, o que significa que para atacarmos o crime de rua e a delinquência organizada — e outras modalidades criminosas violentas — é imperiosa a realização do enfrentamento à alta corrupção empresarial e política — a dita criminalidade institucionalizada. Em suma, para obtermos os efeitos desejados em qualquer política criminal, temos de seguir atacando o edifício da criminalidade começando de cima para baixo.